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Document 62019CJ0597

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 17 de junho de 2021.
Mircom International Content Management & Consulting (M.I.C.M.) Limited contra Telenet BVBA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Ondernemingsrechtbank Antwerpen.
Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direitos de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 3.°, n.os 1 e 2 — Conceito de “colocação à disposição do público” — Descarregamento através de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer) de um ficheiro que contém uma obra protegida e concomitante colocação à disposição dos segmentos desse ficheiro para carregamento — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 3.°, n.° 2 — Abuso das medidas, procedimentos e recursos — Artigo 4.° — Pessoas com legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos — Artigo 8.° — Direito de informação — Artigo 13.° — Conceito de “prejuízo” — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea f) — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Licitude do tratamento — Diretiva 2002/58/CE — Artigo 15.°, n.° 1 — Medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações — Direitos fundamentais — Artigos 7.° e 8.°, artigo 17.°, n.° 2, e 47.°, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Processo C-597/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:492

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 3.o, n.os 1 e 2 — Conceito de “colocação à disposição do público” — Descarregamento através de uma rede descentralizada (peertopeer) de um ficheiro que contém uma obra protegida e concomitante colocação à disposição dos segmentos desse ficheiro para carregamento — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 3.o, n.o 2 — Abuso das medidas, procedimentos e recursos — Artigo 4.o — Pessoas com legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos — Artigo 8.o — Direito de informação — Artigo 13.o — Conceito de “prejuízo” — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f) — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Licitude do tratamento — Diretiva 2002/58/CE — Artigo 15.o, n.o 1 — Medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações — Direitos fundamentais — Artigos 7.o e 8.o, artigo 17.o, n.o 2, e 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑597/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Ondernemingsrechtbank Antwerpen (Tribunal das Empresas de Antuérpia, Bélgica), por Decisão de 29 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de agosto de 2019, no processo

Mircom International Content Management & Consulting (M.I.C.M.) Limited

contra

Telenet BVBA,

sendo intervenientes:

Proximus NV,

Scarlet Belgium NV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič (relator), E. Juhász, C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de setembro de 2020,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Mircom International Content Management & Consulting (M.I.C.M.) Limited, por T. Toremans e M. Hügel, advocaten,

em representação da Telenet BVBA, por H. Haouideg, avocat, e S. Debaene, advocaat,

em representação da Proximus NV e da Scarlet Belgium NV, por B. Van Asbroeck, avocat, I. De Moortel e P. Hechtermans, advocaten,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Pucciariello, avvocato dello Stato,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Wilman, H. Kranenborg e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de dezembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), do artigo 3.o, n.o 2, e dos artigos 4.o, 8.o e 13.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45, e retificação no JO 2004, L 195, p. 16), bem como do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva Relativa à Privacidade e às Comunicações Eletrónicas) (JO 2002, L 201, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 11) (a seguir «Diretiva 2002/58»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Mircom International Content Management & Consulting (M.I.C.M.) Limited (a seguir «Mircom»), sociedade de direito cipriota, titular de certos direitos sobre um grande número de filmes pornográficos produzidos por oito empresas sediadas nos Estados Unidos e no Canadá, à Telenet BVBA, sociedade sediada na Bélgica, que fornece nomeadamente serviços de acesso à Internet, a respeito da recusa desta última em fornecer as informações que permitem a identificação dos seus clientes com base em vários milhares de endereços IP recolhidos, por conta da Mircom, por uma sociedade especializada, a partir de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer), em que certos clientes da Telenet, utilizando o protocolo BitTorrent, pretensamente colocaram à disposição filmes que fazem parte do catálogo da Mircom.

Quadro jurídico

Direito da União

Direito de propriedade intelectual

– Diretiva 2001/29

3

Os considerandos 3, 4, 9, 10 e 31 da Diretiva 2001/29 têm a seguinte redação:

«(3)

A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade — incluindo a propriedade intelectual — da liberdade de expressão e do interesse geral.

(4)

Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação […].

[…]

(9)

Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10)

Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os “serviços a pedido”. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

[…]

(31)

Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. […]»

4

Nos termos do artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material»:

«1.   Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2.   Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

[…]

c)

Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes;

[…]

3.   Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

– Diretiva 2004/48

5

Os considerandos 10, 14 e 18 da Diretiva 2004/48 têm a seguinte redação:

«(10)

O objetivo da presente diretiva é aproximar essas legislações a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno.

[…]

(14)

As medidas previstas no n.o 2 do artigo 6.o, no n.o 1 do artigo 8.o e no n.o 2 do artigo 9.o da presente Diretiva deverão ser aplicadas unicamente a atos praticados à escala comercial. Tal não prejudica a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem estas medidas igualmente em relação a outros atos. Os atos praticados à escala comercial são aqueles que têm por finalidade uma vantagem económica ou comercial direta ou indireta, o que, em princípio, exclui os atos praticados por consumidores finais agindo de boa fé.

[…]

(18)

As pessoas com legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos mencionados devem ser não apenas os titulares de direitos, mas também pessoas com um interesse e uma legitimidade diretos, na medida do permitido e nos termos da legislação aplicável, o que pode incluir as organizações profissionais encarregadas da gestão dos direitos ou da defesa dos interesses coletivos e individuais da sua responsabilidade.»

6

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1 e no seu n.o 3, alínea a):

«1.   Sem prejuízo dos meios já previstos ou que possam vir a ser previstos na legislação comunitária ou nacional e desde que esses meios sejam mais favoráveis aos titulares de direitos, as medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva são aplicáveis, nos termos do artigo 3.o, a qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual previstos na legislação comunitária e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.

[…]

3.   A presente diretiva não prejudica:

a)

As disposições comunitárias que regulam o direito material da propriedade intelectual, a Diretiva 95/46/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31)] […]»

7

O capítulo II da Diretiva 2004/48, sob a epígrafe «Medidas, procedimentos e recursos», inclui os seus artigos 3.o a 15.o O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Obrigação geral», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

8

Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/48, sob a epígrafe «Legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos»:

«1.   Os Estados‑Membros reconhecem legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos referidos no presente capítulo, às seguintes pessoas:

a)

Titulares de direitos de propriedade intelectual, nos termos da legislação aplicável,

b)

Todas as outras pessoas autorizadas a utilizar esses direitos, em particular os titulares de licenças, na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma,

c)

Os organismos de gestão dos direitos coletivos de propriedade intelectual regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma,

d)

Os organismos de defesa da profissão regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, na medida do permitido pela legislação aplicável nos termos da mesma.»

