COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 3.4.2019
COM(2019) 163 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU E AO CONSELHO
Prosseguir o reforço do Estado de direito na União
Ponto da situação e eventuais medidas futuras
I.
INTRODUÇÃO
O Estado de direito é um dos valores fundamentais da União Europeia
, refletindo a nossa identidade comum e as nossas tradições constitucionais comuns. Constitui um dos fundamentos dos sistemas democráticos de todos os Estados-Membros e é imprescindível para garantir a proteção efetiva dos direitos fundamentais. O Estado de direito é essencial para a União Europeia poder funcionar enquanto espaço de liberdade, segurança e justiça e enquanto mercado interno, onde a lei seja aplicada de modo uniforme e eficaz e os orçamentos administrados segundo as regras em vigor. Garante ainda que os Estados‑Membros e os respetivos cidadãos podem trabalhar em conjunto num espírito de confiança mútua, pois a confiança nas instituições públicas, incluindo no sistema judicial, é essencial para as sociedades democráticas funcionarem corretamente. O Estado de direito é também um dos princípios que orientam a ação externa da UE
. Globalmente, é um princípio já consagrado, com um teor bem definido e suscetível de ser avaliado com objetividade, podendo as eventuais insuficiências neste domínio ser identificadas de forma credível e estável.
O que é o Estado de direito?
O Estado de direito foi consagrado no artigo 2.º do Tratado da União Europeia como um dos valores fundamentais da União. Em qualquer regime que respeite o Estado de direito os poderes públicos só podem agir dentro dos limites impostos por lei, em conformidade com os valores da democracia e dos direitos fundamentais, sob a supervisão de tribunais independentes e imparciais. O Estado de direito contempla, nomeadamente, o princípio da legalidade (que requer um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista); o princípio da segurança jurídica; a proibição do exercício arbitrário do poder executivo; a proteção judicial efetiva por tribunais independentes e do controlo jurisdicional efetivo, incluindo o respeito dos direitos fundamentais; assim como os princípios da separação de poderes e da igualdade perante a lei
. Estes princípios foram reconhecidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
.
A própria União Europeia assenta no Estado de direito, devendo todas as medidas que adote ter por base os Tratados, aprovados de forma voluntária e democrática por todos os Estados‑Membros. Dada a sua importância para conquistar a confiança dos cidadãos da União e para concretizar eficazmente as diferentes políticas, o Estado de direito é crucial para o futuro da Europa. Existe um reconhecimento generalizado do papel fulcral deste princípio para o funcionamento da UE, assim como um entendimento comum entre os diferentes interessados quanto à necessidade de se aumentar as garantias do seu respeito na União Europeia
. Além disso, a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia deu um contributo indispensável para reforçar o Estado de direito, reafirmando que a União é uma comunidade de valores
. A presente comunicação visa, por conseguinte, aprofundar o debate sobre o reforço do Estado de direito na União, instando todos os interessados a refletirem sobre este princípio. Em função dessa reflexão, a Comissão retirará as suas próprias conclusões durante o mês de junho.
A integração europeia deu, ela própria, um contributo importante e duradouro para a criação de uma ordem europeia assente em normas comuns. A União tem vindo a criar progressivamente um espaço de liberdade, cooperação e estabilidade, em que os Estados‑Membros, os cidadãos e as empresas dispõem de um quadro normativo previsível e equitativo, e de vias eficazes de recurso judicial. Nestas condições, a paz pode ser salvaguardada, a democracia pode florescer e as empresas podem prosperar. Nos últimos anos, contudo, tem havido um reconhecimento cada vez maior de que os valores e os princípios fundamentais da União, nomeadamente o Estado de direito, estão sujeitos a pressões e requerem uma atenção especial. Torna-se, assim, mais premente envidar novos esforços em prol do reforço e do respeito do Estado de direito em toda a União.
Se o Estado de direito não for devidamente protegido em todos os Estados-Membros, poderão ser comprometidos os alicerces da União, nomeadamente a solidariedade, a coesão e a confiança necessárias ao reconhecimento mútuo das decisões nacionais, assim como o funcionamento global do mercado interno. As insuficiências em matéria de Estado de direito também podem ter repercussões económicas, na medida em que a existência de sistemas judiciais eficazes e de normas rigorosas anticorrupção é crucial para um bom enquadramento empresarial, assim como para a saúde das finanças públicas
.
Qualquer questão respeitante ao Estado de direito num determinado Estado-Membro tem efeitos sobre toda a União. Por conseguinte, embora os mecanismos nacionais de equilíbrio de poderes devam ser sempre o primeiro recurso a utilizar, a União tem todo o interesse em resolver os problemas neste domínio onde quer que se manifestem. Os recentes problemas com o Estado de direito em alguns Estados-Membros suscitaram dúvidas sobre se a União disporia dos meios necessários para corrigir essas situações. A confiança em que tais problemas podem efetivamente ser resolvidos reforçaria a confiança tanto entre os Estados‑Membros como entre estes e as instituições da UE.
É por esta razão que a UE tem procurado desenvolver uma série de instrumentos para fazer cumprir o Estado de direito. Essas medidas vão além das previstas no artigo 7.º do Tratado da União Europeia, o principal mecanismo que protege todos os valores comuns, mesmo só sendo utilizado a título excecional. Em 2014 foi definido um enquadramento preventivo
. Estão atualmente a ser debatidas outras possibilidades, incluindo a proposta apresentada pela Comissão para proteger os interesses financeiros da UE quando ocorram insuficiências generalizadas em matéria de Estado de direito
, podendo a criação da Procuradoria Europeia contribuir igualmente para formular uma resposta judicial coordenada a esse tipo de riscos nos Estados-Membros
. Todos estes instrumentos assentam num entendimento comum daquilo que é o Estado de direito, as suas características principais e as situações em que podem surgir insuficiências.
