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Document 62016CJ0633

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 31 de maio de 2018.
Ernst & Young P/S contra Konkurrencerådet.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sø- og Handelsretten.
Reenvio prejudicial — Controlo das operações de concentração de empresas — Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Artigo 7.o, n.o 1 — Realização de uma concentração antes da notificação à Comissão Europeia e da declaração de compatibilidade com o mercado comum — Proibição — Alcance — Conceito de “concentração” — Rescisão de um acordo de cooperação com um terceiro por uma das empresas partes na concentração.
Processo C-633/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:371

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

31 de maio de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Controlo das operações de concentração de empresas — Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Artigo 7.o, n.o 1 — Realização de uma concentração antes da notificação à Comissão Europeia e da declaração de compatibilidade com o mercado comum — Proibição — Alcance — Conceito de “concentração” — Rescisão de um acordo de cooperação com um terceiro por uma das empresas partes na concentração»

No processo C‑633/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca), por decisão de 25 de novembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de dezembro de 2016, no processo

Ernst & Young P/S

contra

Konkurrencerådet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de novembro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Ernst & Young P/S, por G. Holtsø e J. Plum, advokater,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning, na qualidade de agente, assistido por J. Pinborg, advokat,

em representação da Comissão Europeia, por G. Conte e T. Vecchi, na qualidade de agentes, assistidos por H. Peytz, advokat,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de anulação interposto pela Ernst & Young P/S no Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca) contra uma decisão do Konkurrencerådet (Conselho da Concorrência, Dinamarca) na qual este concluiu que, por um lado, a Ernst & Young P/S, a Ernst & Young Europe LLP, a Ernst & Young Godkendt Revisionsaktieselskab, a Ernst & Young Global Limited e a EYGS LLP (a seguir, conjuntamente, «sociedades EY»), e, por outro, a KPMG Statsautoriseret Revisionspartnerselskab, a Komplementar selskabet af 1. januar 2009 Statsautoriseret Revisionsaktieselskab e a KPMG Ejendomme Flintholm K/S (a seguir, conjuntamente, «sociedades KPMG DK») tinham violado a proibição de realizar uma operação de concentração antes da respetiva autorização pelo Conselho da Concorrência (a seguir «obrigação de suspensão»), em conformidade com § 12c, n.o 5, da konkurrencelov (lei dinamarquesa da concorrência).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 5, 6, 20 e 34 do Regulamento n.o 139/2004 têm a seguinte redação:

«(5)

[…] é necessário garantir que o processo de reestruturação não acarrete um prejuízo duradouro para a concorrência. O direito comunitário deverá, consequentemente, conter normas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último.

(6)

Impõe‑se, por conseguinte, a criação de um instrumento jurídico específico que permita um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre e estrutura da concorrência na Comunidade e que seja o único aplicável às referidas concentrações. […]

[…]

(20)

O conceito de concentração deverá ser definido de modo a abranger as operações de que resulte uma alteração duradoura no controlo das empresas em causa e, por conseguinte, na estrutura do mercado. Consequentemente, é adequado incluir no âmbito de aplicação do presente regulamento todas as empresas comuns que desempenhem de forma duradoura todas as funções de uma entidade económica autónoma. É, além disso, adequado considerar como uma única concentração operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto.

[…]

(34)

Para garantir um controlo eficaz, deverá obrigar‑se as empresas a notificar previamente as suas concentrações que tenham dimensão comunitária após a conclusão de um acordo, do anúncio de uma oferta pública de aquisição ou da aquisição de uma participação de controlo. […] A realização das concentrações deverá ser suspensa até que seja tomada uma decisão final da Comissão. Todavia, deverá poder conceder‑se uma derrogação da obrigação de suspensão mediante pedido das empresas em causa […]»

4

O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definição de concentração», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

a)

Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou

b)

Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

2.   O controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa e, nomeadamente:

a)

Direitos de propriedade ou de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos ativos de uma empresa;

b)

Direitos ou contratos que conferem uma influência determinante na composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos de uma empresa.»

5

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Notificação prévia das concentrações e remessa anterior à notificação a pedido das partes notificantes», dispõe, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«As concentrações de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo.»

