COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 6.12.2022
COM(2022) 716 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Um espaço cívico próspero para a defesa dos direitos fundamentais na UE
Relatório anual de 2022 sobre a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da UE
Um espaço cívico próspero para a defesa dos direitos fundamentais na UE
Relatório anual de 2022 sobre a aplicação da
Carta dos Direitos Fundamentais da UE
Índice
1.
Introdução
2.
O papel crucial das organizações da sociedade civil e dos defensores dos direitos
3.
Proteção das OSC e dos defensores dos direitos
4.
Apoio às OSC e aos defensores dos direitos
5.
Capacitação das OSC e dos defensores dos direitos
6.
Conclusão
1.Introdução
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») congrega um amplo leque de direitos fundamentais e reafirma que a UE assenta nos valores dos direitos fundamentais, da democracia e do Estado de direito. O seu caráter imperativo tem permitido ao ordenamento jurídico da UE evoluir no sentido de se tornar um farol da proteção dos direitos fundamentais.
Quando se aplica a Carta?
Desde 2009 que a Carta tem o mesmo estatuto jurídico que os Tratados, o direito primário da UE em que se baseia a legislação da UE. As instituições europeias têm de a respeitar em todas as suas atividades e os Estados-Membros têm de a respeitar quando aplicam o direito da UE.
Os Estados-Membros aplicam o direito da UE, nomeadamente quando:
— dão cumprimento à legislação da UE através da adoção de medidas nacionais de execução,
— adotam legislação sobre uma matéria em que o direito da UE imponha obrigações concretas ou permita a sua derrogação,
— aplicam as disposições da UE ao despender fundos provenientes de programas de financiamento da UE. Os Estados-Membros devem assegurar que os fundos da UE são gastos em conformidade com as regras da legislação em que se baseia o financiamento.
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Para uma melhor aplicação da Carta e um maior conhecimento do público da mesma, em 2020 a Comissão Europeia apresentou a Estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais («Estratégia da Carta»). Conforme estabelecido na Estratégia da Carta, a Comissão adota agora uma abordagem temática nos seus relatórios anuais sobre a Carta, com vista a destacar algumas das questões mais prementes sobre os direitos fundamentais e a aplicação da Carta nos domínios escolhidos.
Progressos na aplicação da Estratégia da Carta
-A Comissão adotou o relatório anual de 2021 sobre a aplicação da Carta dedicado à proteção dos direitos fundamentais na era digital
-Até à data, 22 Estados-Membros nomearam um ponto focal relativo à Carta para fomentar a cooperação e promover a aplicação efetiva da Carta. Os pontos focais reuniram-se pela primeira vez em junho de 2022.
-Foram avaliados mais de 400 programas financeiros dos Estados-Membros de modo a garantir a existência de mecanismos eficazes para assegurar o respeito da Carta na execução dos fundos da UE em causa («condição habilitadora horizontal» para a aplicação e execução efetivas da Carta).
-Durante os seus primeiros dois anos, o Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores (CIDV) permitiu apoiar através de um montante de cerca de 260 milhões de EUR quase 600 projetos destinados a promover os valores da UE e a combater o ódio, a discriminação e a intolerância na UE, e o Programa Justiça está também a financiar projetos de formação de profissionais da justiça em matéria de direitos fundamentais.
-Conforme sublinhado na sua Comunicação «Garantir a aplicação da legislação da UE para que a Europa concretize os compromissos assumidos», a Comissão redobrou esforços para promover e defender os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de direito através de procedimentos de infração.
-A Comissão reforçou a sua abordagem colaborativa com os Estados-Membros em domínios específicos abrangidos pela Carta, como a luta contra o racismo e a discriminação, o discurso de ódio e os crimes de ódio.
-A formação e os materiais relativos à Carta estão disponíveis na nova plataforma europeia de formação do Portal Europeu da Justiça e a Comissão está também a desenvolver ações de formação para apoiar o pessoal das instituições da UE a aplicar eficazmente a Carta no seu trabalho quotidiano.
-Até à data, 15 Estados-Membros disponibilizaram no Portal Europeu da Justiça as suas melhores práticas em matéria de utilização e sensibilização para a Carta e estão também a atualizar as informações que dizem respeito ao instrumento de informação sobre os direitos fundamentais,
-a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) atualizou a base de dados da Charterpedia e desenvolveu novos cursos em linha centrados no domínio de aplicação da Carta.
-A fim de reforçar a sensibilização das pessoas para os respetivos direitos conferidos pela Carta, a Comissão lançou a campanha #RightHereRightNow em 2021. São igualmente fornecidas informações sobre a Carta através da página «Os seus direitos na UE» no Portal Europeu da Justiça e no portal Europa.
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Na Estratégia da Carta, a Comissão comprometeu-se a apoiar um ambiente propício para os intervenientes da sociedade civil e a intentar ações judiciais contra medidas contrárias ao direito da UE, incluindo a Carta, quando estas afetem as organizações da sociedade civil. A Estratégia da Carta salientou igualmente a importância de criar e manter instituições nacionais de direitos humanos (INDH) sólidas e independentes.
É por esta razão que o relatório de 2022 se centra no espaço cívico e no seu papel na proteção e promoção dos direitos fundamentais conferidos pela Carta.
As organizações da sociedade civil (OSC) e os defensores dos direitos são essenciais nas nossas sociedades democráticas constitucionais para dar vida aos valores e aos direitos consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE) e na Carta e garantir a sua proteção. Disponibilizam os seus conhecimentos especializados para a elaboração de políticas e para o trabalho legislativo das autoridades nacionais e das instituições da UE e ajudam a assegurar que estes organismos são responsabilizados pelo respeito dos direitos fundamentais e do Estado de direito. Como o presente relatório demonstra, os Estados-Membros e a UE tomaram, em graus variáveis, medidas para proteger, apoiar e capacitar os intervenientes da sociedade civil , proporcionando-lhes uma série de oportunidades de cooperação. No entanto, nos últimos anos, as OSC e os defensores dos direitos têm cada vez mais enfrentado desafios relacionados com a redução do espaço cívico. Várias medidas jurídicas, administrativas e políticas limitaram gradualmente as suas liberdades fundamentais, afetando a sua capacidade de realizar atividades de apoio aos direitos fundamentais enquanto parceiros estratégicos da UE e dos Estados-Membros.
Apesar destes desafios, as OSC e os defensores dos direitos mostram uma resiliência considerável na prossecução do seu trabalho. Em alguns Estados-Membros, desempenharam um papel essencial durante a pandemia de COVID-19 e na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e estiveram na linha da frente para assegurar que as necessidades das pessoas são compreendidas, comunicadas, satisfeitas e que os seus direitos são defendidos.
A importância das OSC e dos defensores dos direitos em tempos de crise
Durante a pandemia de COVID-19, as OSC e os defensores dos direitos preconizaram medidas transparentes e proporcionadas para fazer face à emergência sanitária e, em determinados Estados-Membros, prestaram uma assistência essencial às pessoas afetadas
.
As OSC têm desempenhado um papel fundamental na luta contra a desinformação em situações de emergência, em cooperação com as organizações europeias de verificação de factos e as instituições públicas dos Estados-Membros.
As OSC e os defensores dos direitos, desde o início da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, têm mobilizado acolhimento e apoio às pessoas deslocadas no interior da Ucrânia e às que fugiram para os Estados-Membros
. Criaram um serviço específico para reunir as crianças desaparecidas que fogem do conflito com as suas famílias e tutores
. Têm também trabalhado na partilha de boas práticas em matéria de tutela de crianças não acompanhadas e separadas que chegam à UE vindas da Ucrânia.
A fim de facilitar a partilha de informações e a coordenação de iniciativas entre os intervenientes da sociedade civil, a Comissão criou uma rede específica de partes interessadas no domínio da saúde denominada «Supporting Ukraine, EU neighbouring Member States and Moldova» (Apoiar a Ucrânia, os Estados-Membros vizinhos da UE e a Moldávia) na Plataforma de Política de Saúde da UE.
As OSC também desempenharam um papel significativo na documentação de atrocidades, na análise dos indícios de crimes internacionais e de deportações forçadas de cidadãos ucranianos para a Rússia. Têm igualmente vindo a reforçar as capacidades dos sistemas de aplicação da lei e de justiça ucranianos, a fim de permitir a investigação e a ação penal relativamente a alegados crimes de guerra e crimes contra a humanidade, tendo em conta o grande número de casos denunciados
.