Em suma, o Estado de direito constitui um pilar central da nossa visão para o futuro da Europa. No âmbito das reflexões relacionadas com o Conselho Europeu informal de Sibiu, que terá lugar em 9 de maio de 2019, e com a próxima Agenda Estratégica do Conselho Europeu, a presente comunicação faz o ponto da situação em relação à experiência adquirida nos últimos anos, lançando pistas de reflexão sobre eventuais medidas a adotar futuramente. A presente comunicação inspira-se no debate público em curso sobre o Estado de direito na UE, convidando as instituições da União, os Estados-Membros e as outras partes interessadas a contribuírem com ideias para desenvolver os instrumentos do Estado de direito
.
II.
INSTRUMENTÁRIO ATUAL DO ESTADO DE DIREITO
1.Artigo 7.º do TUE e enquadramento do Estado de direito
Embora seja o instrumento mais emblemático, o artigo 7.º do TUE continua a ter um caráter excecional para a UE poder intervir em caso de problemas graves com o Estado de direito num Estado-Membro.
Até à data, o procedimento para invocar um risco manifesto de violação grave nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do TUE só foi desencadeado em dois casos concretos: em dezembro de 2017, pela Comissão em relação à Polónia
e, em setembro de 2018, pelo Parlamento Europeu relativamente à Hungria
. Dada a gravidade das consequências globais do procedimento previsto no artigo 7.º do TUE, embora o diálogo com o Estado-Membro em causa no âmbito desse artigo tenha, em si mesmo, um valor intrínseco, os progressos realizados pelo Conselho nestes dois casos poderiam ter sido mais significativos. O Conselho teve de estabelecer novos procedimentos para aplicar o artigo 7.º na prática, que ainda não tiveram tempo de dar provas da sua eficácia.
O enquadramento do Estado de direito foi estabelecido pela Comissão em 2014
, tendo a sua importância sido reconhecida pelo Tribunal
. Esse enquadramento prevê um processo faseado de diálogo com o Estado-Membro em causa, estruturado em torno de pareceres e de recomendações da Comissão. O objetivo é prevenir a emergência de ameaças sistémicas ao Estado de direito que possam implicar o lançamento de um procedimento ao abrigo do artigo 7.º do TUE. Até à data, a primeira e única vez em que se recorreu ao enquadramento do Estado de direito foi em janeiro de 2016, quando se iniciou um diálogo com a Polónia
. Embora esse diálogo tenha ajudado a identificar os problemas e a enquadrar as discussões, não permitiu resolver as insuficiências detetadas em matéria de Estado de direito, tendo a Comissão decidido acionar, em dezembro de 2017, o procedimento previsto no artigo 7.º, n.º 1, do TUE.
2.Processos de infração e decisões a título prejudicial
A Comissão deu início a vários processos de infração em resposta a problemas graves em matéria de Estado de direito relacionados com violações do direito da União, tendo lançado uma intervenção da UE que ganhou cada vez mais força com os recentes acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O artigo 19.º, n.º 1, do TUE exige a proteção judicial efetiva por tribunais independentes enquanto expressão concreta do valor do Estado de direito. Essa disposição está no cerne de uma série de reenvios a título prejudicial efetuados pelos tribunais nacionais e dos processos de infração instaurados pela Comissão junto do Tribunal. Já em 2006, o Tribunal decidira que o conceito de «independência judicial» é um conceito autónomo de direito da UE, que requer a proteção dos juízes em relação a qualquer intervenção externa que possa comprometer a sua independência
. Seguiu-se, em 2018, uma série de acórdãos importantes. Em primeiro lugar, o Tribunal considerou que os Estados-Membros são obrigados, por força do direito da União, a assegurar que os respetivos tribunais cumprem as exigências em matéria de proteção judicial efetiva - uma expressão concreta do Estado de direito - e que a independência dos tribunais nacionais é decisiva para assegurar essa proteção judicial
. Noutros acórdãos, o Tribunal definiu de forma mais pormenorizada as exigências quanto às garantias de independência e imparcialidade, salientando a sua importância crucial tanto para o bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária, consagrado pelo mecanismo de decisão prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE como para os instrumentos de direito derivado assentes no princípio da confiança mútua
. O Tribunal adotou igualmente medidas provisórias para suspender as reformas nacionais suscetíveis de afetarem a independência do poder judicial
. Encontram-se pendentes no Tribunal outros processos intentados pelos tribunais nacionais e pela Comissão.
A jurisprudência do Tribunal tem evoluído no sentido de salientar a forma como os problemas sistémicos em matéria de Estado de direito podem ter um impacto concreto nas finanças da União
.
3.Outros mecanismos ou enquadramentos
Vários outros mecanismos e enquadramentos contribuem para abordar questões relativas ao Estado de direito nos Estados-Membros, quer através de instrumentos específicos, quer através de medidas relativas à supervisão das políticas nacionais ou à aplicação do direito da UE. Estes mecanismos têm um importante papel preventivo e de alerta rápido, uma vez que permitem abordar questões relativas ao Estado de direito nos Estados-Membros antes que se mostre necessário recorrer ao artigo 7.º.