6

O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Suspensão da concentração», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   Uma concentração de dimensão comunitária, tal como definida no artigo 1.o, incluindo as concentrações que serão examinadas pela Comissão nos termos do n.o 5 do artigo 4.o, não pode ter lugar nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum por uma decisão tomada nos termos da alínea b) do n.o 1 do artigo 6.o, ou dos n.os 1 ou 2 do artigo 8.o, ou com base na presunção prevista no n.o 6 do artigo 10.o

2.   O n.o 1 não prejudica a realização de uma oferta pública de aquisição ou de uma série de transações de títulos, incluindo os que são convertíveis noutros títulos, admitidos à negociação num mercado como uma bolsa de valores, através da qual seja adquirido controlo, na aceção do artigo 3.o, junto de vários vendedores, desde que:

a)

A concentração seja notificada à Comissão nos termos do artigo 4.o, sem demora; e

b)

O adquirente não exerça os direitos de voto inerentes às participações em causa ou os exerça apenas tendo em vista proteger o pleno valor do seu investimento com base numa derrogação concedida pela Comissão nos termos do n.o 3.

3.   A Comissão pode, a pedido, conceder uma derrogação ao cumprimento das obrigações previstas nos n.os 1 ou 2. O pedido de derrogação deve ser fundamentado. Ao decidir do pedido, a Comissão tomará em consideração, nomeadamente, os efeitos que a suspensão poderá produzir numa ou mais das empresas em causa na concentração ou em relação a terceiros e a ameaça à concorrência colocada pela concentração. A derrogação pode ser acompanhada de condições e de obrigações destinadas a assegurar condições de concorrência efetiva. A derrogação pode ser pedida e concedida a qualquer momento, quer antes da notificação, quer depois da transação.»

7

O artigo 21.o do Regulamento n.o 139/2004, sob a epígrafe «Aplicação do regulamento e competência», enuncia, no seu n.o 1:

«Apenas o presente regulamento se aplica às concentrações definidas no artigo 3.o, e os Regulamentos do Conselho (CE) n.o 1/2003 [do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1)], (CEE) n.o 1017/68 […], (CEE) n.o 4056/86 […] e (CEE) n.o 3975/87 não são aplicáveis salvo no que se refere às empresas comuns sem dimensão comunitária e que tenham por objeto ou efeito a coordenação do comportamento concorrencial de empresas que se mantenham independentes.»

Direito dinamarquês

8

O § 12c, da lei dinamarquesa da concorrência estabelece:

«1.   Cabe à Autoridade Dinamarquesa da Concorrência e dos Consumidores Conselho da Concorrência decidir da aprovação ou da proibição de uma concentração.

[…]

5.   Uma concentração sujeita ao disposto na presente lei não pode ter lugar antes de ser notificada nem antes de ter sido aprovada pela Autoridade Dinamarquesa da Concorrência e dos Consumidores nos termos do n.o 1 do presente artigo.

[…]

6.   A Autoridade Dinamarquesa da Concorrência e dos Consumidores pode autorizar uma derrogação às disposições do n.o 5 do presente artigo e associá‑la a requisitos e encargos destinados a garantir condições de concorrência efetiva.»

9

Decorre da exposição de motivos do § 12c da lei dinamarquesa da concorrência que as regras dinamarquesas em matéria de controlo de concentrações se baseiam nas disposições do Regulamento n.o 139/2004 e devem ser interpretadas em conformidade com as mesmas no que se refere à definição e ao alcance tanto do conceito de «concentração» como da obrigação de suspensão.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 18 de novembro de 2013, as sociedades KPMG DK celebraram um acordo de concentração com as sociedades EY (a seguir «acordo de concentração»).

11

À época dos factos, as sociedades KPMG DK e EY eram empresas de auditoria que prestavam serviços de auditoria e de contabilidade na Dinamarca.

12

À data da celebração do acordo de concentração, as sociedades KPMG DK eram membros de uma rede internacional de empresas de auditoria independentes denominada KPMG International Cooperative (a seguir «KPMG International»). Uma vez que as sociedades KPMG DK não estavam estruturalmente integradas na rede KPMG International, foi celebrado um acordo de cooperação, em 15 de fevereiro de 2010, entre as sociedades KPMG DK e a KPMG International (a seguir «acordo de cooperação»). Nos termos desse acordo, as sociedades KPMG DK dispunham do direito exclusivo de fazer parte da KPMG International na Dinamarca e de utilizar as marcas da KPMG International para as suas ações comerciais nesse Estado‑Membro.