No contexto de ambas as crises, as OSC têm sido fundamentais para transmitir, com base na experiência no terreno, as dificuldades adicionais que atravessam alguns grupos específicos, como as mulheres, as crianças, as pessoas com deficiência, as pessoas LGBTIQ, os ciganos e os idosos, tendo, por conseguinte, contribuído para tomar decisões informadas sobre a melhor forma de dar resposta às suas necessidades específicas.
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O presente relatório surge num momento crítico para o espaço cívico da UE. Faz parte dos esforços da Comissão reconhecer o contributo das organizações da sociedade civil e dos defensores dos direitos na proteção dos valores fundamentais da UE e no seu empenho em apoiar o seu trabalho, tanto na sua ação interna como externa. Numa União assente nos direitos fundamentais, no Estado de direito e na democracia, os intervenientes da sociedade civil desempenham um papel crucial na promoção e proteção dos direitos fundamentais consagrados pela Carta e contribuem para garantir a sua correta aplicação. Deste modo, complementa os relatórios anuais sobre o Estado de direito
, o Plano de Ação para a Democracia Europeia, o Painel de Avaliação da Justiça na UE e o trabalho da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) em matéria de espaço cívico. O relatório reafirma que as OSC e os defensores dos direitos devem poder trabalhar num ambiente em que os seus próprios direitos fundamentais sejam respeitados e apresenta exemplos da forma como este objetivo é alcançado ou posto em causa a nível da UE e a nível nacional. O relatório responde aos apelos para que a UE tome novas medidas, incluindo os formulados no âmbito da Conferência sobre o Futuro da Europa.
Em que informações se baseia o presente relatório?
O relatório baseia-se numa avaliação qualitativa dos resultados das consultas realizadas pela Comissão e analisadas pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e por outras fontes, incluindo:
-quatro consultas específicas: i) aos Estados-Membros, ii) a seis organizações representativas das OSC europeias com atividade no domínio dos direitos fundamentais, iii) a duas organizações internacionais, e iv) à Rede Europeia das Instituições Nacionais de Direitos Humanos (ENNHRI) e à Rede Europeia dos Organismos Nacionais para a Igualdade (Equinet),
-uma consulta em linha com 150 OSC através da rede da sociedade civil da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Plataforma dos Direitos Fundamentais,
-contributos recebidos durante a elaboração de outros relatórios da Comissão, como o relatório anual sobre o Estado de direito,
-relatórios de outras instituições e agências da UE, em especial da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia centrada no espaço cívico, e de organizações internacionais.
Os exemplos incluídos no presente relatório foram escolhidos para mostrar os desenvolvimentos significativos dos últimos anos e apresentar tanto os desafios como os aspetos positivos identificados nos Estados-Membros pelas partes interessadas. Os exemplos e as descrições de medidas e iniciativas nacionais não são exaustivos e são incluídos apenas a título ilustrativo. Os relatórios de síntese das consultas e dos contributos individuais apresentam medidas e iniciativas adicionais. Os temas de cada capítulo (dedicados à proteção, ao apoio e à capacitação da sociedade civil) foram escolhidos como indicadores-chave interdependentes de um ambiente propício à sociedade civil.
2.O papel crucial das organizações da sociedade civil e dos defensores dos direitos
As OSC e os defensores dos direitos desenvolvem muitas atividades nos Estados-Membros e a nível da UE. Dado serem um grupo diversificado, as OSC variam desde as que dispõem de amplos mandatos relacionados com os direitos fundamentais até às que disponibilizam conhecimentos especializados ou prestam apoio em relação a determinados direitos. Podem exercer atividades a nível nacional ou ter um âmbito regional ou local. Podem também realizar um vasto conjunto de atividades ou centrar-se apenas em determinadas atividades, como iniciativas de defesa ou a prestação de serviços adaptados às necessidades dos seus membros ou beneficiários. Igualmente importantes, as INDH, os organismos de promoção da igualdade e as instituições de provedoria também contribuem, de muitas formas, para as atividades de aplicação da legislação e das políticas da UE.
Sensibilização
As OSC e os defensores dos direitos sensibilizam, informam, educam e dão formação ao público, a grupos específicos e às autoridades dos Estados-Membros sobre os direitos fundamentais e a sua aplicação, a tomada de decisões democráticas e o Estado de direito. Ao fazê-lo, as OSC e os defensores dos direitos promovem uma cultura de direitos e de responsabilização democrática na UE. Por exemplo, na Croácia, o Provedor de Justiça dá formação aos funcionários públicos e aos juízes sobre a Carta. Nesta formação são abordadas as obrigações decorrentes da Carta, bem como a sua potencial utilização em campanhas e atividades de defesa e apoio às vítimas de violações dos direitos humanos. Na Lituânia, as OSC organizaram recentemente um evento internacional interativo a fim de sensibilizar os jovens para o discurso de ódio e as suas consequências para a sociedade, bem como formar e incentivar o desenvolvimento de competências para o combater.
Além disso, as OSC e os defensores dos direitos fornecem informações sobre questões que podem afetar o público e sobre os métodos através dos quais as pessoas podem participar nos processos democráticos de tomada de decisões. Os intervenientes da sociedade civil encorajam as pessoas a expressarem publicamente os seus pontos de vista através de manifestações, petições, referendos e painéis de cidadãos. Podem sensibilizar e defender conjuntamente políticas e legislação para além das fronteiras de cada um dos Estados-Membros, transmitindo conhecimentos valiosos a nível nacional aos decisores políticos da UE ou internacionais e vice-versa.
Monitorização
As OSC e os defensores dos direitos monitorizam a forma como os direitos fundamentais são respeitados no terreno e assumem a importante função de vigilância. São frequentemente os primeiros a receber informações sobre os efeitos das medidas legislativas e políticas, pelo que estão bem posicionados para apresentar sugestões sobre a forma como as medidas existentes poderão ser desenvolvidas. Obtêm informações em primeira mão sobre potenciais violações de direitos. Por exemplo, na Irlanda, as OSC desempenham um papel oficial reconhecido na supervisão da aplicação das estratégias nacionais de igualdade em matéria de migração, igualdade de género, direitos das comunidades itinerantes e dos ciganos, inclusão das pessoas LGBTIQ e direitos das pessoas com deficiência. Na Roménia, durante a pandemia, o Provedor de Justiça avaliou o impacto das medidas nacionais em matéria de direitos fundamentais e emitiu uma recomendação sobre o respeito dos direitos humanos e as medidas excecionais ordenadas durante o período do estado de emergência e do estado de alerta. Em vários Estados-Membros, as OSC e os defensores dos direitos contribuem significativamente para os procedimentos regulares de acompanhamento por país dos organismos internacionais de direitos humanos.
Apoio aos titulares de direitos
As OSC e os defensores dos direitos apoiam todos os titulares de direitos e vítimas de violações dos direitos fundamentais através da explicação, defesa e aplicação dos seus direitos. Para o efeito, recolhem e facultam informações, investigam alegadas violações e procedem à sua denúncia junto de organismos nacionais, regionais e internacionais de controlo. Podem ajudar as vítimas de violações a procurar vias de recurso judiciais ou extrajudiciais, disponibilizar assistência jurídica ou participar em contencioso estratégico. As OSC e os defensores dos direitos podem realizar atividades semelhantes a nível internacional e prestar assistência aos queixosos, informando os organismos de controlo dos direitos humanos dos motivos de preocupação. Por exemplo, o organismo belga para a igualdade de tratamento representa em juízo os trabalhadores alegadamente discriminados em razão do sexo e, na Eslovénia, o Provedor de Justiça pode apresentar recursos de constitucionalidade em matéria de violações dos direitos fundamentais em casos concretos. Nos Países Baixos, uma coligação de OSC e de particulares intentou um processo judicial no qual se alegava uma violação dos artigos 7.º e 8.º da Carta, relativos ao respeito pela vida privada e familiar e a proteção dos dados pessoais, e se contestava a legalidade de um instrumento jurídico para detetar fraudes.
Além disso, as OSC e os defensores dos direitos apoiam os titulares de direitos através da prestação de serviços a pessoas singulares. Podem complementar os serviços prestados por autoridades nacionais, regionais ou locais ou ser mandatados para prestar serviços em nome do Estado. Por exemplo, na Suécia, os abrigos sem fins lucrativos para mulheres disponibilizam alojamento e reabilitação às vítimas de violência baseada no género e de tráfico de seres humanos, enquanto outras OSC apoiam os requerentes de asilo e as pessoas com queixas de discriminação. Na Chéquia, as OSC trabalharam em conjunto para criar dois centros de apoio específicos para as vítimas de esterilização ilegal.