·O ciclo do Semestre Europeu de coordenação das políticas económicas, orçamentais e sociais proporciona uma análise específica por país e formula recomendações quanto às reformas estruturais que incentivam o crescimento. A análise efetuada no âmbito desse instrumento abrange a luta contra a corrupção, a eficácia dos sistemas judiciais e a reforma da administração pública. Quando os relatórios por país detetam problemas graves nestes domínios, o Conselho adota recomendações específicas por país.
·O Painel de Avaliação da Justiça na UE apresenta anualmente um conjunto de indicadores para avaliar a independência, a qualidade e a eficácia dos sistemas judiciais nacionais. Esta ferramenta comparativa é complementada por avaliações específicas de cada país, apresentadas nos relatórios por país, que permitem analisar mais aprofundadamente o contexto legislativo e institucional nacional.
·O Mecanismo de Cooperação e de Verificação foi criado como um mecanismo específico para a Bulgária e a Roménia quando estes países aderiram à União em 2007, a fim de os ajudar a corrigir as deficiências ainda existentes nos domínios da reforma judiciária, da luta contra a corrupção e, no caso da Bulgária, da criminalidade organizada
. O mecanismo é uma medida transitória e deve ser encerrado logo que os seus objetivos sejam satisfatoriamente atingidos. A experiência adquirida é importante para analisar os problemas existentes em matéria de Estado de direito em todos os Estados-Membros.
·O Serviço de Apoio à Reforma Estrutural da Comissão presta apoio técnico às reformas estruturais nos Estados-Membros, nomeadamente em domínios relevantes para o reforço do respeito pelo Estado de direito, como a administração pública, o sistema judicial e a luta contra a corrupção. Este apoio é prestado a pedido dos Estados‑Membros, sendo adaptado às necessidades que refletem as prioridades de reforma definidas
.
·Os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e os fundos de apoio às Políticas de Justiça e Segurança também ajudam os Estados-Membros a reforçar a sua administração pública e sistemas judiciais, assim como a reforçar as suas capacidades anticorrupção. Estes fundos contribuíram igualmente para reforçar a capacidade institucional das autoridades públicas e a eficácia da administração pública, mediante a aplicação da condicionalidade ex ante (durante o período de financiamento de 2014‑2020, a que se sucederão as «condições favoráveis» previstas no Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027)
. Isto permitiu reforçar o enquadramento relativo ao Estado de direito.
·Nas propostas para o próximo quadro financeiro plurianual, a Comissão propôs um novo mecanismo destinado a proteger o orçamento da União sempre que insuficiências generalizadas quanto ao Estado de direito nos Estados-Membros afetem ou ameacem afetar o orçamento da União.
O respeito pelo Estado de direito constitui uma pré-condição para cumprir os princípios da boa gestão financeira e proteger o orçamento da União. O regulamento proposto permitirá à União adotar medidas adequadas e proporcionadas para resolver estas questões.
·O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) tem por objetivo detetar e investigar casos de fraude, corrupção e outras infrações que possam lesar os interesses financeiros da UE, formulando recomendações que permitam às autoridades nacionais iniciar procedimentos administrativos ou judiciais. A criação da Procuradoria Europeia constituirá um desenvolvimento fundamental do enquadramento institucional da UE para combater as infrações que possam lesar os interesses financeiros da UE. A Procuradoria Europeia, que se tornará operacional no final de 2020, terá poderes para conduzir investigações criminais e reprimir as infrações penais lesivas do orçamento da União, em estreita cooperação com o OLAF.
·Enquanto característica essencial da política externa da UE, o Estado de direito tornou-se cada vez mais importante no quadro do processo de adesão à UE e da política de vizinhança. O reforço das principais instituições, como o sistema judiciário, e o reforço da luta contra a corrupção tornaram-se aspetos cada vez mais importantes nos esforços da UE para promover reformas quanto ao cumprimento dos critérios de Copenhaga que devem ser satisfeitos para a adesão à UE
. O Estado de direito foi também solidamente integrado nas negociações de adesão, estando o ritmo global das negociações dependente dos progressos realizados neste domínio
. A Estratégia para os Balcãs Ocidentais, definida em fevereiro de 2018
, coloca ainda mais ênfase nas reformas neste campo, identificando o respeito do Estado de direito como uma condição essencial para aderir à UE.
III.
DEBATE MAIS VASTO SOBRE O ESTADO DE DIREITO
A importância crescente do Estado de direito enquanto preocupação comum suscitou debates mais aprofundados tanto nas instituições e organismos da União
como noutras instâncias
.
Em outubro de 2016, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais
. Essa resolução apelava à Comissão para que procedesse ao acompanhamento exaustivo de todos os Estados-Membros e instituições da UE, estabelecendo um ciclo anual de apresentação de relatórios e recomendações. Esse apelo foi reiterado em 2018
, tendo o Parlamento Europeu adotado ainda várias resoluções sobre o Estado de direito em diferentes Estados-Membros.
Para além das suas competências institucionais inequívocas ao abrigo do artigo 7.º do TUE, o Conselho instituiu um «diálogo» anual sobre o Estado de direito no quadro do Conselho «Assuntos Gerais», incidindo sempre sobre diferentes temas. Está previsto que este processo seja reexaminado durante a presidência finlandesa do Conselho, no outono de 2019.