9

O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Prova», enuncia, no seu n.o 2:

«Nas mesmas condições e em caso de violação à escala comercial, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir que, se necessário e a pedido de uma das partes, as autoridades judiciais competentes ordenem a apresentação de documentos bancários, financeiros ou comerciais que se encontrem sob o controlo da parte contrária, desde que a proteção das informações confidenciais seja salvaguardada.»

10

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de informação», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual, e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso, as autoridades judiciais competentes possam ordenar que as informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços que violam um direito de propriedade intelectual sejam fornecidas pelo infrator e/ou por qualquer outra pessoa que:

a)

Tenha sido encontrada na posse de bens litigiosos à escala comercial;

b)

Tenha sido encontrada a utilizar serviços litigiosos à escala comercial;

c)

Tenha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades litigiosas;

ou

d)

Tenha sido indicada pela pessoa referida nas alíneas a), b) ou c) como tendo participado na produção, fabrico ou distribuição desses bens ou na prestação desses serviços.

2.   As informações referidas no n.o 1 incluem, se necessário:

a)

Os nomes e endereços dos produtores, fabricantes, distribuidores, fornecedores e outros possuidores anteriores dos bens ou serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;

b)

Informações sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtido pelos bens ou serviços em questão.

3.   Os n.os 1 e 2 são aplicáveis, sem prejuízo de outras disposições legislativas ou regulamentares que:

a)

Confiram ao titular direitos à informação mais extensos;

b)

Regulem a utilização em processos cíveis ou penais das informações comunicadas por força do presente artigo;

c)

Regulem a responsabilidade por abuso do direito à informação;

d)

Confiram a possibilidade de recusar o fornecimento de informações que possa obrigar a pessoa referida no n.o 1 a admitir a sua própria participação ou de familiares próximos na violação de um direito de propriedade intelectual;

ou

e)

Regulem a proteção da confidencialidade das fontes de informação ou o tratamento dos dados pessoais.»

11

Em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48, sob a epígrafe «Medidas provisórias e cautelares»:

«Em caso de infrações à escala comercial, os Estados‑Membros devem assegurar que, se a parte lesada provar a existência de circunstâncias suscetíveis de comprometer a cobrança de indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais competentes possam ordenar a apreensão preventiva dos bens móveis e imóveis do alegado infrator, incluindo o congelamento das suas contas bancárias e outros bens. Para o efeito, as autoridades competentes podem ordenar a comunicação de documentos bancários, financeiros ou comerciais, ou o devido acesso às informações pertinentes.»

12

Nos termos do artigo 13.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Indemnizações por perdas e danos»:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação.

Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:

a)

Devem ter em conta todos os aspetos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator e, se for caso disso, outros elementos para além dos fatores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito; ou

b)

Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.

2.   Quando, sem o saber ou [sem ter] motivos razoáveis para o saber, o infrator tenha desenvolvido uma atividade ilícita, os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser preestabelecidos.»

– Diretiva 2014/26/UE

13

O artigo 39.o da Diretiva 2014/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à gestão coletiva do direito de autor e direitos conexos e à concessão de licenças multiterritoriais de direitos sobre obras musicais para utilização em linha no mercado interno (JO 2014, L 84, p. 72), sob a epígrafe «Notificação das organizações de gestão coletiva», dispõe:

«Até 10 de abril de 2016, os Estados‑Membros devem, com base na informação à sua disposição, comunicar à Comissão, uma lista das organizações de gestão coletiva estabelecidas nos seus territórios.

Os Estados‑Membros devem notificar à Comissão, sem demora injustificada, quaisquer alterações dessa lista.

A Comissão publica esta informação e mantém‑na atualizada.»

Regulamentação relativa à proteção de dados pessoais

– Diretiva 95/46

14

Constante da secção II do capítulo II da Diretiva 95/46, intitulada «Princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», o artigo 7.o, alínea f), da mesma diretiva previa:

«Os Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

[…]

f)

O tratamento for necessário para prosseguir interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou do terceiro ou terceiros a quem os dados sejam comunicados, desde que não prevaleçam os interesses ou os direitos e liberdades fundamentais da pessoa em causa, protegidos ao abrigo do n.o 1 do artigo 1.o»

15

O artigo 8.o, n.o 1 e n.o 2, alínea e), desta diretiva tinha a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros proibirão o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual.

2.   O n.o 1 não se aplica quando:

[…]

e)

O tratamento disser respeito a dados manifestamente tornados públicos pela pessoa em causa ou for necessário à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial.»

16

O artigo 13.o, n.o 1, alínea g), da referida diretiva dispunha:

«Os Estados‑Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos no n.o 1 do artigo 6.o, no artigo 10.o, no n.o 1 do artigo 11.o e nos artigos 12.o e 21.o, sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à proteção:

[…]

g)

De pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem.»

– Regulamento 2016/679

17

O artigo 4.o do Regulamento 2016/679, sob a epígrafe «Definições», precisa, nos seus pontos 1, 2, 9 e 10:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

“Dados pessoais”, informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;

2)

“Tratamento”, uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;

[…]

9)

“Destinatário”, uma pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, agência ou outro organismo que recebem comunicações de dados pessoais, independentemente de se tratar ou não de um terceiro. […]

10)

“Terceiro”, a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, o serviço ou organismo que não seja o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante e as pessoas que, sob a autoridade direta do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, estão autorizadas a tratar os dados pessoais.»

18

O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Licitude do tratamento», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), e segundo parágrafo:

«O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

[…]

f)

O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.

O primeiro parágrafo, alínea f), não se aplica ao tratamento de dados efetuado por autoridades públicas na prossecução das suas atribuições por via eletrónica.»