Defesa dos direitos
As OSC e os defensores dos direitos também contribuem para a tomada de decisões democráticas ao defenderem os direitos fundamentais na legislação ou na elaboração de políticas. As atividades de consulta podem realizar-se através de acordos estruturados ou por iniciativa própria das OSC e dos defensores dos direitos e dão às pessoas a oportunidade de participarem diretamente na tomada de decisões em questões que lhes digam respeito. Algumas OSC e defensores dos direitos também apoiam a participação democrática dos grupos vulneráveis. Por exemplo, na Bélgica, os representantes da sociedade civil participam no Conselho Consultivo para as Pessoas com Deficiência de Bruxelas e no Conselho para a Igualdade entre Homens e Mulheres de Bruxelas (ambos criados pelo Governo), que podem emitir pareceres sobre propostas legislativas. Em França, as OSC estão representadas na Commission Nationale consultative des Droits de l’Homme, que apresenta relatórios anuais ao Governo sobre diferentes questões, incluindo a luta contra o racismo, a xenofobia e o antissemitismo, o tráfico de seres humanos e a discriminação das pessoas LGBTIQ. Vários Estados-Membros envolvem as OSC e os defensores dos direitos na execução de planos de ação governamentais abertos para promover a transparência, a responsabilização, a participação, a integridade pública e a colaboração na sociedade.
Apoio à forma como a legislação da UE é aplicada
Muitas vezes, a legislação da UE confere expressamente às OSC atribuições que são cruciais para a aplicação eficaz da legislação no terreno. Por exemplo, o regulamento relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor
concede às organizações de consumidores o direito de notificar as autoridades sobre abusos da legislação da UE em matéria de defesa do consumidor. A Diretiva Igualdade no Emprego exige que os Estados-Membros prevejam que as OSC possam, em determinadas condições, participar em processos judiciais e administrativos pertinentes, em nome ou em apoio do queixoso.
O regulamento alterado relativo à Convenção de Aarhus reforça o direito das organizações ambientais de solicitarem às instituições e organismos da UE que revejam as suas decisões para garantir a conformidade com a legislação ambiental da UE
. A alteração alargou significativamente o número e os tipos de decisões que podem ser contestadas. Do mesmo modo, a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade prevê o direito de as organizações apresentarem queixas diretamente a uma empresa quando as suas operações ou cadeias de valor forem suscetíveis de prejudicar os direitos humanos ou o ambiente.
A Diretiva Direitos das Vítimas
prevê a criação de serviços de apoio como serviço público ou por OSC
. Do mesmo modo, ao prestarem serviços de apoio às vítimas do terrorismo ao abrigo da diretiva relativa à luta contra o terrorismo
, muitos Estados-Membros combinam os serviços prestados diretamente pelo Estado com os prestados pelas OSC
. A proposta de diretiva relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica
confirma igualmente que as OSC podem prestar apoio especializado às vítimas deste tipo de violência. Propõe igualmente obrigar os Estados-Membros a consultar as OSC sobre os serviços de apoio, a elaboração de políticas, a prestação de informações e sensibilização, os programas de investigação e ensino, a formação e a monitorização.
O artigo 4.º, n.º 3, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual a UE é parte, determina que seja realizada uma consulta minuciosa, através das suas organizações representativas, às pessoas com deficiência sobre as políticas que lhes dizem respeito. Em relação aos direitos dos passageiros, o direito da UE impõe que estas organizações sejam igualmente consultadas quando os aeroportos, os navios e os operadores de terminais portuários adotam normas relativas aos passageiros com deficiência e quando os operadores de caminhos de ferro, navios e autocarros adotam regras em matéria de acesso não discriminatório aos serviços.
O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e a Diretiva Proteção de Dados na Aplicação da Lei estabelecem que, em caso de tratamento ilícito de dados pessoais, pode ser conferido a um organismo, organização ou associação sem fins lucrativos o direito de apresentar queixa à autoridade de controlo competente e ao tribunal nacional.
O Regulamento Serviços Digitais (RSD) reconhece a importância da sociedade civil para lidar eficazmente com o conteúdo ilegal em linha, assegurando simultaneamente o respeito pelos direitos fundamentais, e para controlar as sólidas medidas de transparência que os serviços digitais terão de tomar quando o regulamento entrar em vigor. O RSD reconhece igualmente a necessidade de ter em conta o conhecimento aprofundado que a sociedade civil disponibiliza em matéria de riscos sociais e incentiva as plataformas e os motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão a consultarem a sociedade civil no cumprimento das suas obrigações em matéria de gestão dos riscos.
Os organismos de promoção da igualdade desempenham um papel crucial na aplicação da legislação da UE em matéria de igualdade de tratamento. Para os ajudar a desempenhar este papel, a Comissão tenciona adotar propostas legislativas destinadas a alargar o mandato e a reforçar o papel e a independência dos organismos de promoção da igualdade de tratamento.
Para além das tarefas atribuídas às OSC e aos defensores dos direitos na legislação da UE, as OSC contribuem para a eficácia das políticas da UE. Nos termos do Código de Conduta da UE de 2016 que visa combater os discursos ilegais de incitação ao ódio em linha, uma rede de OSC acompanha a execução dos compromissos assumidos pelas plataformas em linha, contribuindo para proteger os grupos de risco do discurso de ódio em toda a UE. Do mesmo modo, o Fórum Internet da UE reúne representantes dos governos, dos serviços de aplicação da lei, da indústria tecnológica e da sociedade civil para travar a difusão de conteúdos violentos extremistas, terroristas e de abuso sexual de menores. Desde 2022, o Fórum aborda igualmente a dimensão em linha do tráfico de seres humanos. A Comissão coordena igualmente a Rede de Sensibilização para a Radicalização, uma rede europeia de profissionais da linha da frente que trabalham diariamente com as pessoas vulneráveis à radicalização e as que já se radicalizaram.
O Plano de Ação da UE contra o Racismo 2020-2025 incentiva os Estados-Membros a envolverem as OSC na conceção, execução e avaliação dos planos de ação nacionais contra o racismo.
3.Proteção das OSC e dos defensores dos direitos
As OSC e os defensores dos direitos promovem e protegem no terreno os direitos conferidos pela Carta e devem poder trabalhar num contexto favorável, em que, antes de mais, os seus próprios direitos fundamentais sejam respeitados. Devem poder exercer as suas atividades sem interferências injustificadas dos Estados e estes devem ser pró-ativos na tomada de medidas para proteger e promover o espaço cívico e os que nele operam. Embora a maioria dos Estados-Membros já o assegure, as OSC e os defensores dos direitos continuam a relatar a existência de um conjunto de desafios, obstáculos e restrições em alguns Estados-Membros que têm limitado a sua capacidade para desenvolver as respetivas atividades. O âmbito das suas atividades é muitas vezes afetado por restrições orçamentais, de recursos humanos ou legais.
Resultados da consulta
Na consulta realizada para elaborar o presente relatório, 61 % das OSC que responderam ao relatório referiram que enfrentaram obstáculos que limitam o seu «espaço seguro». Mais especificamente, 44 % foram vítimas de ataques verbais e assédio, intimidação, narrativas negativas ou campanhas de difamação ou de desinformação. Outros obstáculos encontrados incluíram ataques digitais (19 %), criminalização do trabalho humanitário ou dos direitos fundamentais (18 %), assédio administrativo (15 %), ataques físicos a pessoas e bens (15 %), violações da proteção de dados (14 %), vigilância (12 %), obstáculos relacionados com a utilização ética da tecnologia ou da inteligência artificial (9 %) e ações judiciais estratégicas contra a participação pública (7 %). As pessoas particularmente afetadas trabalham nos domínios dos direitos das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos, dos direitos das pessoas LGBTIQ, dos direitos dos migrantes e requerentes de asilo e da proteção do ambiente.