Vários parlamentos nacionais também contribuíram para a reflexão sobre o Estado de direito, adotando resoluções e mantendo debates sobre esta questão
.
Fora do quadro da UE, o Conselho da Europa desempenhou um papel crucial ao estabelecer definições e padrões pertinentes em matéria de Estado de direito, tendo este sido enumerado como um dos elementos do património comum no preâmbulo da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contribuíram decisivamente para a definição, a promoção e o reforço do Estado de direito, salientando a estreita relação existente entre este princípio e uma sociedade democrática. Em 2016, a Comissão de Veneza do Conselho da Europa publicou uma «lista de verificação do Estado de direito»
. O Conselho da Europa aplicou igualmente esta abordagem a casos específicos relativos aos Estados-Membros, tendo mobilizado os conhecimentos especializados da Comissão de Veneza e do Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa (GRECO), e efetuado um acompanhamento específico.
As redes judiciárias europeias, os grupos de peritos e as ordens dos advogados, assim como as organizações da sociedade civil, também contribuíram para estabelecer um entendimento comum, a nível europeu e nacional, tendo desempenhado um papel fundamental na promoção de padrões comuns e de boas práticas.
IV.
AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA ATÉ À DATA
A experiência já adquirida permite identificar algumas características comuns que poderão servir de base a futuras reflexões, com base numa série de princípios fundamentais. Em primeiro lugar, existe interesse legítimo tanto da UE como dos outros Estados-Membros no bom funcionamento do Estado de direito em todos eles. Em segundo lugar, a principal responsabilidade por garantir o Estado de direito incumbe a cada Estado-Membro, devendo recorrer-se em primeiro lugar aos mecanismos nacionais, uma vez que é preciso respeitar não só a ordem jurídica da UE como também as ordens jurídicas nacionais. Em terceiro lugar, o papel da UE neste domínio deve ser objetivo e tratar todos os Estados-Membros em pé de igualdade, com base no contributo de cada uma das suas instituições segundo o respetivo papel institucional. Por último, o objetivo não deverá ser impor sanções mas sim encontrar uma solução que permita proteger o Estado de direito, mantendo a cooperação e o apoio recíproco no cerne do processo.
Necessidade de promover padrões em matéria de Estado de direito
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estabelece as principais exigências e padrões da UE que devem ser respeitados por esta e pelos seus Estados-Membros para salvaguardar o Estado de direito. Além disso, o Conselho da Europa já definiu padrões e formulou pareceres e recomendações que fornecem orientações sólidas para promover e defender o Estado de direito
. Esses requisitos e padrões constituem a pedra angular do respeito do Estado de direito em todos os Estados-Membros, independentemente das respetivas estruturas constitucionais.
Os princípios fundamentais, nomeadamente a independência do poder judicial e a separação de poderes, devem ser integrados na cultura política de todos os Estados-Membros. Quando exista a possibilidade de aplicar um padrão europeu geral, este pode ser visto como um parâmetro de referência para avaliar eventuais insuficiências, servindo de orientação para se procurar uma solução.
A experiência demonstrou, contudo, que a jurisprudência e esse tipo de princípios e padrões nem sempre são suficientemente divulgados a nível nacional. Nesse caso, os padrões não poderão desempenhar um papel de referência importante para as políticas nacionais nem dar um contributo suficiente para o debate sobre as reformas nacionais, podendo ser postos em causa no âmbito do diálogo com as instituições da UE.
Saber reconhecer os sinais de alerta
Existem muitas vantagens em se reconhecer precocemente os sinais de alerta quanto ao Estado de direito. Se for possível detetar, numa fase precoce e reconhecida pelo Estado‑Membro em causa, as questões que suscitam preocupação junto da UE, essa preocupação poderá ser expressa pela UE de uma forma mais útil, que poderá bastar para ativar os mecanismos nacionais em matéria de equilíbrio de poderes, sem que seja necessário dar outros passos mais formais a nível da UE. O alerta precoce pode ser dado de diferentes formas.
Os problemas recorrentes são mais fáceis de identificar rapidamente. A necessidade de os poderes públicos estarem permanentemente vinculados aos valores, normas e procedimentos consagrados está no cerne do Estado de direito. Quando os poderes públicos e as maiorias eleitas nos Estados-Membros não cumprem a legislação ou procedimentos em vigor, temos um sinal de alerta inequívoco. A título de exemplo, vários processos recentes com repercussões a nível da UE incidiram na independência do poder judicial. Este poder está no cerne do Estado de direito e as tentativas dos agentes políticos para comprometer a sua independência e a força vinculativa das suas decisões, instigando pressões políticas ou de outro tipo sobre os juízes, interferindo em processos concretos, desrespeitando as sentenças judiciais ou reabrindo processos judiciais já transitadas em julgado, são questões com que estamos familiarizados. Outros exemplos recentes dizem respeito à fragilização dos tribunais constitucionais ou a outras formas de controlar a legislação aprovada pelo parlamento e as ações dos governos, assim como o recurso sistemático a decretos executivos. A falta de clareza do processo legislativo pode fazer com que seja mais fácil às maiorias políticas enfraquecer ou contornar os mecanismos de equilíbrio de poderes. Os ataques públicos reiterados por um dos ramos do poder a qualquer dos outros ramos podem fazer erodir o princípio fundamental da separação de poderes. Os problemas nesta área podem, portanto, funcionar como um sinal de alerta para o surgimento de um eventual problema em termos de Estado de direito, podendo criar oportunidades de diálogo para uma resolução precoce do problema.