19

O artigo 9.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Tratamento de categorias especiais de dados pessoais», prevê, no seu n.o 2, alíneas e) e f), que a proibição do tratamento de certos tipos de dados pessoais que revelem, nomeadamente, dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa não se aplica se o tratamento se referir a dados pessoais que tenham sido manifestamente tornados públicos pelo seu titular ou for necessário, nomeadamente, à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial.

20

O artigo 23.o do Regulamento 2016/679, sob a epígrafe «Limitações», dispõe, no seu n.o 1, alíneas i) e j):

«O direito da União ou dos Estados‑Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante pode limitar por medida legislativa o alcance das obrigações e dos direitos previstos nos artigos 12.o a 22.o e no artigo 34.o, bem como no artigo 5.o, na medida em que tais disposições correspondam aos direitos e obrigações previstos nos artigos 12.o a 22.o, desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

[…]

i)

A defesa do titular dos dados ou dos direitos e liberdades de outrem;

j)

A execução de ações cíveis.»

21

Nos termos do artigo 94.o do Regulamento 2016/679, sob a epígrafe «Revogação da Diretiva [95/46]»:

«1.   A Diretiva [95/46] é revogada com efeitos a partir de 25 de maio de 2018.

2.   As remissões para a diretiva revogada são consideradas remissões para presente regulamento. […]»

22

O artigo 95.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Relação com a Diretiva [2002/58]», enuncia:

«O presente regulamento não impõe obrigações suplementares a pessoas singulares ou coletivas no que respeita ao tratamento no contexto da prestação de serviços de comunicações eletrónicas disponíveis nas redes públicas de comunicações na União em matérias que estejam sujeitas a obrigações específicas com o mesmo objetivo estabelecidas na Diretiva [2002/58].»

– Diretiva 2002/58

23

O artigo 1.o da Diretiva 2002/58, sob a epígrafe «Âmbito e objetivos», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A presente diretiva prevê a harmonização das disposições dos Estados‑Membros necessárias para garantir um nível equivalente de proteção dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente o direito à privacidade e à confidencialidade, no que respeita ao tratamento de dados pessoais no setor das comunicações eletrónicas, e para garantir a livre circulação desses dados e de equipamentos e serviços de comunicações eletrónicas na Comunidade.

2.   Para os efeitos do n.o 1, as disposições da presente diretiva especificam e complementam a Diretiva [95/46]. […]»

24

O artigo 2.o da Diretiva 2002/58, sob a epígrafe «Definições», contém, no seu segundo parágrafo, alínea b), a seguinte disposição:

«São também aplicáveis as seguintes definições:

[…]

b)

“Dados de tráfego” são quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas ou para efeitos da faturação da mesma.»

25

O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Confidencialidade das comunicações», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros garantirão, através da sua legislação nacional, a confidencialidade das comunicações e respetivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis. Proibirão, nomeadamente, a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outras formas de interceção ou vigilância de comunicações e dos respetivos dados de tráfego por pessoas que não os utilizadores, sem o consentimento dos utilizadores em causa, exceto quando legalmente autorizados a fazê‑lo, de acordo com o disposto no n.o 1 do artigo 15.o O presente número não impede o armazenamento técnico que é necessário para o envio de uma comunicação, sem prejuízo do princípio da confidencialidade.

2.   O n.o 1 não se aplica às gravações legalmente autorizadas de comunicações e dos respetivos dados de tráfego, quando realizadas no âmbito de práticas comerciais lícitas para o efeito de constituir prova de uma transação comercial ou de outra comunicação de negócios.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que o armazenamento de informações ou a possibilidade de acesso a informações já armazenadas no equipamento terminal de um assinante ou utilizador só sejam permitidos se este tiver dado o seu consentimento prévio com base em informações claras e completas, nos termos da Diretiva [95/46], nomeadamente sobre os objetivos do processamento. Tal não impede o armazenamento técnico ou o acesso que tenha como única finalidade efetuar a transmissão de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas, ou que seja estritamente necessário ao fornecedor para fornecer um serviço da sociedade da informação que tenha sido expressamente solicitado pelo assinante ou pelo utilizador.»

26

O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Dados de tráfego», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do presente artigo e no n.o 1 do artigo 15.o, os dados de tráfego relativos a assinantes e utilizadores tratados e armazenados pelo fornecedor de uma rede pública de comunicações ou de um serviço de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis devem ser eliminados ou tornados anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação.

2.   Podem ser tratados dados de tráfego necessários para efeitos de faturação dos assinantes e de pagamento de interligações. O referido tratamento é lícito apenas até final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.

3.   Para efeitos de comercialização dos serviços de comunicações eletrónicas ou para a prestação de serviços de valor acrescentado, o prestador de um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público pode tratar os dados referidos no n.o 1 na medida do necessário e pelo tempo necessário para a prestação desses serviços ou essa comercialização, se o assinante ou utilizador a quem os dados dizem respeito tiver dado o seu consentimento prévio. Deve ser dada a possibilidade aos utilizadores ou assinantes de retirarem a qualquer momento o seu consentimento para o tratamento dos dados de tráfego.

4.   O prestador de serviços informará o assinante ou utilizador dos tipos de dados de tráfego que são tratados e da duração desse tratamento para os fins mencionados no n.o 2 e, antes de obtido o consentimento, para os fins mencionados no n.o 3.

5.   O tratamento de dados de tráfego, em conformidade com o disposto nos n.os 1 a 4, será limitado ao pessoal que trabalha para os fornecedores de redes públicas de comunicações ou de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis encarregado da faturação ou da gestão do tráfego, das informações a clientes, da deteção de fraudes, da comercialização dos serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis, ou da prestação de um serviço de valor acrescentado, devendo ser limitado ao necessário para efeitos das referidas atividades.

6.   Os n.os 1, 2, 3 e 5 são aplicáveis sem prejuízo da possibilidade de os organismos competentes serem informados dos dados de tráfego, nos termos da legislação aplicável, com vista à resolução de litígios, em especial os litígios relativos a interligações ou à faturação.»