Os defensores dos direitos, como as INDH, são afetados por problemas semelhantes. Conforme comunicado pela FRA, um número significativo de trabalhadores e voluntários foi objeto de ameaças ou assédio (verbal ou escrito, incluindo em linha) em relação ao trabalho que desenvolve no âmbito da respetiva INDH. Em alguns Estados-Membros, as INDH depararam-se com obstáculos à sua independência, bem como à garantia de recursos adequados e ao cumprimento do seu amplo mandato. O mesmo se aplica aos Provedores de Justiça. Os organismos de promoção da igualdade também referiram um ambiente cada vez mais difícil pelo facto de existir um menor consenso social no que respeita a questões de igualdade e de as declarações discriminatórias ilegais serem consideradas aceitáveis. Foram comunicados alguns casos de falta de independência e de eficácia ao nível de organismos de promoção da igualdade devido à pressão externa e à falta de pessoal.
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3.1.Exemplos de como os Estados-Membros protegem o espaço cívico
É essencial que as OSC e os defensores dos direitos disponham de um ambiente propício para desempenharem o seu trabalho e salvaguardarem o seu direito de associação. Em muitos Estados-Membros, as OSC e os defensores dos direitos são apoiados e incentivados no seu trabalho e são legalmente protegidos. Nos últimos anos, registaram-se vários desenvolvimentos positivos em toda a UE para promover este ambiente propício às OSC e aos defensores dos direitos, o que permitiu que em alguns Estados-Membros estejam a ser implementadas mudanças legislativas e institucionais. Por exemplo, a Croácia e a Alemanha estão a elaborar planos de ação nacionais para melhorar a situação das OSC. Na Eslovénia, uma lei sobre as organizações não governamentais visa proporcionar um ambiente propício às OSC. Noutros Estados-Membros, como a Bulgária e a Lituânia, organismos públicos especiais estão encarregados de desenvolver políticas de apoio à sociedade civil. Na Finlândia, o Conselho Consultivo para a Política da Sociedade Civil do Governo desenvolveu uma estratégia para a sociedade civil.
No entanto, em alguns Estados-Membros, as OSC e os defensores dos direitos manifestaram preocupações quanto ao facto de a sua liberdade de associação ser afetada pela legislação, nomeadamente em matéria de ordem pública ou de segurança, preocupações que, em alguns casos, foram suscitadas perante os tribunais. Outros obstáculos comunicados pelas partes interessadas dizem respeito à legislação em matéria de transparência
, luta contra o terrorismo
e luta contra o branqueamento de capitais
. Entre as restantes obstruções denunciadas pela sociedade civil, incluem-se medidas dissuasivas, como auditorias e investigações de financiamento, e obstáculos para aceder ao financiamento.
Na maioria dos Estados-Membros, não estão previstos procedimentos especiais para denunciar e monitorizar ameaças e ataques. Consequentemente, as OSC e os próprios defensores dos direitos desempenham um papel essencial na monitorização e nas denúncias relativas ao espaço cívico. Por exemplo, o Centro Nacional para os Direitos Humanos da Eslováquia documentou ameaças, intimidação, assédio e restrições de direitos que afetam a sociedade civil que luta pela proteção do ambiente, os direitos das pessoas LGBTIQ e os direitos das mulheres, nomeadamente no que diz respeito à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos. Na Finlândia, uma OSC desenvolveu o instrumento «Together Against Hate» para recolher dados sobre ameaças ou ataques contra OSC e defensores dos direitos. Além disso, a plataforma de investigação em linha Monitor da CIVICUS regista a liberdade da sociedade civil em 197 países e territórios e a Civic Space Watch recolhe conclusões de grupos na Europa sobre as condições da sociedade civil e identifica as tendências nacionais e transeuropeias.
Para fazer face aos ataques físicos e em linha contra as OSC e os defensores dos direitos em França, o Ministério do Interior acompanha as denúncias de atos ilícitos contra estes grupos e pode adotar medidas adequadas através do seu Serviço de Proteção. O Luxemburgo e os Países Baixos implementaram projetos que permitem que os defensores dos direitos estrangeiros, que se encontram sob ameaça ou pressão no seu próprio país, permaneçam em segurança durante um período máximo de três meses. A Suécia adotou um plano de ação nacional para fazer face às ameaças e ao ódio contra, nomeadamente, as OSC e os defensores dos direitos.
As INDH e os organismos de promoção da igualdade também trabalham no sentido de promover um ambiente seguro e propício para as OSC a nível nacional. As INDH trabalham em estreita colaboração com as OSC, por exemplo, formando-as e ajudando a reforçar as suas capacidades. Na Grécia, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos defendeu a adoção de uma proposta legislativa para proteger os defensores dos direitos contra ataques, represálias e restrições irrazoáveis dos seus direitos.
3.2.Iniciativas da UE para proteger o espaço cívico
A UE tomou várias medidas para proteger as OSC e os defensores dos direitos. Os instrumentos desenvolvidos para promover e proteger a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais visam criar, manter e proteger um ambiente propício às OSC e aos defensores dos direitos.
Em especial, o relatório anual da Comissão sobre o Estado de direito no âmbito do quarto pilar, que abrange o equilíbrio de poderes institucionais, inclui uma avaliação da situação do espaço cívico em todos os Estados-Membros e reconhece que a «sociedade civil [também] desempenha um papel importante no sistema de equilíbrio de poderes», além de analisar os desenvolvimentos relacionados com o quadro propício à sociedade civil. Em 2022, o relatório sobre o Estado de direito apresentou recomendações aos Estados-Membros, nomeadamente sobre a situação do espaço cívico em alguns casos.
A iniciativa da Comissão de 2022 contra as ações judiciais estratégicas contra a participação pública introduz medidas concretas para proteger todos os intervenientes envolvidos em processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública, contribuindo assim para um ambiente seguro e propício para as OSC e os defensores dos direitos.
A proposta de uma nova Diretiva Criminalidade Ambiental confirma que as pessoas, incluindo os membros das OSC, que denunciam infrações penais ambientais devem beneficiar do apoio e da assistência necessários em qualquer processo penal. Os defensores do ambiente são igualmente abrangidos pela proposta de diretiva e pela recomendação contra as ações judiciais estratégicas contra a participação pública, em conformidade com os requisitos da Convenção de Aarhus
A proposta de Regulamento Liberdade de Imprensa melhorará o funcionamento do mercado interno dos meios de comunicação social, aumentando a transparência e combatendo as distorções do mercado, reforçando assim igualmente a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social em todos os Estados-Membros, e constituirá uma garantia para que os jornalistas e editores possam trabalhar sem interferências. Do mesmo modo, a Recomendação da Comissão relativa à garantia de proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e outros profissionais da comunicação social visa garantir condições de trabalho mais seguras para os profissionais da comunicação social, tanto em linha como fora de linha.
Impulsionada pelo Parlamento Europeu, a Comissão está também a trabalhar numa iniciativa legislativa sobre o reconhecimento transfronteiras das associações na UE. Esta iniciativa centrar-se-á nas atividades transfronteiras das associações, permitindo-lhes beneficiar plenamente do mercado único e dos seus direitos fundamentais conferidos pela Carta.
Além das medidas jurídicas, a Comissão protege as OSC e os defensores dos direitos tomando medidas coercivas contra medidas que os afetem e que são contrárias ao direito da UE, incluindo a Carta. A Comissão instaurou dois procedimentos de infração contra a Hungria em que estavam em causa uma lei sobre o financiamento estrangeiro da sociedade civil e um projeto de lei que criminaliza a prestação de auxílio a requerentes de asilo. Os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nestes dois processos criaram um precedente contra legislação semelhante e destacam o papel fundamental do Tribunal de Justiça na proteção do espaço cívico e dos direitos fundamentais na UE.
O compromisso da UE de contribuir para a proteção e a criação de um espaço cívico seguro também se reflete na sua ação externa, nomeadamente no plano de ação da UE para os direitos humanos e a democracia (2020-2024). Este aspeto é igualmente descrito nas Orientações da União Europeia relativas aos defensores dos direitos humanos.
Desde 2015, a Comissão tem apoiado mecanismos para proteger os defensores dos direitos humanos mais expostos ao risco. O fundo de emergência da UE para os defensores dos direitos humanos, através de pequenas subvenções, presta apoio aos defensores dos direitos humanos. A ProtectDefenders.eu é uma coligação de OSC que opera a nível internacional para receber e tratar de pedidos de apoio dos defensores dos direitos humanos e a eles responder. Presta um serviço flexível e permanente para estruturar o apoio, que abarca desde o reforço das capacidades e o aconselhamento jurídico e em matéria de segurança até aos serviços de recolocação e de abrigo. O mecanismo de crise no domínio dos direitos humanos concede subvenções às OSC com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos movimentos de direitos humanos nos ambientes operacionais mais repressivos.