Regra geral, a corrupção de alto nível e o abuso de poder estão associados a situações em que o poder político tenta sobrepor-se ao Estado de direito. As insuficiências estruturais podem igualmente criar um contexto que gera riscos acrescidos de problemas com o Estado de direito. As insuficiências estruturais dos sistemas judiciais, nomeadamente a insuficiente garantia da sua independência, geram maiores riscos de pressão sobre o sistema judicial. Do mesmo modo, as carências gerais da administração pública podem criar terreno fértil para que sejam tomadas decisões arbitrárias, proporcionando assim maiores oportunidades de corrupção e gerando situações em que os funcionários têm maior dificuldade em resistir às pressões. Estas questões podem alertar para a existência de eventuais problemas em matéria de Estado de direito.
Os primeiros sinais de preocupação quanto às insuficiências em matéria de Estado de direito tendem a provir de intervenientes situados no interior do Estado-Membro. A liberdade de expressão e de informação, assim como a liberdade e o pluralismo da comunicação social, é outros dos valores fundadores da União Europeia. A sociedade civil e a comunicação social independente são sentinelas fundamentais das democracias saudáveis, desempenhando um papel fundamental para responsabilizar os detentores do poder, alimentando o debate público e escrutinando as decisões dos poderes públicos. As tentativas de enfraquecer ou de pressionar estes intervenientes constituem, por conseguinte, outro sinal de alerta.
Aprofundamento dos conhecimentos específicos aos Estados-Membros
O grau de sensibilização para os referidos sinais e, por conseguinte, a capacidade da União de lhes responder em tempo útil, dependerá do conhecimento adquirido pela Comissão, pelas outras instituições e pelos outros Estados-Membros. Alguns sinais de alerta só podem ser detetados graças à compreensão aprofundada das práticas dos Estados-Membros, mediante o diálogo com as autoridades e as partes interessadas. Esses conhecimentos específicos a cada país são essenciais para ajudar a prevenir eventuais ameaças ao Estado de direito e para lhes dar uma resposta eficaz se necessário. É igualmente importante assegurar que as reformas empreendidas pelos Estados-Membros cumprem na íntegra as exigências legais da UE e os padrões europeus em matéria de Estado de direito. Por último, importa aprofundar os conhecimentos sobre cada país para apurar a forma como os fundos e a assistência técnica da UE melhor poderão apoiar o Estado de direito nos Estados-Membros. Qualquer sistema de defesa do Estado de direito deverá integrar a equidade, a objetividade e a igualdade de tratamento. A competência técnica e a capacidade de análise a nível da União são fundamentais para garantir que, embora tendo devidamente em conta as tradições nacionais, as avaliações permitem ainda assim identificar claramente os casos em que existem problemas.
O Semestre Europeu, complementado pelo Painel de Avaliação da Justiça na UE, mostrou ser um enquadramento adequado para desenvolver os conhecimentos sobre os diferentes países em matéria de Estado de direito, devendo ser lançada uma reflexão sobre formas de explorar melhor todo o seu potencial.
Melhorar a capacidade de reação da UE aos problemas com o Estado de direito
A experiência dos últimos anos, assim como o diálogo mais vasto sobre esta questão, demonstrou claramente que é imperativo reforçar a capacidade de resposta da UE em caso de ameaça grave ao Estado de direito. A título de exemplo, a experiência adquirida com os procedimentos em curso no âmbito do artigo 7.º do TUE demonstrou quão importante é encontrar formas de aplicar o procedimento com maior eficácia. Por outro lado, a diversidade dos problemas existentes em matéria de Estado de direito exige respostas diversificadas a nível da UE.
A intervenção da UE deve, por conseguinte, assumir formas diferenciadas. Mesmo a sinalização informal de eventuais dificuldades numa fase precoce pode levar as autoridades nacionais a reconsiderar ou a acionar os respetivos mecanismos nacionais de equilíbrio de poderes.
Embora o diálogo seja essencial, a sua integração num processo estruturado aumenta a probabilidade de as ações dele resultantes serem mais bem centradas e terem a direção necessária. Muitos problemas relativos ao Estado de direito são sensíveis ao decurso do tempo e, quanto mais tempo levam a ser resolvidos, maior o risco de se tornarem num problema crónico e de causarem danos à UE e ao Estado-Membro em causa. Existem vantagens em adotar medidas intermédias, proporcionais à gravidade do problema e com consequências menos graves comparativamente com o recurso ao artigo 7.º do TUE. Quando sejam aplicadas medidas desse tipo, a sua análise ou controlo a posteriori também poderão revelar-se úteis: a experiência revela que a aplicação da condicionalidade ex ante aos fundos da UE funcionou como um incentivo importante, mas que, uma vez dada a luz verde, havia o risco de se registarem retrocessos nas políticas ou estruturas em causa.
A intervenção da UE também poderá ser mais eficaz se todas as instituições assumirem as suas responsabilidades neste processo, em função das diferentes atribuições. A intervenção da UE em qualquer crise será sempre politicamente sensível e será mais eficaz se tiver por base uma abordagem comum. O apoio prestado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho às intervenções da Comissão, assim como a existência de procedimentos internos mais sólidos no seio das instituições para fazer face às preocupações em matéria de Estado de direito nos Estados-Membros poderá revelar-se uma forma eficaz de incentivar o Estado‑Membro em causa dar uma resposta, facilitando a busca de uma solução.