27

O artigo 15.o da Diretiva 2002/58, sob a epígrafe «Aplicação de determinadas disposições da Diretiva [95/46]», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros podem adotar medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.o e 6.o, nos n.os 1 a 4 do artigo 8.o e no artigo 9.o da presente diretiva sempre que essas restrições constituam uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança nacional (ou seja, a segurança do Estado), a defesa, a segurança pública, e a prevenção, a investigação, a deteção e a repressão de infrações penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações eletrónicas, tal como referido no n.o 1 do artigo 13.o da Diretiva [95/46]. Para o efeito, os Estados‑Membros podem designadamente adotar medidas legislativas prevendo que os dados sejam conservados durante um período limitado, pelas razões enunciadas no presente número. Todas as medidas referidas no presente número deverão ser conformes com os princípios gerais do direito comunitário, incluindo os mencionados nos n.os 1 e 2 do artigo 6.o [TUE].»

Direito belga

28

Ao abrigo do artigo XI.165, n.o 1, quarto parágrafo, do Wetboek Economisch Recht (Código do Direito Económico), só o autor de uma obra literária ou artística tem o direito de a comunicar ao público por qualquer meio, incluindo através da sua colocação à disposição do público por forma a torná‑la acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

29

Em 6 de junho de 2019, a Mircom intentou uma ação no Ondernemingsrechtbank Antwerpen (Tribunal das Empresas de Antuérpia, Bélgica), pedindo, nomeadamente, que fosse ordenado à Telenet que apresentasse os dados de identificação dos seus clientes, cujas ligações Internet tinham sido utilizadas para partilhar, numa rede descentralizada (peer‑to‑peer) com recurso ao protocolo BitTorrent, filmes que faziam parte do catálogo da Mircom.

30

Com efeito, a Mircom afirma possuir milhares de endereços IP dinâmicos, registados por sua conta, através do software FileWatchBT, pela Media Protetor GmbH, uma sociedade com sede na Alemanha, no momento da ligação desses clientes da Telenet com recurso a um software de partilha cliente‑BitTorrent.

31

A Telenet, apoiada por dois outros fornecedores de acesso à Internet com sede na Bélgica, a Proximus NV e a Scarlet Belgium NV, contesta a ação da Mircom.

32

Em primeiro lugar, tendo em conta o Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein (C‑610/15, EU:C:2017:456), que dizia respeito à comunicação ao público, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, pelos administradores de uma plataforma de partilha na Internet no âmbito de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa comunicação ao público pode ser efetuada por utilizadores individuais dessa rede, denominados «downloaders», que, ao descarregarem segmentos de um ficheiro digital contendo uma obra protegida pelo direito de autor, colocam simultaneamente esses segmentos à disposição para serem carregados por outros utilizadores. Com efeito, esses utilizadores, que pertencem a um grupo de pessoas que fazem descarregamentos, denominado «swarm», tornam‑se eles próprios seeders dos referidos segmentos, à semelhança do seeder inicial não determinado, que está na origem da primeira colocação à disposição desse ficheiro nessa rede.

33

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa, por um lado, que os segmentos não são simples fragmentos do ficheiro originário, mas ficheiros encriptados autónomos, inutilizáveis em si mesmos, e, por outro, que, devido à maneira como funciona a tecnologia BitTorrent, o carregamento dos segmentos de um ficheiro, denominado «seeding», ocorre, em princípio, automaticamente, característica que só pode ser eliminada por certos programas.

34

No entanto, a Mircom alega que também há que ter em conta os descarregamentos de segmentos que representam, conjuntamente, uma fração de pelo menos 20 % do respetivo ficheiro multimédia, uma vez que, a partir dessa percentagem, se torna possível ter uma visão geral desse ficheiro, ainda que de forma fragmentada e de qualidade altamente incerta.

35

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio duvida de que uma empresa, como a Mircom, possa beneficiar da proteção conferida pela Diretiva 2004/48, uma vez que não utiliza efetivamente os direitos cedidos pelos autores dos filmes em causa, mas se limita a cobrar indemnizações a pretensos infratores, sendo este modelo semelhante à definição de «troll do direito de autor» (copyright troll).

36

Em terceiro lugar, coloca‑se igualmente a questão da licitude da forma como os endereços IP foram recolhidos pela Mircom, à luz do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679.

37

Foi nestas condições que o Ondernemingsrechtbank Antwerpen (Tribunal das Empresas de Antuérpia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Podem o download de um ficheiro através de uma rede descentralizada (peertopeer) e, ao mesmo tempo, a colocação à disposição para o upload (“seeden”) dos segmentos […] desse ficheiro (por vezes de forma bastante fragmentada em relação ao ficheiro completo), ser considerados uma comunicação ao público na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, ainda que tais segmentos individuais sejam, em si, inutilizáveis?

Em caso afirmativo,

b)

existe um limiar mínimo para que a colocação à disposição (seeding) para o upload destes segmentos […] possa constituir uma comunicação ao público?

c)

é relevante o facto de a colocação à disposição (seeding) poder ocorrer de forma automática (devido às configurações do cliente de torrent) e, consequentemente, de forma involuntária por parte do utilizador?

2)

a)

Pode a pessoa que seja titular contratual dos direitos de autor (ou direitos conexos) mas que não explora os direitos e apenas cobra indemnizações a alegados infratores — e cujo sustento económico depende, portanto, da existência da pirataria e não de luta contra a pirataria — invocar os mesmos direitos que os conferidos pelo capítulo II da Diretiva 2004/48 aos autores ou detentores de licença que exploram os direitos de autor da forma habitual?

b)

De que forma é que, neste caso, o detentor da licença pode ter sofrido “prejuízo” (na aceção do artigo 13.o da Diretiva 2004/48) em razão da infração?

3)

As circunstâncias concretas descritas nas questões 1 e 2 são relevantes para efeitos da ponderação do justo equilíbrio entre, por um lado, a proteção dos direitos de propriedade intelectual e, por outro, os direitos e liberdades consagrados na [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], como o respeito pela vida privada e a proteção dos dados pessoais, em especial no âmbito da análise da proporcionalidade?

4)

Pode considerar‑se que, em todas estas circunstâncias, o registo automático e o tratamento geral dos endereços IP de um conjunto de seeders (swarm) (pelo próprio detentor da licença ou por um terceiro a mando daquele) [são justificados] nos termos do Regulamento [2016/679], designadamente do seu artigo 6.o, n.o 1, [primeiro parágrafo,] alínea f)?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

38

A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 31 e jurisprudência referida).