13

O acordo de cooperação continha igualmente cláusulas relativas à repartição de clientes, à obrigação de prestar serviços a clientes de outros Estados e a uma compensação anual para poder integrar a rede. Além disso, previa que as empresas de auditoria participantes não podiam celebrar entre elas contratos comerciais, como parcerias ou joint ventures. Esse acordo de cooperação estabelecia igualmente uma cooperação voluntária e integrada entre as empresas de auditoria participantes, que trabalhavam com base em normas e processos comuns e que se apresentavam aos clientes como uma rede global, embora cada uma delas fosse autónoma e independente para efeitos do direito da concorrência.

14

Segundo o acordo de concentração, após a sua assinatura, as sociedades KPMG DK deviam anunciar que se retiravam da KPMG International, o mais tardar, a partir de 30 de setembro de 2014, com vista a uma concentração com as sociedades EY. Nos termos do acordo de cooperação, a denúncia deste por uma das partes devia ser precedida de um pré‑aviso de, pelo menos, seis meses antes do encerramento do exercício fiscal da KPMG International.

15

É dado assente entre as partes no processo principal que a concentração em causa não tinha dimensão comunitária, na aceção do Regulamento n.o 139/2004, que devia ser notificada às autoridades dinamarquesas competentes e que a sua realização estava sujeita à autorização prévia dessas autoridades.

16

Após ter assinado o acordo concentração, em 18 de novembro de 2013, as sociedades KPMG DK denunciaram, no mesmo dia, o acordo de cooperação, com efeitos a partir de 30 de setembro de 2014. A denúncia do acordo de cooperação não estava, em si mesma, sujeita à aprovação das autoridades da concorrência.

17

A celebração do acordo de concentração foi tornada pública em 19 de novembro de 2013.

18

Em 20 de novembro de 2013, a KPMG International divulgou a sua intenção de permanecer no mercado dinamarquês e, para esse efeito, criou, em 21 de novembro de 2013, uma nova atividade de auditoria e de revisão de contas na Dinamarca, embora o acordo de cooperação ainda estivesse em vigor.

19

Vários clientes das sociedades KPMG DK decidiram mudar de auditores e revisores e recorreram à KPMG International ou a outros operadores.

20

As sociedades KPMG DK e EY deram início ao processo de pré‑notificação logo que o acordo de concentração foi tornado público, e fizeram os primeiros contactos com as autoridades dinamarquesas em 21 de novembro de 2013.

21

A operação foi notificada à Konkurrence‑ og Forbrugerstyrelsen (Autoridade da Concorrência e dos Consumidores, Dinamarca), em 13 de dezembro de 2013, e a concentração foi autorizada por decisão do Conselho da Concorrência de 28 de maio de 2014, sob reserva de alguns compromissos que deviam ser assumidos pelas partes. Após esta autorização, as sociedades KPMG DK e a KPMG International acordaram pôr termo ao acordo de cooperação a partir de 30 de junho de 2014.

22

Por decisão de 17 de dezembro de 2014 (a seguir «decisão recorrida»), o Conselho da Concorrência declarou que, ao denunciar o acordo de cooperação em 18 de novembro de 2013, em conformidade com o acordo de concentração, isto é, antes de o Conselho da Concorrência ter autorizado a concentração, as sociedades KPMG DK haviam desrespeitado a proibição, prevista pela lei dinamarquesa da concorrência, de realizar uma concentração antes dessa autorização.

23

O Conselho da Concorrência baseia a decisão recorrida numa apreciação de todas as circunstâncias de facto segundo a qual a denúncia do acordo de cooperação é, nomeadamente, própria da concentração, irreversível e suscetível de produzir efeitos no mercado durante o período compreendido entre a própria denúncia e a autorização da concentração. Em particular, o Conselho da Concorrência considerou que não era necessário demonstrar que a referida denúncia estava na origem dos efeitos que se produziram no mercado, visto que o simples facto de poder produzi‑los era suficiente.

24

Em 1 de junho de 2015, a Ernst & Young interpôs no Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial) um recurso de anulação da decisão recorrida, impugnando, nomeadamente, a interpretação que o Conselho da Concorrência fez do alcance da proibição de realizar uma concentração antes da respetiva autorização por aquele conselho, bem como os fundamentos da decisão recorrida e a incidência que a denúncia do acordo de cooperação teve no mercado.