Colmatar as insuficiências a longo prazo mediante reformas estruturais
A UE tem também desempenhado um papel cada vez mais importante no reforço das capacidades e do funcionamento das autoridades e instituições nacionais responsáveis pelo equilíbrio de poderes.
Os fundos da UE deram um importante contributo para o reforço das capacidades das instituições públicas que prestam apoio em matéria de Estado de direito. Durante o período de programação 2014-2020, cerca de metade dos Estados-Membros utilizaram fundos estruturais para apoiar reformas destinadas a reforçar o sistema judiciário e a administração pública, assim como a combater a corrupção. Estes esforços demonstraram igualmente que, para além de manifestar a sua preocupação, a UE pode efetivamente ajudar a encontrar soluções concretas. A título de exemplo, o Serviço de Apoio à Reforma Estrutural da Comissão, no âmbito do Programa de Apoio às Reformas Estruturais, poderá colaborar com as instituições nacionais na concretização das reformas em matéria de Estado de direito.
A utilização dos fundos e programas da UE para reforçar o Estado de direito também será mais eficaz se for apoiada por recomendações de reformas estruturais formuladas no âmbito do Semestre Europeu.
Regra geral, as políticas da União em matéria de contratos públicos, de «legislar melhor» e de cooperação em matéria de justiça civil e penal contribuem para assegurar a coerência na aplicação dos padrões europeus quanto ao Estado de direito.
V.
VIAS POSSÍVEIS PARA O FUTURO
O cumprimento efetivo do Estado de direito na União assenta em três pilares distintos. Em primeiro lugar, a promoção do Estado de direito, o que requer um aprofundamento dos esforços comuns para divulgar na Europa a compreensão daquilo em que consiste o Estado de direito. Em segundo lugar, a prevenção de problemas suscetíveis de ocorrerem neste domínio, o que requer capacidade para intervir numa fase precoce e evitar assim o risco de a situação se agravar. Por último, a formulação de uma resposta comum eficaz sempre que seja identificado qualquer problema com alguma gravidade.
Promoção: desenvolvimento dos conhecimentos e de uma cultura comum do Estado de direito
Uma cultura política e legislativa sólida, que permita apoiar o Estado de direito em cada Estado-Membro, constitui a melhor garantia de se respeitar o Estado de direito. Embora a União deva respeitar as estruturas políticas e constitucionais dos Estados-Membros, as obrigações decorrentes da adesão à UE e do património democrático europeu requerem que as normas e estruturas nacionais reflitam as normas e os padrões da UE em matéria de Estado de direito, enquanto valor comum, e que sejam respeitadas as normas quanto às garantias do Estado de direito consagradas tanto no direito primário como no direito derivado da União.
Por outro lado, importa promover a sensibilização dos cidadãos em geral para a importância do Estado de direito para as democracias, podendo ser apoiadas iniciativas em matéria de comunicação destinadas aos cidadãos.
Para que essa cultura política e legislativa possa ser aprofundada e sustentada nos diferentes Estados-Membros, importa promover o conhecimento da jurisprudência e dos padrões pertinentes em matéria de Estado de direito, de modo a que as avaliações e pareceres formulados por organismos como a Comissão de Veneza e o GRECO, por exemplo, possam ser debatidos a nível nacional. Isto ajudará todas as partes a tomarem consciência do que delas se espera, assim como da forma como as instituições e a legislação devem refletir os princípios básicos. As abordagens comuns nestas áreas podem ajudar a promover uma cultura sólida do Estado de direito junto de todas as instituições e profissões pertinentes.
Embora estas abordagens, assim como as normas e os padrões comuns, não tenham de ser sempre aplicadas de forma idêntica, se houver uma abordagem comum clara, será mais fácil aferir os diferentes sistemas nacionais e garantir que são adequados aos fins a que se destinam.
Isto é particularmente importante na medida em que o respeito do Estado de direito depende não apenas da existência de legislação e de estruturas institucionais, mas também da prática institucional. Por exemplo, a Comissão de Veneza chamou a atenção para a importância de uma cooperação leal entre instituições, enquanto pedra angular do Estado de direito, nomeadamente a aceitação por um ramo do poder de que os outros ramos também desempenham funções legítimas que devem ser respeitadas. Essa cooperação leal pode ser ameaçada, mesmo quando prevista na lei ou na Constituição. O intercâmbio de conhecimentos especializados entre profissionais dos diferentes Estados-Membros, nomeadamente os juízes, procuradores ou peritos em matéria de luta contra a corrupção, pode contribuir para um entendimento sobre como traduzir isto na prática. Outros aspetos concretos fundamentais do Estado de direito e de uma governação respeitadora dizem respeito à transparência do processo legislativo e de definição de políticas. Estes aspetos consagram amplamente as obrigações dos poderes públicos em matéria de prestação de contas e o facto de estarem sujeitos a condicionalismos que devem ser observados por qualquer sociedade democrática.
A UE constitui uma plataforma única para promover a sensibilização para os desafios ao Estado de direito. Tal como foi sugerido pelo Parlamento Europeu, esse processo poderia ir além das instituições da UE, envolvendo os parlamentos nacionais e os outros interessados a nível nacional. A sociedade civil assume particular importância, nomeadamente a nível regional e local. A Comissão já propôs que se aumentasse o financiamento e o apoio prestado ao desenvolvimento da sociedade civil, à promoção do pluralismo na comunicação social e à criação de redes entre os interessados na defesa do Estado de direito, assim como o apoio às organizações, organismos e outras entidades à escala da União que prossigam o interesse geral no domínio da justiça e do Estado de direito
.