A Comissão financiou igualmente o desenvolvimento do instrumento CSO Meter, que avalia a abertura do ambiente da sociedade civil nos países da Parceria Oriental abrangidos pelo seu Instrumento Europeu de Vizinhança.
Para proteger o espaço cívico, a UE desenvolveu uma estreita cooperação e diálogo com organizações internacionais. Em especial, a UE utiliza plenamente as normas e os conhecimentos desenvolvidos pelo Conselho da Europa e pelos seus órgãos de controlo. O Comité de Ministros do Conselho da Europa adotou três instrumentos não vinculativos sobre o espaço cívico. O Comité Diretor Intergovernamental para os Direitos Humanos analisa o impacto da legislação, das políticas e das práticas nacionais nas atividades das OSC e dos defensores dos direitos e identifica as boas práticas para promover e proteger o espaço cívico. O Conselho de Peritos sobre o Direito das ONG acompanha a aplicação de uma recomendação relativa ao estatuto jurídico das ONG e presta aconselhamento sobre a questão de saber como harmonizar a legislação e as práticas nacionais com as normas europeias. Além disso, a Plataforma Segurança dos Jornalistas acompanha os ataques contra jornalistas, indicando se foram iniciados por intervenientes estatais ou não estatais e a gravidade dos ataques.
As Nações Unidas são também um parceiro fundamental, em especial os seus mecanismos de acompanhamento centrados na resposta a ataques, assédio, criminalização e campanhas de difamação que afetaram a sociedade civil em todo o mundo nos últimos anos, incluindo na UE.
Igualmente crucial é a cooperação com o Gabinete para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos (ODIHR) da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE). O ODIHR ajuda as autoridades nacionais a cumprir os seus compromissos de proteção dos defensores dos direitos humanos, monitorizando a sua capacidade de operar e reforçando capacidades através do ensino e da formação em matéria de direitos humanos.
4.Apoio às OSC e aos defensores dos direitos
O acesso aos recursos financeiros e a liberdade de os utilizar são parte integrante do direito à liberdade de associação
. As OSC e os defensores dos direitos necessitam de recursos financeiros suficientes para levar a cabo as suas missões de forma eficaz. Vários Estados-Membros referem que aumentaram o apoio financeiro às OSC em geral
e para compensar o impacto da pandemia de COVID-19
; os doadores internacionais e a UE complementaram significativamente estes esforços nos últimos anos. No entanto, em toda a UE, as OSC e os defensores dos direitos têm dificuldade em financiar as suas atividades específicas, o que é uma tendência agravada pela pandemia e pela atual crise do custo de vida
, nomeadamente no que respeita às funções de defesa e de vigilância.
Resultados da consulta
Na consulta realizada para elaborar o presente relatório, as OSC e os defensores dos direitos identificaram a falta de financiamento como um dos principais desafios para o seu trabalho e denunciaram que, em muitos Estados-Membros, existem poucas oportunidades de financiamento, em especial para trabalhar no domínio do Estado de direito, da democracia e dos direitos fundamentais
.
A consulta em linha revelou que quase metade das organizações que responderam (49 %) comunicaram obstáculos no âmbito do quadro de financiamento. Em especial, 40 % indicaram a existência de obstáculos ao financiamento. Uma menor percentagem de organizações (menos de 15 %) referiu obstáculos relacionados com os estatutos de beneficência, financiamento estrangeiro, regimes fiscais, contabilidade e auditoria da corrupção e restrições à angariação de fundos em linha.
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4.1.Exemplos de como os Estados-Membros apoiam os intervenientes da sociedade civil
Os Estados-Membros constituem uma fonte essencial de financiamento e de recursos para as OSC e os defensores dos direitos. Todos os Estados-Membros disponibilizam financiamento público às organizações da sociedade civil a nível nacional, regional e local, estando disponíveis muitos programas de financiamento diferentes. Por exemplo, os fundos das OSC na Estónia
, na Letónia
, na Lituânia
e em Malta permitem apoiar institucionalmente o reforço das capacidades das OSC. Na Finlândia, as OSC recebem financiamento estatal de várias fontes, incluindo receitas de uma empresa pública que opera no mercado regulamentado do jogo
. Em alguns Estados-Membros, como a Dinamarca, os Países Baixos e a Suécia, está disponível financiamento público para a defesa dos direitos fundamentais
. Vários Estados-Membros oferecem igualmente financiamento para cobrir, em certa medida, os custos administrativos e de infraestruturas das OSC.
Alguns Estados-Membros também aplicam disposições fiscais favoráveis aos donativos feitos às OSC
, incentivando os donativos privados. A maioria dos Estados-Membros permite que as OSC recebam subsídios, subvenções e donativos isentos de impostos. Por exemplo, em Itália, os donativos fesito às OSC são dedutíveis dos impostos e, na Chéquia, as OSC estão isentas do imposto sobre o rendimento, do imposto de circulação e da tributação predial quando os custos se destinam a fins organizacionais.
Mesmo quando existe financiamento disponível, as OSC e os defensores dos direitos denunciam a existência de obstáculos no acesso a esse financiamento, incluindo procedimentos de candidatura ou de comunicação de informações e critérios de elegibilidade complexos, onerosos e nem sempre transparentes , bem como a elevada procura de financiamento disponível
. Outra dificuldade comunicada pelas OSC é o financiamento de projetos a curto prazo, que está a substituir gradualmente o financiamento a mais longo prazo ou o financiamento para despesas administrativas
.
Vários Estados-Membros estão a trabalhar no sentido de combater esses desafios em matéria de disponibilidade, acesso e sustentabilidade do financiamento. Tentam assegurar uma distribuição equitativa com critérios transparentes e a publicação de convites à apresentação de propostas com vista a uma ampla acessibilidade. Por exemplo, em Espanha, uma distribuição equitativa dos fundos é assegurada através de legislação
que exige que os critérios de avaliação sejam tornados públicos.
A maioria dos Estados-Membros também tem planos para simplificar e agilizar o acesso ao financiamento, nomeadamente através da digitalização. Por exemplo, na Eslováquia e na Croácia, estão a ser criados novos sistemas em linha para simplificar os processos administrativos de financiamento público. Entretanto, na Eslovénia, estão a ser utilizadas taxas fixas e montantes fixos para simplificar o sistema de financiamento.
Em alguns Estados-Membros, outros obstáculos são causados pela distribuição politizada do financiamento público, que exclui as OSC que criticam o governo em benefício das chamadas ONG organizadas pelo Governo
. Esses obstáculos podem constituir práticas que bloqueiam o acesso das OSC aos fundos públicos, sempre que as suas atividades de defesa de direitos sejam consideradas como atividades políticas
, o que afeta o seu estatuto de isenção fiscal
, e as regras sobre donativos estrangeiros
. As OSC que trabalham em determinados domínios sensíveis, como os direitos das pessoas LGBTIQ e a igualdade de género, o que inclui as atividades de defesa de direitos e a litigância estratégica, fazem face a uma maior exclusão do financiamento público.
4.2.Apoio da UE aos intervenientes da sociedade civil
4.2.1.Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores (CIDV)
As organizações da sociedade civil e os defensores dos direitos estiveram sempre entre os beneficiários dos programas de financiamento da Comissão, complementando assim os esforços dos Estados-Membros. Com um orçamento de 1,55 mil milhões de EUR para o período 2021-2027, o programa CIDV é o maior fundo de sempre para os direitos fundamentais na UE. O seu objetivo é proteger e promover os direitos e valores consagrados nos Tratados da UE, na Carta e nas convenções internacionais, apoiando as OSC e outras partes interessadas a nível local, regional, nacional e transnacional.
Resultados da consulta
O programa CIDV foi acolhido favoravelmente pelas OSC e pelos defensores dos direitos, que o consideram uma evolução positiva. As consultas demonstram que a maioria das OSC tinha conhecimento do programa, ainda que em graus variáveis
. 28 % dos inquiridos no âmbito das consultas do presente relatório solicitaram financiamento do CIDV e 39 % tencionam fazê-lo.
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O programa CIDV é composto por diferentes vertentes de financiamento. A nova vertente dos valores da União apoia as OSC, os defensores dos direitos e outras partes interessadas que promovem uma cultura de valores na UE, baseada nos direitos fundamentais, na democracia e no Estado de direito. Está disponível financiamento para o reforço das capacidades e a sensibilização para a Carta, bem como para atividades que reforcem os conhecimentos dos profissionais, nomeadamente os profissionais da justiça, das OSC e dos organismos independentes de defesa dos direitos humanos para participarem eficazmente na resolução de litígios a nível nacional e europeu, bem como para melhorar o acesso à justiça e a aplicação dos direitos através da formação, da partilha de conhecimentos e do intercâmbio de boas práticas. O financiamento para o reforço das capacidades e a resolução de litígios será substancialmente aumentado no âmbito do programa de trabalho para o período 2023-2024.