39

Para este efeito, o Tribunal de Justiça pode extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 32 e jurisprudência referida).

40

No caso em apreço, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o conceito de «comunicação ao público», referido no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, abrange a partilha, numa rede descentralizada (peer‑to‑peer), de segmentos por vezes de forma bastante fragmentada de um ficheiro multimédia que contém uma obra protegida. No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, na medida em que, no processo principal, estão em causa os direitos de produtores de filmes, afigura‑se que, no caso em apreço, é sobretudo o artigo 3.o, n.o 2, alínea c), dessa diretiva que pode ser aplicável.

41

Neste contexto, não tendo o legislador da União expressado uma vontade diferente, a expressão «colocação à disposição do público», utilizada no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 como forma do direito exclusivo dos autores de autorizarem ou proibirem qualquer «comunicação ao público», e a expressão idêntica que figura no artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, que designa um direito exclusivo pertencente aos titulares dos direitos conexos, devem ser interpretadas no sentido de que têm o mesmo significado (v., por analogia, Acórdão de 2 de abril de 2020, Stim e SAMI, C‑753/18, EU:C:2020:268, n.o 28 e jurisprudência referida).

42

Tendo em conta estas considerações, há que reformular a primeira questão no sentido de que, com esta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma colocação à disposição do público, na aceção dessa disposição, o carregamento, a partir do equipamento terminal de um utilizador de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer) para os equipamentos terminais de outros utilizadores dessa rede, dos segmentos, previamente descarregados pelo referido utilizador, de um ficheiro multimédia que contém uma obra protegida, ainda que esses segmentos só sejam utilizáveis, em si mesmos, a partir de uma certa percentagem de descarregamento e que, devido às configurações do software de partilha cliente‑BitTorrent, esse carregamento seja automaticamente gerado por esse software.

43

Antes de mais, há que observar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 48 das suas conclusões, os referidos segmentos não são partes de obras, mas partes dos ficheiros que contêm essas obras, que servem para a transmissão desses ficheiros segundo o protocolo BitTorrent. Assim, o facto de os segmentos que são transmitidos serem inutilizáveis em si mesmos é irrelevante, pois o que é colocado à disposição é o ficheiro que contém a obra, ou seja, a obra em formato digital.

44

A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 49 das suas conclusões, o funcionamento das redes descentralizadas (peer‑to‑peer) não difere, em substância, do da Internet em geral ou, mais precisamente, do da rede (World Wide Web), em que os ficheiros que contêm uma obra estão divididos em pequenos pacotes de dados, que são enviados entre o servidor e o cliente numa ordem aleatória e por diferentes vias.

45

No caso em apreço, como resulta da decisão de reenvio, qualquer utilizador da rede descentralizada (peer‑to‑peer) pode facilmente reconstituir o ficheiro originário a partir de segmentos disponíveis nos computadores dos utilizadores que fazem parte do mesmo swarm. O facto de um utilizador não conseguir, individualmente, descarregar o ficheiro originário integral não impede que coloque à disposição dos seus pares (peers) os segmentos desse ficheiro que conseguiu descarregar para o seu computador e que contribua assim para criar uma situação em que, no final, todos os utilizadores que fazem parte do swarm têm acesso ao ficheiro integral.

46

Para demonstrar que, nessa situação, há «colocação à disposição», na aceção do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29, não é necessário provar que o utilizador em causa descarregou previamente um número de segmentos que representa um limiar mínimo.

47

Com efeito, para que haja um «ato de comunicação» e, por conseguinte, um ato de colocação à disposição, basta, em última análise, que uma obra seja posta à disposição do público de modo que as pessoas que o compõem possam ter acesso a ela, a partir do local e no momento por elas escolhido, sem que seja determinante que utilizem ou não essa possibilidade (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 20). O conceito de «ato de comunicação» visa, a este respeito, qualquer transmissão de obras protegidas, independentemente do meio ou do procedimento técnico utilizado (Acórdão de 29 de novembro de 2017, VCAST, C‑265/16, EU:C:2017:913, n.o 42 e jurisprudência referida).

48

Por conseguinte, qualquer ato pelo qual um utilizador dá, com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento, acesso a obras ou a outros objetos protegidos é suscetível de constituir um ato de colocação à disposição para efeitos do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29 (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2021, VG Bild‑Kunst, C‑392/19, EU:C:2021:181, n.o 30 e jurisprudência referida).

49

No caso em apreço, afigura‑se que qualquer utilizador da rede descentralizada (peer‑to‑peer) em causa que não desativou a função de carregamento do software de partilha cliente‑BitTorrent carrega para essa rede os segmentos dos ficheiros multimédia que previamente descarregou para o seu computador. Desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, os utilizadores em causa dessa rede tenham subscrito esse software dando o seu consentimento à aplicação do mesmo depois de terem sido devidamente informados das suas características, deve considerar‑se que esses utilizadores agem com pleno conhecimento do seu comportamento e das consequências que este pode ter. Com efeito, uma vez demonstrado que os referidos utilizadores subscreveram ativamente esse software, o caráter intencional do seu comportamento não é de modo algum infirmado pelo facto de o carregamento ser automaticamente gerado por esse software.

50

Embora resulte das considerações precedentes que, sem prejuízo de verificações factuais que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, o comportamento dos utilizadores em causa é suscetível de constituir um ato de colocação à disposição de uma obra ou de outro objeto protegido, importa, em seguida, examinar se esse comportamento constitui uma colocação à disposição «do público» na aceção do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29.