As relações entre a UE e o Conselho da Europa são particularmente importantes para promover o Estado de direito. As instituições da UE e os Estados-Membros deveriam procurar aprofundar essas relações, promovendo uma cultura comum do Estado de direito no interior da UE.
A UE poderia igualmente analisar formas de promover os esforços envidados pelo Conselho da Europa para definir padrões comuns em matéria de Estado de direito. A promoção desses padrões também poderia ser levada a cabo através de um processo de revisão pelos pares, como proposto por alguns Estados-Membros.
Eventuais questões para uma reflexão mais aprofundada
·Como pode a UE promover as exigências legais da UE e os padrões europeus em matéria de Estado de direito a nível nacional?
·Qual a melhor forma de a UE incentivar as principais redes e a sociedade civil, assim como o setor privado, a alimentar um debate no terreno sobre questões relacionadas com o Estado de direito, incluindo a sua dimensão económica, promovendo os padrões que estão na sua base?
·Podem os Estados-Membros fazer algo mais para promover os debates sobre o Estado de direito a nível nacional, nomeadamente através da organização de debates nos parlamentos nacionais e instâncias profissionais, e das iniciativas de sensibilização destinadas ao público em geral?
·Como podem a UE e os Estados-Membros intensificar a sua cooperação com o Conselho da Europa e outras organizações internacionais de defesa do Estado de direito, nomeadamente apoiando os esforços envidados pelo Conselho da Europa, assim como as avaliações e recomendações por este formuladas?
·Como pode a UE tirar partido dos trabalhos levados a cabo pelo Conselho da Europa e promover abordagens comuns a toda a UE? Pode a avaliação interpares pelos Estados‑Membros contribuir para esse processo?
·Como podem as medidas já adotadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho ser aprofundadas ou desenvolvidas? Poderão os grupos políticos e os parlamentos nacionais ter um papel mais ativo?
|
Prevenção: cooperação e apoio ao reforço do Estado de direito a nível nacional
Os Estados-Membros são os principais responsáveis por garantir o respeito pelo Estado de direito a nível nacional. No entanto, a União pode ajudá-los a definir uma abordagem a longo prazo que assegure a eficácia dos mecanismos nacionais de equilíbrio de poderes e, em última análise, evite que a UE tenha de se confrontar com situações em que deva ser ela própria a resolver a crise do Estado de direito num determinado Estado-Membro. Isto implica reforçar a resiliência dos principais sistemas e instituições, de modo a prepará‑los para eventuais períodos de tensão política.
Uma compreensão mais profunda dos desenvolvimentos ocorridos nos Estados-Membros ajudaria a direcionar esse apoio e a identificar precocemente eventuais riscos para o Estado de direito. As áreas mais críticas incluem: os mecanismos nacionais de equilíbrio de poderes, a independência do poder judicial, a qualidade da administração pública, a política anticorrupção, a transparência do processo legislativo e a melhoria do processo legislativo. A recolha de informações sobre os Estados-Membros poderia proporcionar um enquadramento geral para a cooperação regular e o diálogo com estes, bem como para manter o Parlamento Europeu e o Conselho ao corrente da situação. Embora abrangendo todos os Estados-Membros, a recolha de dados poderia incidir concretamente naqueles onde tenham sido identificadas insuficiências ou riscos concretos. Exigiria, por último, um equilíbrio entre a necessidade de criar um entendimento suficiente das especificidades nacionais e a necessidade de ter em conta as disponibilidades em termos de recursos humanos e financeiros. Esse exercício teria por objetivo proporcionar uma base mais sólida para manter um diálogo precoce sobre as iniciativas políticas com repercussões em termos de Estado de direito. A reflexão deveria incidir igualmente sobre a forma como o recurso aos instrumentos existentes, nomeadamente o Semestre Europeu e o Painel de Avaliação da Justiça na UE, poderia ser desenvolvido de forma a abordar melhor as questões relacionadas com o Estado de direito.
Outra via complementar consistiria em aprofundar a cooperação e o apoio prático, de modo a maximizar o contributo construtivo da União para a resolução precoce dos problemas, ajudando a integrar soluções sustentáveis nos processos de reforma em curso. Isto poderia ser efetuado a pedido dos Estados-Membros e implicar planos de ação adequados. O Parlamento Europeu e o Conselho poderiam ser envolvidos na definição e promoção dessas iniciativas. Poderia igualmente ser prestada especial atenção ao cumprimento da legislação da UE com implicações em termos de Estado de direito. O apoio técnico a prestar aos Estados-Membros poderia também ser disponibilizado no âmbito do Programa de Apoio às Reformas Estruturais.
Eventuais questões para uma reflexão mais aprofundada
·Como pode a UE melhorar a sua capacidade para desenvolver uma base de conhecimentos, exaustiva e comparativa, sobre a situação existente nos Estados‑Membros em termos de Estado de direito, tornar o diálogo mais fecundo e assegurar a deteção precoce dos potenciais problemas? Como podem ser mais desenvolvidos os instrumentos já existentes a fim de avaliar a situação quanto ao Estado de direito?
·Qual a melhor forma de organizar a troca de informações sobre o Estado de direito entre a Comissão e os Estados-Membros?
·Como podem os conhecimentos e o apoio da UE ser mais eficazmente canalizados para os Estados-Membros?