25

A Ernst & Young sublinhou, por outro lado, que a solução do litígio no processo principal terá incidências na questão de uma possível sanção penal, uma vez que, em 11 de junho de 2015, a Autoridade Dinamarquesa da Concorrência e dos Consumidores pediu ao Statsanklageren for Særlig Økonomisk og International Kriminalitet (Procurador do Estado contra a Grande Criminalidade Económica e Internacional, Dinamarca) que se pronunciasse sobre o comportamento das sociedades EY em termos penais.

26

Uma vez que as regras dinamarquesas em matéria de controlo das concentrações se baseiam no Regulamento n.o 139/2004 e que, na decisão recorrida, o Conselho da Concorrência se refere, em substância, à prática decisória da Comissão e à jurisprudência da União, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 suscitava interrogações.

27

Nestas condições, o Sø‑ og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Que critérios devem ser aplicados para determinar se a conduta ou as [medidas adotadas por] uma empresa estão abrangidas pela proibição prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 […] (proibição de realização [antes de autorização]), e [se uma] medida [de] realização, [na aceção desta disposição] pressupõe que a ação, no todo ou em parte, de facto ou de direito, faz parte da efetiva mudança de controlo ou da fusão das atividades já em curso das empresas participantes que — desde que os limiares quantitativos sejam alcançados — dá origem à obrigação de notificação?

2)

Pode a denúncia de um acordo de cooperação, como no caso vertente, anunciada em circunstâncias como as descritas no despacho de reenvio, constituir uma [medida] de realização abrangida pela proibição prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento […] n.o 139/2004 […], e [segundo] que critérios deve [ser apreciada]?

3)

Influi de algum modo na resposta à [segunda] questão […] que a denúncia tenha efetivamente [produzido] efeitos […] relevantes [no mercado] do ponto de vista do direito da concorrência?

4)

Em caso de resposta afirmativa à [terceira] questão […], solicitam‑se esclarecimentos sobre quais os critérios e qual o grau de probabilidade [em função dos quais se deve apreciar], no caso vertente, se a denúncia produziu tais efeitos no mercado, incluindo a importância […] de esses efeitos poderem ser atribuídos a outras causas.»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

28

A Comissão manifestou dúvidas acerca da competência do Tribunal de Justiça para decidir do presente pedido prejudicial, uma vez que o direito da União não é aplicável no litígio do processo principal e a lei aplicável não remete para o direito da União, limitando‑se os trabalhos preparatórios dessa lei a precisar que a mesma deve ser interpretada à luz do Regulamento n.o 139/2004 e da jurisprudência do Tribunal Geral da União Europeia e do Tribunal de Justiça.

29

A este respeito, importa recordar que, de acordo com o artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União Europeia. No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída por esse artigo, compete exclusivamente ao juiz nacional apreciar, atendendo às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de se pronunciar (Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

30

Em aplicação desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça declarou‑se reiteradamente competente para decidir dos pedidos prejudiciais respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos no processo principal saíam do âmbito de aplicação direto do direito da União, mas nas quais as referidas disposições tinham passado a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual era conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções do direito da União. Com efeito, em tais casos, existe um interesse certo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam objeto de interpretação uniforme, quaisquer que sejam as condições em que devam ser aplicados (Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. C‑32/11, n.o 20 e jurisprudência referida).

31

No que diz respeito ao presente pedido de decisão prejudicial, cabe sublinhar que, contrariamente à lei italiana da concorrência em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:775, n.os 23 e 24), a lei dinamarquesa da concorrência não remete diretamente para as disposições de direito da União cuja interpretação é solicitada.

32

Do mesmo modo, ao invés das disposições da lei húngara da concorrência em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 21), a lei dinamarquesa da concorrência não reproduz fielmente as disposições correspondentes do Regulamento n.o 139/2004.

33

Todavia, por um lado, decorre dos autos no Tribunal de Justiça que os trabalhos preparatórios da lei dinamarquesa da concorrência revelam que a intenção do legislador dinamarquês era harmonizar o direito nacional da concorrência em matéria de controlo das concentrações com o da União, uma vez que as disposições nacionais assentam, em substância, no Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, o § 12c, n.o 5, da lei dinamarquesa da concorrência introduz uma proibição de realizar uma operação de concentração antes de esta ser notificada ou autorizada pelas autoridades competentes, proibição em substância idêntica à prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

34

Por outro lado, na sua apreciação das particularidades do processo nele pendente, designadamente dos trabalhos preparatórios da lei nacional aplicável cuja interpretação lhe cabe fazer, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que o direito dinamarquês devia ser interpretado à luz, nomeadamente, da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

35

Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto às três primeiras questões

36

Com as suas primeiras três questões, que convém examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma concentração só é realizada por uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança de controlo da empresa‑alvo. Em especial, procura saber se se pode considerar que a denúncia de um acordo de cooperação, em circunstâncias como as do processo principal, implica a realização de uma concentração e se a questão de saber se essa denúncia produziu efeitos no mercado é pertinente a esse respeito.