51

A este respeito, há que recordar que, para serem abrangidas pelo conceito de «colocação à disposição do público» na aceção desta disposição, é necessário que as obras ou os outros objetos protegidos sejam efetivamente colocados à disposição de um público, visando a referida colocação à disposição um número indeterminado de destinatários potenciais e implicando um número considerável de pessoas. Por outro lado, é necessário que essa colocação à disposição seja efetuada segundo uma técnica específica, diferente das utilizadas até então ou, na sua falta, junto de um público novo, isto é, um público que não tenha sido tomado em consideração pelo titular do direito de autor ou direitos conexos quando autorizou a colocação à disposição do público inicial da sua obra ou de outros objetos protegidos (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2021, VG Bild‑Kunst, C‑392/19, EU:C:2021:181, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

52

No que respeita às redes descentralizadas (peer‑to‑peer), o Tribunal de Justiça já declarou que a colocação à disposição e a gestão, na Internet, de uma plataforma de partilha que, através da indexação de metainformação relativa a obras protegidas e da disponibilização de um motor de busca, permite aos utilizadores dessa plataforma localizar essas obras e partilhá‑las no âmbito de uma rede constitui uma comunicação ao público, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 48).

53

No caso em apreço, como observou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 37 e 61 das suas conclusões, os computadores desses utilizadores que partilham o mesmo ficheiro constituem a rede descentralizada (peer‑to‑peer) propriamente dita, denominada «swarm», na qual desempenham o mesmo papel que os servidores no funcionamento da Rede (World Wide Web).

54

É pacífico que essa rede é utilizada por um número considerável de pessoas, como resulta, aliás, do elevado número de endereços IP registados pela Mircom. Além disso, esses utilizadores podem aceder, em qualquer momento e simultaneamente, às obras protegidas que são partilhadas através da referida plataforma.

55

Por conseguinte, essa colocação à disposição visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica um número considerável de pessoas.

56

Por outro lado, dado que, no caso em apreço, se trata de obras publicadas sem a autorização dos titulares dos direitos, há que considerar igualmente que há colocação à disposição de um público novo (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 45 e jurisprudência referida).

57

Em todo o caso, mesmo que se verificasse que uma obra foi previamente publicada num sítio Internet, sem medidas de restrição que impeçam o seu descarregamento e com a autorização do titular do direito de autor ou dos direitos conexos, o facto de, através de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer), utilizadores como os que estão em causa no processo principal terem descarregado segmentos do ficheiro que contém essa obra num servidor privado, seguido de uma colocação à disposição através do carregamento desses segmentos nessa mesma rede, significa que esses utilizadores tiveram um papel decisivo na colocação à disposição da referida obra a um público que não foi tido em conta pelo titular de direitos de autor ou direitos conexos sobre esta quando autorizou a comunicação inicial (v., por analogia, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.os 46 e 47).

58

Admitir essa colocação à disposição através do carregamento de uma obra, sem que o titular do direito de autor ou dos direitos conexos dessa obra pudesse invocar os direitos previstos no artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29, violaria o justo equilíbrio, referido nos considerandos 3 e 31 desta diretiva, que há que manter, no ambiente digital, entre, por um lado, o interesse dos titulares do direito de autor e dos direitos conexos na proteção da sua propriedade intelectual, garantida no artigo 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais (a seguir «Carta»), e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, em especial a proteção da sua liberdade de expressão e de informação, garantida no artigo 11.o da Carta, bem como a proteção do interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2021, VG Bild‑Kunst, C‑392/19, EU:C:2021:181, n.o 54 e jurisprudência referida). Por outro lado, a violação desse equilíbrio prejudicaria o objetivo principal da Diretiva 2001/29, que consiste, como resulta dos seus considerandos 4, 9 e 10, em instituir um elevado nível de proteção dos titulares de direitos, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização das suas obras ou de outros objetos protegidos, nomeadamente por ocasião de uma colocação à disposição do público.

59

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma colocação à disposição do público na aceção dessa disposição o carregamento, a partir do equipamento terminal de um utilizador de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer) para os equipamentos terminais de outros utilizadores dessa rede, dos segmentos, previamente descarregados pelo referido utilizador, de um ficheiro multimédia que contém uma obra protegida, ainda que esses segmentos individuais só sejam utilizáveis, em si mesmos, a partir de uma certa percentagem de descarregamento. Não é pertinente o facto de, devido às configurações do software de partilha cliente‑BitTorrent, esse carregamento ser automaticamente gerado por esse software, quando o utilizador subscreveu esse software, a partir do equipamento terminal do qual se produz o referido carregamento, dando o seu consentimento à aplicação do mesmo depois de ter sido devidamente informado das suas características.

Quanto à segunda questão

60

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2004/48 deve ser interpretada no sentido de que uma pessoa que seja titular contratual de certos direitos de propriedade intelectual que, no entanto, não utiliza ela própria, mas se limita a cobrar indemnizações por perdas e danos a pretensos infratores, pode beneficiar das medidas, procedimentos e recursos previstos no capítulo II desta diretiva.

61

Esta questão deve ser entendida no sentido de que abrange três partes, a saber, em primeiro lugar, a relativa à legitimidade ativa de uma pessoa como a Mircom para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos previstos no capítulo II da Diretiva 2004/48, em segundo lugar, a relativa à questão de saber se essa pessoa pode ter sofrido um prejuízo na aceção do artigo 13.o desta diretiva e, em terceiro lugar, a relativa à admissibilidade do seu pedido de informação, ao abrigo do artigo 8.o da referida diretiva, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 2, da mesma.

62

Quanto à primeira parte, relativa à legitimidade ativa da Mircom, importa recordar que a pessoa que pede a aplicação das medidas, dos procedimentos e dos recursos previstos no capítulo II da Diretiva 2004/48 deve estar abrangida por uma das quatro categorias de pessoas ou de organismos enumerados no artigo 4.o, alíneas a) a d), da mesma.

63

Estas categorias incluem, em primeiro lugar, os titulares de direitos de propriedade intelectual, em segundo lugar, todas as outras pessoas autorizadas a utilizar esses direitos, em particular os titulares de licenças, em terceiro lugar, os organismos de gestão dos direitos coletivos de propriedade intelectual regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, e, em quarto lugar, os organismos de defesa da profissão regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual.

64

No entanto, diferentemente dos titulares de direitos de propriedade intelectual referidos no artigo 4.o, alínea a), da Diretiva 2004/48, em conformidade com o considerando 18 desta diretiva, as três categorias de pessoas referidas no artigo 4.o, alíneas b) a d), da mesma diretiva devem ter, além disso, um interesse direto na defesa desses direitos e legitimidade para intentar uma ação judicial, na medida do permitido e nos termos da legislação aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, SNB‑REACT, C‑521/17, EU:C:2018:639, n.o 39).