·Poderá uma abordagem mais interinstitucional reforçar as medidas de caráter preventivo?
|
Formulação de uma resposta eficaz: aplicação coerciva pela União quando a resposta dos mecanismos nacionais se mostre insuficiente
As questões relativas ao Estado de direito com repercussões na aplicação do direito da União têm vindo, com cada vez maior frequência, a ser sujeitas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de processos de infração e de pedidos de decisão a título prejudicial. A Comissão continuará a desenvolver a jurisprudência recente do Tribunal, nomeadamente quanto à independência dos tribunais nacionais e à proteção efetiva dos interesses financeiros da União. Regra geral, a eficácia da aplicação do direito da União por autoridades independentes e pelos tribunais nacionais também contribui para reforçar o Estado de direito nos Estados-Membros, pelo que, sempre que for caso disso, a Comissão continuará a assegurar a aplicação (coerciva, se necessário) do direito da União mediante processos de infração relativos ao Estado de direito.
Quando as garantias do Estado de direito a nível nacional não estejam à altura de responder às ameaças ao Estado de direito num Estado-Membro, competirá às instituições da UE e aos Estados-Membros, conjuntamente, adotarem medidas para corrigir essa situação. Para além da obrigação comum de defender os valores da UE, existe um interesse comum em se abordar as ameaças para os tribunais constitucionais ou a independência do poder judicial antes de estes poderem comprometer a aplicação do direito, das políticas ou do financiamento da UE. Esta ação pode variar consoante as circunstâncias, nomeadamente a existência de uma infração, ou para garantir a proporcionalidade. Também pode ser adequado adotar abordagens diferentes em áreas específicas, como a proposta da Comissão relativa à proteção dos interesses financeiros da UE contra o risco de insuficiências em matéria de Estado de direito.
O enquadramento do Estado de direito foi estabelecido pela Comissão em 2014 a fim de dar uma resposta a indícios claros de riscos sistémicos para o Estado de direito nos Estados‑Membros, que possam gerar um risco manifesto de violação grave do Estado de direito que possa implicar o acionamento do artigo 7.º do TUE. Até à data, o referido enquadramento só foi aplicado num único caso, tendo cumprido a sua função de etapa intermédia. Ajudou a estabelecer o diálogo, a obter informações pormenorizadas, análises e recomendações, bem como a estabelecer uma base de conhecimentos que se revelou útil em ações posteriores da União. Há espaço, contudo, para que se introduzam algumas melhorias neste processo. A título de exemplo, pode ser melhorada a informação precoce do Conselho e do Parlamento Europeu, assim como o apoio por eles prestado neste contexto. Outra opção poderia consistir em apoiar o diálogo e as recomendações com planos de ação específicos e prestar apoio técnico à correção da situação dentro de um determinado calendário ou estabelecer limites mais claros para a duração da fase de diálogo.
Essas alterações devem visar a busca de soluções para as situações de crise e a identificação de soluções adequadas. Isto requer tanto um diálogo efetivo como vias de comunicação eficazes. Poderia ser igualmente ponderada a possibilidade de um agravamento das consequências quando o Estado-Membro se recuse a corrigir a situação. Isto poderá resultar igualmente de uma apreciação aprofundada das consequências reais para o funcionamento da União da persistência de insuficiências em matéria de Estado de direito nos Estados‑Membros, algo que já foi reconhecido na proposta destinada a proteger os interesses financeiros da UE em caso de insuficiências generalizadas quanto ao Estado de direito.
Eventuais questões para uma reflexão mais aprofundada
·Como divulgar eficazmente a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e tirar todo o partido do seu potencial?
·Como podem a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho coordenar melhor a sua intervenção e assegurar uma resposta oportuna e adequada quando ocorram problemas com o Estado de direito num Estado-Membro?
·Como reforçar o enquadramento do Estado de direito? Deve ser assegurada uma maior participação de outras instituições ou parceiros internacionais (nomeadamente o Conselho da Europa/Comissão de Veneza, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa/Gabinete para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos)?
·Existe alguma área, para além dos interesses financeiros, em que a UE deva desenvolver mecanismos específicos (incluindo condicionalidades relacionadas com o Estado de direito) a fim de prevenir ou suprimir riscos específicos para a aplicação da legislação ou das políticas da UE?
|
VI.
CONCLUSÃO
A Comissão convida o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, os Estados‑Membros e os restantes interessados, nomeadamente as redes judiciárias e a sociedade civil, assim como o público em geral, a refletirem sobre as questões abordadas na presente comunicação. Essas questões dizem respeito às áreas em que poderão ser introduzidas melhorias.
Tal reflexão poderia, por si só, contribuir para garantir o respeito do Estado de direito, promovendo o debate e garantindo que esta problemática se mantém na ordem do dia. A Comissão considera que o reforço do Estado de direito pode dar um contributo decisivo para o futuro da União. A maior clareza e coerência ajudariam a garantir que todos os Estados-Membros são tratados em pé de igualdade, protegendo os seus interesses comuns mediante o cumprimento efetivo do direito da UE por todos os Estados-Membros.
A Comissão voltará a abordar esta questão em junho de 2019, quando tenciona apresentar as suas próprias conclusões e propostas. Estas serão influenciadas pelo debate em curso entre as instituições e a sociedade em geral, assim como pela evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão procurará, assim, definir uma abordagem para reforçar o Estado de direito na União dentro do enquadramento proporcionado pelos Tratados em vigor.