37

Para responder a estas questões, cabe recordar que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 se limita a prever que uma concentração não pode ter lugar nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum.

38

Assim, esta disposição não fornece nenhuma indicação sobre as condições em que se considera que uma concentração é realizada, e, em particular, não precisa se a realização de uma concentração pode ter lugar na sequência de uma operação que não contribua para a mudança de controlo da empresa‑alvo.

39

Por conseguinte, o enunciado do referido artigo 7.o não permite, por si só, precisar o alcance da proibição que estabelece.

40

Ora, quando a interpretação literal de uma disposição de direito da União não permite apreciar o seu alcance exato, a regulamentação em causa deve ser interpretada com base quer na sua finalidade quer na sua economia geral (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 20 e jurisprudência referida).

41

Quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 139/2004, resulta, nomeadamente, do seu considerando 5, que este regulamento visa garantir que as reestruturações das empresas não acarretem um prejuízo duradouro para a concorrência. Por conseguinte, o direito da União deve conter normas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último. Para isso, segundo o considerando 6 do referido regulamento, este deve permitir um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 21).

42

É precisamente para garantir a eficácia desse controlo que, como decorre do considerando 34 do Regulamento n.o 139/2004, as empresas estão obrigadas a notificar previamente as suas concentrações e que a realização das concentrações deverá ser suspensa até ser tomada uma decisão final.

43

Ora, há que sublinhar que, para este efeito, o artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento, que proíbe a realização de uma concentração, limita esta proibição às concentrações tal como definidas no artigo 3.o do mesmo regulamento, excluindo deste modo a proibição de todas as operações que não contribuam para a realização de uma concentração.

44

Conclui‑se que para definir o alcance do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004 se deve ter em conta a definição do conceito de concentração que figura no referido artigo 3.o.

45

Ora, nos termos dessa disposição, realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da fusão de duas ou mais empresas, ou partes dessas empresas, ou da aquisição, por uma ou mais pessoas que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas, do controlo direto ou indireto da totalidade ou de partes de uma ou de várias outras empresas, entendendo‑se que o controlo decorre da possibilidade, conferida por direitos, contratos ou outros meios de exercer uma influência determinante sobre uma empresa.

46

Conclui‑se que a realização de uma concentração, na aceção do artigo 7.o, tem lugar desde que as partes numa concentração realizem operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo.

47

Responde assim à exigência de garantir um controlo eficaz das concentrações a circunstância de todas as realizações parciais de uma concentração estarem abrangidas pelo âmbito de aplicação daquele mesmo artigo. Com efeito, se se proibisse às partes numa concentração realizarem‑na através de uma só operação, mas lhes fosse permitido obter o mesmo resultado através de operações parciais sucessivas, reduzir‑se‑ia o efeito útil da proibição imposta pelo artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e colocar‑se‑ia em perigo o caráter prévio do controlo previsto por este regulamento bem como a prossecução dos seus objetivos.

48

Nesta mesma ótica, o considerando 20 do referido regulamento prevê que é adequado considerar como uma única concentração operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos efetuadas num prazo razoavelmente curto.

49

Todavia, se, embora realizadas no âmbito de uma concentração, não forem necessárias para a mudança de controlo de uma empresa objeto da concentração, essas operações não estão abrangidas pelo artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, ainda que possam ser acessórias ou preparatórias da concentração, tais operações não têm nenhuma ligação funcional direta com a sua realização, pelo que não são, em princípio, suscetíveis de afetar a eficácia do controlo das concentrações.

50

A circunstância de as referidas operações poderem produzir efeitos no mercado não é, em si mesma, suficiente para justificar uma interpretação diferente do referido artigo 7.o De facto, por um lado, a apreciação dos efeitos de uma operação no mercado é matéria de fundo do exame da concentração. Ora, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004 aplica‑se independentemente da questão de saber se a concentração é ou não compatível com o mercado comum, uma vez que a sua razão de ser consiste precisamente em garantir um controlo eficaz, por parte da Comissão, de todas as operações de concentração.