65

No caso em apreço, importa afastar, desde já, a possibilidade de a Mircom ser um organismo de gestão dos direitos coletivos de propriedade intelectual ou um organismo de defesa da profissão na aceção do artigo 4.o, alíneas c) e d), da Diretiva 2004/48. Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 92 e 93 das suas conclusões, a Mircom não tem, como, aliás, ela própria afirma, por missão gerir os direitos de autor e os direitos conexos dos seus cocontratantes ou assegurar a defesa profissional destes últimos, mas procura apenas obter a indemnização dos prejuízos resultantes da violação dos referidos direitos.

66

Neste contexto, importa salientar que a atividade dos referidos organismos é harmonizada, na União, pela Diretiva 2014/26. Ora, o nome da Mircom não consta da lista das organizações de gestão coletiva publicada pela Comissão Europeia em conformidade com o artigo 39.o desta diretiva.

67

No que respeita à qualidade de titular de direitos de propriedade intelectual na aceção do artigo 4.o, alínea a), da Diretiva 2004/48, uma vez que esta disposição não exige que esse titular utilize efetivamente os seus direitos de propriedade intelectual, este não pode ser excluído do âmbito de aplicação desta disposição pela não utilização desses direitos.

68

A este respeito, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio qualifica a Mircom como uma pessoa titular contratual de direitos de autor ou direitos conexos. Nestas condições, deve ser‑lhe reconhecido o benefício das medidas, dos procedimentos e dos recursos previsto pela Diretiva 2004/48, não obstante o facto de não utilizar esses direitos.

69

Uma sociedade como a Mircom poderia, por outro lado, ser considerada, em todo o caso, outra pessoa autorizada a utilizar os direitos de propriedade intelectual na aceção do artigo 4.o, alínea b), desta diretiva, sendo certo que essa autorização também não pressupõe uma utilização efetiva dos direitos cedidos. O facto de ser qualificado de «outra pessoa» na aceção deste artigo 4.o, alínea b), deve, no entanto, como recordado no n.o 64 do presente acórdão, ser verificado em conformidade com as disposições da legislação aplicável e esta referência deve ser entendida, à luz do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva, no sentido de que se refere tanto à legislação nacional pertinente como, sendo caso disso, à legislação da União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, SNB‑REACT, C‑521/17, EU:C:2018:639, n.o 31).

70

A segunda parte da segunda questão diz respeito, em especial, ao facto de, no caso em apreço, a Mircom não utilizar e não parecer ter nenhuma intenção de utilizar os direitos adquiridos sobre as obras em causa no processo principal. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta não utilização dos direitos cedidos lança dúvidas quanto à possibilidade de essa pessoa sofrer um prejuízo na aceção do artigo 13.o da Diretiva 2004/48.

71

Com efeito, esta questão diz respeito à identidade efetiva da parte lesada que sofreu, no caso em apreço, um prejuízo na aceção do artigo 13.o desta diretiva devido à violação dos direitos de propriedade intelectual, a saber, se o prejuízo em questão foi sofrido pela Mircom ou pelos produtores dos filmes em causa.

72

É certo que os titulares de direitos de propriedade intelectual referidos no artigo 4.o, alínea a), da Diretiva 2004/48 e as pessoas autorizadas a utilizar esses direitos referidas no artigo 4.o, alínea b), desta diretiva podem, em princípio, ser lesadas pelas atividades ilícitas, na medida em que, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 70 das suas conclusões, essas atividades podem obstar à utilização normal dos referidos direitos ou diminuir as respetivas receitas. No entanto, é igualmente possível que uma pessoa, embora possuindo direitos de propriedade intelectual, se limite, com efeito, a cobrar em seu próprio nome e por sua própria conta as indemnizações por perdas e danos a título de créditos que lhe foram cedidos por outros titulares de direitos de propriedade intelectual.

73

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que a Mircom se limita a agir, perante ele, enquanto cessionária, que fornece aos produtores de filmes em causa um serviço de cobrança de créditos indemnizatórios.

74

Ora, importa considerar que o facto de uma pessoa referida no artigo 4.o da Diretiva 2004/48 se limitar a intentar uma ação desse tipo enquanto cessionária não é suscetível de a excluir do benefício das medidas, dos procedimentos e dos recursos previstos no capítulo II desta diretiva.

75

Com efeito, tal exclusão é contrária ao objetivo geral da Diretiva 2004/48 que é, como resulta do seu considerando 10, nomeadamente, assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2017, NEW WAVE CZ, C‑427/15, EU:C:2017:18, n.o 23).

76

A este respeito, importa salientar que uma cessão de créditos não pode, em si mesma, afetar a natureza dos direitos que foram violados, no caso em apreço, os direitos de propriedade intelectual dos produtores de filmes em causa, nomeadamente no sentido de que teria incidência na determinação do órgão jurisdicional competente ou noutros elementos de natureza processual, como a possibilidade de requerer medidas, procedimentos e recursos na aceção do capítulo II da Diretiva 2004/48 (v., por analogia, Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

77

Por conseguinte, se um titular de direitos de propriedade intelectual optasse por externalizar a cobrança das indemnizações por perdas e danos a uma empresa especializada através de uma cessão de créditos ou de outro ato jurídico, não deveria sofrer um tratamento menos favorável do que o sofrido por outro titular de tais direitos que optasse por reclamar esses direitos pessoalmente. Com efeito, esse tratamento prejudicaria a atratividade dessa externalização do ponto de vista económico e acabaria por privar os titulares de direitos de propriedade intelectual dessa possibilidade, que é, aliás, extensiva a diferentes domínios do direito, como o da proteção dos passageiros aéreos prevista no Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

78

Quanto à terceira parte da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em substância, quanto à admissibilidade do pedido de informação da Mircom, apresentado ao abrigo do artigo 8.o da Diretiva 2004/48, uma vez que esta sociedade não utiliza seriamente os direitos que adquiriu dos produtores de filmes em causa no processo principal. Além disso, importa compreender que, ao invocar a possibilidade de qualificar a Mircom de «troll do direito de autor» (copyright troll), o órgão jurisdicional de reenvio suscita, em substância, a questão da existência de um eventual abuso de direito por parte da Mircom.