Como nova oportunidade no âmbito da vertente «valores da União», a Comissão selecionou intermediários das OSC através de um convite público à apresentação de propostas. Estes organismos prestarão apoio financeiro às OSC através de um regime de nova concessão de subvenções (transferindo subvenções da UE) para reforçar as capacidades de muitas OSC de base, que promovem e protegem os valores da UE. Além disso, a Comissão está a apoiar os parceiros-quadro, como as redes europeias, as OSC ativas a nível da UE e os grupos de reflexão europeus ativos no domínio dos valores da UE
. A Comissão apoia, em especial, a ENNHRI e várias redes de organizações da sociedade civil, como a Civil Liberties Union, o Centro Europeu da Legislação sem Fins Lucrativos (ECNL) e o Fórum Cívico Europeu, que trabalham para criar e manter um espaço cívico propício.
As OSC também têm acesso a um financiamento substancial ao abrigo de outras vertentes do programa CIDV — igualdade, direitos e igualdade de género, luta contra a violência baseada no género e a violência contra as crianças (Daphne) e envolvimento e participação dos cidadãos, em que as OSC representam quase metade dos beneficiários. Em 2021, o programa CIDV concedeu financiamentos de cerca de 91,8 milhões de EUR. Este valor aumentou para cerca de 200 milhões de EUR em 2022
.
Para o período de financiamento de 2021-2027, foi concebido um sistema de gestão de riscos para todas as fases do ciclo do projeto. O respeito dos valores da UE aplica-se a todos os convites à apresentação de propostas e ao longo de todo o ciclo do projeto. Todos os requerentes e beneficiários são regularmente examinados para verificar a conformidade com os valores da UE nas fases de candidatura, avaliação e execução.
Financiamento da UE para apoiar as OSC durante a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia
Os beneficiários do CIDV estão bem posicionados para responder às necessidades urgentes das pessoas afetadas pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, em especial através da recolha e monitorização de dados, da sensibilização, da defesa e da orientação e ajuda às vítimas. Quando a guerra de agressão da Rússia começou, vários dos convites à apresentação de propostas de 2022 já estavam abertos e os candidatos tiveram a possibilidade de adaptar as suas propostas às necessidades decorrentes da guerra. Os prazos de apresentação foram igualmente prorrogados para determinados convites à apresentação de propostas. Alguns parceiros-quadro que recebem financiamento desenvolveram atividades para responder a necessidades emergentes, como campanhas nas redes sociais, prestação de apoio psicológico ou formação de mentores voluntários. A partir de 2023, os parceiros-quadro começarão a reatribuir fundos às suas organizações membros a nível local, que podem orientar ações mais específicas para dar resposta a esta emergência.
4.2.2.Apoio no âmbito de outros programas da UE
Para além do CIDV, a UE concede um importante apoio à sociedade civil através de muitos outros programas da UE. O Programa Justiça assegura o acesso efetivo do público à justiça, apoiando a formação judicial, e concede subvenções às OSC para a execução de projetos em colaboração com as autoridades judiciais
, como projetos de formação transfronteiras sobre o direito da UE destinados aos profissionais da justiça. Os programas de financiamento da investigação e inovação, Horizonte 2020 e o seu sucessor Horizonte Europa, também apoiam as OSC e os defensores dos direitos numa série de domínios temáticos
.
O programa Erasmus+ financia projetos que promovem os direitos fundamentais e os valores da UE. O programa Erasmus+ concede apoio financeiro estrutural (subvenções de funcionamento) às OSC europeias ativas no domínio do ensino e da formação ou da juventude e, a partir de 2021, propõe igualmente subvenções de ação anuais. Por último, o programa de capacitação da sociedade civil financia ações de formação destinadas à sociedade civil para que possa criar um discurso de combate ao extremismo violento
.
Nas suas ações externas, a UE estabeleceu práticas de longa data para financiar, enfrentar e identificar os desafios com que a sociedade civil se depara através de programas temáticos e geográficos. Os instrumentos geográficos, como o Instrumento de Assistência de Pré-Adesão e o Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional — Europa Global (IVCDCI — Europa Global), prestam apoio específico às OSC através de dotações regionais e nacionais (programas da «Facilidade de Apoio à Sociedade Civil no âmbito da Política de Vizinhança»), a fim de reforçar as capacidades das OSC, fortalecer o diálogo entre as OSC e promover um espaço cívico aberto. As OSC são também os principais beneficiários do apoio do programa temático para as organizações da sociedade civil e do programa temático para os direitos humanos e a democracia no âmbito do IVCDCI — Europa Global.
5.Capacitação das OSC e dos defensores dos direitos
A sociedade civil é um parceiro ativo e independente no sistema de direitos fundamentais da União Europeia. A UE e os Estados-Membros devem reconhecer o papel das OSC e dos defensores dos direitos, permitir-lhes agir e certificar-se de que estão reunidas as condições para poderem participar de forma significativa na tomada de decisões e na execução das políticas nacionais e da UE que beneficiam as nossas democracias. Esta capacitação é crucial para um espaço cívico vibrante e para permitir que as OSC e os defensores dos direitos ajudem a moldar as políticas nacionais e da UE. No entanto, muitas partes interessadas indicam que as OSC e os defensores dos direitos têm dificuldade em aceder a consultas e diálogos com as partes interessadas em alguns Estados-Membros. Nem sempre existem informações disponíveis sobre consultas abertas ou orientações claras sobre o acesso às mesmas.
Resultados da consulta
Na consulta realizada para elaborar o presente relatório, mais de metade das organizações (53 %) comunicou obstáculos à «participação e cooperação com as autoridades». Os maiores desafios neste domínio foram os obstáculos que restringem o acesso das organizações às consultas e à participação na tomada de decisões (45 %), bem como o acesso a informações e documentos (42 %). Além disso, um número significativo de organizações (30 %) declarou ter encontrado, de um modo mais geral, obstáculos ao diálogo civil. De acordo com as conclusões da FRA, as minorias e os grupos vulneráveis também não estão suficientemente representados nas consultas.
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5.1.Exemplos de como os Estados-Membros capacitam os intervenientes da sociedade civil
A participação das OSC e dos defensores dos direitos é essencial para elaborar, aplicar e acompanhar a legislação e as políticas. Vários Estados-Membros criaram mecanismos de consulta para garantir que as OSC e os defensores dos direitos possam participar e ter a oportunidade de avaliar de que forma as medidas propostas podem afetar as próprias OSC, os seus membros ou os direitos fundamentais em geral.
Muitos Estados-Membros recolhem contributos das OSC e dos defensores dos direitos através de consultas públicas abertas. Por exemplo, em Espanha, antes do projeto legislativo, realiza-se uma consulta pública aberta e uma audição pública durante as quais as OSC podem partilhar os seus conhecimentos e pontos de vista. Do mesmo modo, muitos Estados-Membros facilitam a participação das partes interessadas através de plataformas de consulta em linha, que fornecem informações sobre as consultas em curso. Na Áustria, a elaboração do plano estratégico nacional para a política agrícola comum foi apoiada por um processo em que todos puderam obter informações e apresentar os seus contributos.
Em vários Estados-Membros, as regras gerais relativas à realização de avaliações de impacto legislativo permitem avaliar o impacto de uma proposta legislativa na sociedade civil. Em alguns Estados-Membros, estas avaliações constituem uma obrigação imposta ao legislador. Por exemplo, na Alemanha, todos os impactos regulamentares dos projetos legislativos elaborados pelo Governo federal têm de ser avaliados, incluindo o respetivo impacto no espaço cívico. Na Letónia, os impactos das propostas relativas aos direitos humanos, aos valores democráticos e ao desenvolvimento da sociedade civil são avaliados como impactos horizontais.