51

Por outro lado, não se pode excluir que uma operação que não produz nenhum efeito no mercado possa, contudo, contribuir para a mudança de controlo da empresa‑alvo e, portanto, realize, pelo menos parcialmente, a concentração.

52

Conclui‑se que, à luz dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 139/2004, o artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que proíbe a realização, pelas partes na concentração, de qualquer operação que contribua para mudança duradoura de controlo numa das empresas objeto dessa concentração.

53

Esta interpretação do artigo 7.o inscreve‑se igualmente na economia geral do Regulamento n.o 139/2004.

54

Embora seja verdade que, segundo o considerando 6 deste regulamento, o controlo preventivo das operações de concentração instaurado por este regulamento incide sobre as operações de concentração com efeitos sobre a estrutura da concorrência na União, nada indica que qualquer comportamento das empresas que não produza tais efeitos escape ao controlo da Comissão ou das autoridades nacionais competentes em matéria de concorrência (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 30).

55

Com efeito, o referido regulamento, assim como, em particular, o Regulamento n.o 1/2003, faz parte de um quadro normativo que visa executar os artigos 101.o e 102.o TFUE e estabelecer um sistema de controlo que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno da União (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 31).

56

Como resulta do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, apenas este diploma se aplica às concentrações definidas no seu artigo 3.o, às quais o Regulamento n.o 1/2003 não é, em princípio, aplicável (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 32).

57

Em contrapartida, este último regulamento continua a ser aplicável aos comportamentos das empresas que, sem constituir uma operação de concentração na aceção do Regulamento n.o 139/2004, são contudo suscetíveis de implicar uma coordenação entre elas, contrária ao artigo 101.o TFUE, e que, por isso, são submetidos ao controlo da Comissão ou das autoridades de concorrência nacionais (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 33).

58

Consequentemente, estender o âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 a operações que não contribuem para a realização de uma concentração equivaleria, como sublinha, em substância, o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, não apenas a alargar o âmbito de aplicação deste regulamento, em violação do seu artigo 1.o, mas também a reduzir, de forma correspondente, o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1/2003, que deixaria de se aplicar a essas operações, apesar de estas poderem dar lugar a uma coordenação entre empresas, na aceção do artigo 101.o TFUE.

59

Atendendo às considerações anteriores, cabe concluir que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma concentração só se realiza através de uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança de controlo da empresa‑alvo.

60

Quanto à questão de saber se se pode considerar que a denúncia de um acordo de cooperação, em condições como as que envolvem o processo principal, implica a realização de uma concentração, importa sublinhar que, segundo as circunstâncias descritas no pedido de decisão prejudicial e que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, mesmo que seja objeto de uma ligação condicional com a concentração em causa e possa ser acessória e preparatória dessa concentração, essa denúncia não contribui, enquanto tal, não obstante os efeitos que possa ter produzido no mercado, para a mudança de controlo duradouro da empresa‑alvo.

61

Com efeito, além da circunstância de se tratar de uma operação que só diz respeito a uma das partes na concentração e a um terceiro, a saber, a KPMG International, as sociedades EY não adquiriram através dessa denúncia a possibilidade de exercer qualquer influência nas sociedades KPMG DK, as quais, como decorre dos n.os 12 e 13 do presente acórdão, eram independentes, do ponto de vista do direito da concorrência, tanto antes como depois da referida rescisão.

62

Atendendo às considerações anteriores, cabe responder às três primeiras questões que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma concentração só é realizada por uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança de controlo da empresa‑alvo. Não se pode considerar que a denúncia de um acordo de cooperação, em circunstâncias como as do processo principal, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, implica a realização de uma concentração, e isto independentemente da questão de saber se essa denúncia produz efeitos no mercado.

Quanto à quarta questão

63

Tendo em conta a resposta dada às primeiras três questões, não há que responder à quarta questão.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias»), deve ser interpretado no sentido de que uma concentração só é realizada por uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança de controlo da empresa‑alvo. Não se pode considerar que a denúncia de um acordo de cooperação, em circunstâncias como as do processo principal, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, implica a realização de uma concentração, e isto independentemente da questão de saber se essa denúncia produz efeitos no mercado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.

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