As estruturas de diálogo permanente são essenciais para apoiar o desenvolvimento da sociedade civil. Vários Estados-Membros envolvem as OSC e os defensores dos direitos através de plataformas e redes específicas, que lhes proporcionam um mecanismo oficial para ajudar a aplicar e acompanhar a legislação e as políticas. Por exemplo, na Chéquia, o Conselho para as ONG debate questões fundamentais sobre o trabalho das OSC e participou na elaboração da estratégia de cooperação entre a administração pública e as ONG. Está a ser desenvolvida uma metodologia para facilitar ainda mais a sua participação. Na Finlândia, foi criado o Conselho Consultivo para a Política da Sociedade Civil a fim de promover a interação entre o Governo e a sociedade civil. Na Irlanda, as autoridades locais podem estabelecer contactos com grupos comunitários, incluindo OSC, através de uma rede de participação pública. O principal objetivo da rede é permitir que os membros manifestem as suas opiniões nas estruturas oficiais de decisão a nível local.
Vários Estados-Membros envolvem as OSC e os defensores dos direitos através de plataformas e redes dedicadas à salvaguarda dos direitos fundamentais de grupos específicos. Por exemplo, na Grécia, as OSC participam no Conselho Nacional contra o Racismo e a Intolerância e cooperam com o Gabinete do Relator Nacional para as questões relativas ao tráfico de seres humanos. Em Espanha, as OSC participam no Conselho de Participação das Mulheres, com atividades no âmbito da promoção da igualdade e da não discriminação. As OSC também participam no Conselho Nacional para a Deficiência e participam no Conselho para a promoção da igualdade de tratamento e da não discriminação das pessoas com base na origem racial ou étnica. Em Portugal, o Conselho Económico e Social proporciona um fórum para o diálogo entre os parceiros sociais e as OSC sobre questões socioeconómicas.
As INDH e os organismos de promoção da igualdade mantêm contactos regulares com as OSC e atuam como elo de ligação entre estas e os diferentes níveis de governo. Envolvem as OSC em consultas, comités consultivos, projetos conjuntos e encontros para diálogo. A maioria dos organismos para a igualdade de tratamento integrou as OSC nos seus órgãos de direção. Embora várias INDH e organismos de promoção da igualdade refiram a boa cooperação com as autoridades, subsistem desafios no que respeita a consultas atempadas e transparentes, à prestação de informações e à sua participação sistemática, independentemente de esta partir de iniciativa própria. Quatro Estados-Membros ainda não criaram uma INDH acreditada em conformidade com os princípios de Paris das Nações Unidas.
5.2.Ação da UE para capacitar os intervenientes da sociedade civil
Os Tratados fundadores da UE reconhecem a importância da participação e do diálogo com a sociedade civil. O artigo 11.º do TUE determina que as instituições da UE deem aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de ação da UE. O mesmo artigo impõe ainda que as instituições estabeleçam um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil e que procedam a amplas consultas sobre novas iniciativas. O artigo 15.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia determina que as instituições, órgãos e organismos da UE pautem a sua atuação pelo maior respeito possível do princípio da abertura, a fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil.
A Carta reconhece os direitos à liberdade de expressão e de informação (artigo 11.º) e à liberdade de reunião pacífica e de associação (artigo 12.º). Em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o TJUE confirmou que o direito à liberdade de associação constitui um dos alicerces fundamentais de uma sociedade democrática e pluralista, pois permite aos cidadãos agirem coletivamente em domínios de interesse comum e, deste modo, contribuírem para o bom funcionamento da vida pública
.
Este reconhecimento do papel fundamental do espaço cívico reflete-se no funcionamento da UE e nas suas políticas.
Participação na elaboração de políticas
Desde 2015, o Programa Legislar Melhor exige que se tenha em conta os impactos nos direitos fundamentais na elaboração de iniciativas legislativas, a par dos impactos económicos, sociais e ambientais de um modo mais geral. Para tal, é necessário que as instituições da UE avaliem a melhor forma de promover e proteger os direitos fundamentais nos casos concretos e também permitam que as OSC e os defensores dos direitos vejam como os potenciais impactos dos direitos fundamentais na sociedade civil são tidos em conta no processo legislativo da UE. Os mecanismos de consulta e diálogo também permitem às OSC e aos defensores dos direitos apresentar os seus pontos de vista sobre a legislação e as políticas da UE ao longo de todo o ciclo político, desde a elaboração inicial da iniciativa até às negociações entre os colegisladores, o Parlamento Europeu e o Conselho.
Mecanismos formais de consulta e de queixa
O conjunto de instrumento s para legislar melhor confirma a importância da participação das partes interessadas, incluindo a sociedade civil, na elaboração das políticas da UE. A consulta das partes interessadas é uma parte significativa da elaboração de políticas baseadas em dados concretos e confere um contributo inestimável para a legitimidade do processo de elaboração de políticas.
O portal Dê a sua opinião é o ponto de entrada de todas os contributos para propostas legislativas, avaliações, balanços de qualidade e comunicações. Permite que todas as partes interessadas contribuam para iniciativas antes e depois da sua adoção. Esse contributo pode ser realizado através do fornecimento de informações gerais ou da partilha de pontos de vista e conhecimentos no âmbito de uma consulta pública aberta. A recolha de opiniões dá às partes interessadas a oportunidade de partilharem os seus pontos de vista sobre um documento específico (geralmente um «convite à apreciação»).
Uma consulta pública é composta por perguntas dirigidas ao público, bem como, se for caso disso, por perguntas especializadas dirigidas a peritos das OSC, empresas, autoridades públicas, universidades, etc. Os inquiridos podem complementar o seu contributo com contributos escritos, como posições escritas. Podem ser enviados contributos em qualquer uma das 24 línguas oficiais da UE.
Os representantes das OSC e os defensores dos direitos também podem apresentar queixas formais junto da Comissão sempre que suspeitem de uma violação do direito da UE por parte das autoridades dos Estados-Membros. Após avaliar a queixa, a Comissão decide se abre um procedimento de infração.
Além disso, o Provedor de Justiça Europeu está mandatado para investigar queixas de indivíduos e organizações respeitantes a má administração por parte das instituições, organismos e agências da UE, nomeadamente em caso de violação dos direitos fundamentais.
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Os intervenientes da sociedade civil são parceiros importantes na elaboração das iniciativas da UE. Um exemplo recente é o papel que as OSC desempenharam na definição da abordagem da UE a respeito de uma inteligência artificial (IA) centrada no ser humano e de confiança. Mais de 160 organizações da sociedade civil contribuíram para a consulta pública sobre o Livro Branco sobre a IA. Deram um contributo valioso para a proposta de regulamento relativo à IA
, que visa criar um mercado único para uma IA de confiança, que seja segura e respeite os direitos fundamentais.
Outros exemplos recentes incluem a Proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, o Pacote contra as Ações Judiciais Estratégicas contra a Participação Pública, a proposta de criação do Espaço Europeu de Dados de Saúde, a recomendação da Comissão relativa à proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e outros profissionais da comunicação social
e a iniciativa legislativa para reforçar o papel e os poderes dos organismos para a igualdade de tratamento. As consultas junto da sociedade civil são também parte integrante da elaboração e aplicação dos acordos comerciais da UE. A Comissão criou o grupo de peritos relativo aos pontos de vista dos migrantes no domínio da migração, do asilo e da integração, composto por representantes da sociedade civil com conhecimentos especializados pertinentes, para prestar aconselhamento sobre as políticas de migração.
A Estratégia da UE para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ cria uma consulta permanente das organizações da sociedade civil sobre a sua aplicação. Esta estratégia também envolve as organizações da sociedade civil em muitas das suas medidas, incluindo no diálogo com os Estados-Membros. O Quadro Estratégico da UE para a Igualdade, a Inclusão e a Participação dos Ciganos coloca uma grande ênfase na participação, especialmente da sociedade civil cigana, em todas as fases do processo de elaboração de políticas.
Execução dos fundos da UE
De acordo com o disposto no Regulamento Disposições Comuns (RDC), podem ser confiadas tarefas às OSC e aos defensores dos direitos. Nos termos desse ato legal, os Estados-Membros têm de pôr em prática mecanismos eficazes para assegurar que os programas financiados pela UE são concebidos e executados em conformidade com as disposições pertinentes da Carta. Tal faz parte da condição habilitadora horizontal relativa à aplicação e execução efetivas da Carta (a «condição habilitadora horizontal»). O regulamento prevê igualmente uma «parceria» com uma série de organismos regionais, locais e da sociedade civil, como organismos de direitos fundamentais. O Estado-Membro deve envolver esses organismos na elaboração, execução e avaliação dos programas, nomeadamente através da participação num comité incumbido de acompanhar a execução dos programas de financiamento, devendo assegurar-se uma representação equilibrada dos parceiros em causa.
Os Estados-Membros estão cada vez mais a tomar medidas para envolver as organizações da sociedade civil na aplicação da condição habilitadora horizontal. Devem, se pertinente, afetar recursos adequados provenientes dos fundos ao reforço das capacidades administrativas dos parceiros sociais e das OSC.
Por exemplo, na Dinamarca, as OSC e as INDH foram incluídas em consultas bilaterais e públicas organizadas pela autoridade de gestão dos programas do RDC. Participam igualmente no acompanhamento da execução de todos os programas. Na Roménia, as autoridades de gestão de cada programa criaram comités de acompanhamento que incluem OSC para todos os programas. Na Chéquia, as OSC figuram entre os organismos que elaboram, executam e acompanham os fundos do RDC. Tal permite-lhes influenciar o conteúdo dos programas e dos convites ao financiamento e participar na avaliação e no acompanhamento, incluindo a conformidade das operações com a Carta.
Melhorar os diálogos estruturais
Para além das consultas, a Comissão criou vários mecanismos de diálogo adaptados de modo a permitir que as partes interessadas, incluindo as OSC e os defensores dos direitos, contribuam regularmente para a elaboração e execução de políticas em domínios específicos. O diálogo estrutural da sociedade civil realiza-se, por exemplo, através de fóruns e plataformas que abrangem vastos domínios de intervenção, como o Fórum Permanente da Sociedade Civil contra o Racismo, a Plataforma para a Deficiência, o Fórum Europeu sobre Migração e a Plataforma de Política de Saúde da UE. A Rede Europeia dos Direitos da Criança foi criada para apoiar a execução, o acompanhamento e a avaliação da estratégia da UE sobre os direitos da criança. A Plataforma para os Direitos das Vítimas foi lançada em 2020 para facilitar o diálogo e o intercâmbio de boas práticas e informações entre os seus membros, dois terços dos quais provêm da sociedade civil
.
A UE também estabeleceu diálogos sobre questões mais específicas, por exemplo, o Fórum da Sociedade Civil para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ, a Plataforma europeia para a inclusão dos ciganos e o Observatório Civil dos Ciganos 2025, o Fórum da Sociedade Civil sobre a Droga e a Plataforma da Sociedade Civil da UE contra o Tráfico de Seres Humanos. O Fórum da Sociedade Civil sobre a luta contra o antissemitismo reúne representantes da Comissão e das comunidades judaicas, da sociedade civil e de outras partes interessadas, a fim de criar ligações e maximizar o efeito da ação conjunta. Enquanto signatárias do Código de Conduta sobre Desinformação e membros do grupo de trabalho permanente do código, as OSC prestam aconselhamento especializado tendo em vista uma melhor compreensão das narrativas emergentes de desinformação ou o desenvolvimento de objetivos essenciais, como indicadores para medir o impacto do código na desinformação na UE.
A sociedade civil é também um parceiro fundamental da UE na promoção de uma cultura mais forte do Estado de direito. Para a elaboração dos relatórios anuais sobre o Estado de direito, a Comissão realiza reuniões com as partes interessadas, como as redes europeias, as organizações da sociedade civil nacionais e europeias e as organizações profissionais. As OSC e os defensores dos direitos também fornecem contributos escritos para os relatórios. Estes contributos são essenciais para uma avaliação informada nos domínios abrangidos pelos relatórios, nomeadamente os sistemas judiciais, os sistemas de luta contra a corrupção, o pluralismo e a liberdade dos meios de comunicação social e outros equilíbrios de poderes institucionais.
Foi igualmente levado a cabo um diálogo regular com a sociedade civil e organizados grupos consultivos internos sobre questões ligadas ao comércio da UE, e grupos de diálogo civil ajudam a Comissão a manter um diálogo regular sobre todas as questões relativas à política agrícola comum. A Comissão mantém igualmente um diálogo civil estruturado com as OSC ativas nos domínios da deficiência, da exclusão social e da pobreza e nos setores culturais e criativos.
Uma oportunidade significativa para trocar pontos de vista com a sociedade civil e os defensores dos direitos humanos no âmbito da ação externa da UE é o Fórum anual UE-ONG sobre direitos humanos coorganizado pelo Serviço Europeu para a Ação Externa, a Comissão e a organização-quadro da sociedade civil «rede de ONG de defesa dos direitos humanos e da democracia». Este evento reúne centenas de OSC, defensores dos direitos humanos e representantes das Nações Unidas e das instituições da UE para debater as questões mais prementes em matéria de direitos humanos.
A principal plataforma da UE para o diálogo estrutural entre as redes da UE e das organizações da sociedade civil sobre questões de desenvolvimento, nomeadamente sobre questões de um ambiente propício à sociedade civil nos países parceiros da UE, é o Fórum de Políticas para o Desenvolvimento.
A nível dos países parceiros da UE, o apoio à sociedade civil é enquadrado por 110 roteiros por país das OSC e por estratégias da UE e dos Estados-Membros para a colaboração com a sociedade civil, que refletem as principais prioridades da UE, nomeadamente uma maior ênfase no apoio a um ambiente propício à sociedade civil. A nova geração de roteiros centra-se ainda na inclusão da sociedade civil, em que se incluem as mulheres, os jovens e as organizações locais, e no diálogo político a nível nacional.
6.Conclusão
A sociedade civil é uma parte essencial das nossas democracias e um instrumento fundamental para pôr em prática os valores fundamentais em que assenta a UE. As OSC e os defensores dos direitos são parceiros inestimáveis para tornar os direitos fundamentais uma realidade na vida das pessoas. Têm incessantemente demonstrado grande força e uma enorme resiliência em circunstâncias muito difíceis, especialmente durante as crises recentes.
Por conseguinte, os Estados-Membros e a UE devem envidar esforços conjuntos e sustentados para garantir que as OSC e os defensores dos direitos possam operar num ambiente propício enquanto parceiros fundamentais para proteger as nossas democracias, nomeadamente de autocratas estrangeiros que visam os nossos próprios países.
O presente relatório demonstra que os Estados-Membros e a UE estão, em graus variáveis, a tomar medidas para proteger, apoiar e capacitar os intervenientes da sociedade civil. Revela igualmente o leque de oportunidades que as OSC e os defensores dos direitos têm, enquanto valiosos parceiros dos decisores políticos, para dar a conhecer os seus pontos de vista sobre a legislação e a elaboração de políticas. Ao mesmo tempo, subsistem ainda muitos desafios.
Conforme salientado pelas OSC, pelo Parlamento Europeu e pela Conferência sobre o Futuro da Europa
, é necessário intensificar os trabalhos para que possamos alcançar um espaço cívico propício e capacitado através de medidas concretas e específicas adaptadas às características específicas das OSC e dos defensores dos direitos. Os desafios que as OSC e os defensores dos direitos enfrentam, bem como as respostas necessárias, podem variar em função da situação nacional e do tema em causa. No entanto, o objetivo comum da UE deve permanecer o mesmo: proteger, apoiar e capacitar as OSC e os defensores dos direitos.
A Comissão congratula-se com o compromisso firme e os contributos dos intervenientes da sociedade civil, do Parlamento Europeu, do Conselho e dos Estados-Membros, bem como do Comité Económico e Social Europeu e da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, para a elaboração do presente relatório. Tal constitui uma boa base para continuar a trabalhar em conjunto sobre o tema.
A Comissão incentiva outras instituições da UE, os Estados-Membros e as partes interessadas a utilizarem o presente relatório para debater as suas conclusões e desenvolver um diálogo sobre o espaço cívico na UE. Em especial, a Comissão incentiva o Parlamento Europeu e o Conselho a realizarem um debate específico sobre as conclusões do relatório. Para apoiar este debate, a Comissão lançará um diálogo específico junto das partes interessadas através de uma série de seminários temáticos sobre a salvaguarda do espaço cívico, centrando-se na forma como a UE pode continuar a desenvolver o seu papel de proteger, apoiar e capacitar as OSC e os defensores dos direitos para enfrentarem os desafios e as oportunidades identificados no presente relatório. Estes seminários poderão examinar temas como a proteção do espaço digital da sociedade civil, como orientar melhor o financiamento nacional e da UE para apoiar as OSC e os defensores dos direitos e as formas de capacitar o espaço cívico para reforçar a nossa resiliência democrática. Os resultados deste debate serão apresentados e analisados numa mesa-redonda europeia de alto nível em 2023.