79

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio parece duvidar do facto de a Mircom ter a intenção de intentar uma ação de indemnização, uma vez que existem indícios fortes de que, geralmente, se limita a propor uma resolução amigável com o único objetivo de obter uma indemnização fixa de 500 euros. Ora, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, um pedido de informação deve ser formulado no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual.

80

À semelhança do que salientou o advogado‑geral no n.o 113 das suas conclusões, há que observar, a este respeito, que a tentativa de uma resolução amigável é, frequentemente, prévia à instauração da ação de indemnização propriamente dita. Por conseguinte, não se pode considerar que, no contexto do sistema de proteção da propriedade intelectual instituído pela Diretiva 2004/48, esta prática seja proibida.

81

O Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de se aplica a uma situação em que, depois do termo definitivo do processo que declarou a violação a um direito de propriedade intelectual, o autor pede, num processo autónomo, informações sobre a origem e as redes de distribuição das mercadorias ou dos serviços que infringem esse direito (Acórdão de 18 de janeiro de 2017, NEW WAVE CZ, C‑427/15, EU:C:2017:18, n.o 28).

82

Há que aplicar o mesmo raciocínio no que respeita a um processo autónomo que precede a ação de indemnização, como o que está em causa no processo principal, no qual, ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/48, um requerente pede a um fornecedor de acesso à Internet, como a Telenet, que se constatou que prestava, à escala comercial, serviços utilizados em atividades ilícitas, as informações que permitem a identificação dos seus clientes com vista, precisamente, a poder utilmente intentar uma ação judicial contra os alegados infratores.

83

Com efeito, o direito de informação, previsto no referido artigo 8.o, visa tornar aplicável e concretizar o direito fundamental a um recurso efetivo garantido no artigo 47.o da Carta e, desse modo, assegurar o exercício efetivo do direito fundamental de propriedade, de que faz parte o direito de propriedade intelectual protegido no artigo 17.o, n.o 2, da mesma, ao permitir ao titular de um direito de propriedade intelectual identificar quem viola esse direito e tomar as medidas necessárias para proteger esse direito (Acórdão de 9 de julho de 2020, Constantin Film Verleih, C‑264/19, EU:C:2020:542, n.o 35).

84

Por conseguinte, há que concluir que um pedido de informação como o da Mircom, formulado numa fase pré‑contenciosa, não pode, por esse simples facto, ser considerado inadmissível.

85

Em segundo lugar, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, esse pedido deve ser justificado e proporcionado.

86

Impõe‑se concluir, tendo em conta as considerações feitas nos n.os 70 a 77 do presente acórdão, que pode ser esse o caso quando o pedido a que se refere esse artigo 8.o, n.o 1, é apresentado por uma sociedade contratualmente habilitada para esse efeito por produtores de filmes. Compete, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o pedido, tal como concretamente formulado por essa sociedade, é procedente.

87

Em terceiro lugar, referindo‑se à expressão «quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator» utilizada no artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/48, bem como à condição exigida no artigo 6.o, n.o 2, no artigo 8.o, n.o 1, e no artigo 9.o, n.o 2, da mesma diretiva, segundo a qual as infrações devem ser cometidas à escala comercial, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o legislador da União teve aqui em vista, sobretudo, a situação que exige uma atuação estrutural contra a difusão da contrafação no mercado e não a luta contra os infratores individuais.

88

A este respeito, importa salientar, por um lado, que, em conformidade com o considerando 14 da Diretiva 2004/48, a condição segundo a qual as violações devem ser cometidas à escala comercial só se deve aplicar às medidas relativas aos elementos de prova previstas no artigo 6.o desta diretiva, às medidas relativas ao direito de informação previstas no artigo 8.o da mesma diretiva e às medidas provisórias e cautelares previstas no artigo 9.o da referida diretiva, sem prejuízo da possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem igualmente essas medidas a atos que não sejam perpetrados à escala comercial.

89

Ora, esta condição não se aplica aos pedidos de indemnizações por perdas e danos da parte lesada contra um infrator a que se refere o artigo 13.o da Diretiva 2004/48. Por conseguinte, ao abrigo desta disposição, pode ser ordenado aos infratores individuais que paguem ao titular dos direitos de propriedade intelectual uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação dos seus direitos, desde que tenham cometido a atividade ilícita sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber.

90

Além disso, no âmbito de um pedido de informação ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, a condição segundo a qual as violações devem ser cometidas num contexto comercial pode verificar‑se, nomeadamente, quando uma pessoa que não o alegado infrator «[t]enha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades litigiosas».

91

No caso em apreço, o pedido de informação da Mircom é, como se concluiu no n.o 82 do presente acórdão, dirigido contra um fornecedor de acesso à Internet, que foi encontrado a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades ilícitas.

92

Por conseguinte, no litígio no processo principal, o pedido da Mircom contra a Telenet, que presta, à escala comercial, serviços utilizados em atividades ilícitas, parece satisfazer a condição recordada no n.o 90 do presente acórdão.

93

Por outro lado, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em todo o caso, se existe um abuso da parte da Mircom das medidas, procedimentos e recursos na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2004/48, bem como, se for caso disso, indeferir o pedido apresentado por essa sociedade.

94

Com efeito, o artigo 3.o da Diretiva 2004/48 impõe uma obrigação geral de garantir, nomeadamente, que as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos por esta diretiva, entre os quais o direito de informação previsto no artigo 8.o da mesma, sejam justos e equitativos, bem como aplicados por forma a prever salvaguardas contra os abusos.

95

Ora, a eventual declaração de tal abuso enquadra‑se perfeitamente na apreciação dos factos do processo principal e, portanto, na competência do órgão jurisdicional de reenvio. Este pode, nomeadamente, para esse efeito, examinar o modo de atuação da Mircom, avaliando a forma como esta propõe soluções amigáveis aos alegados infratores e verificando se intentou realmente ações judiciais em caso de recusa de solução amigável. Pode igualmente examinar se se afigura, à luz de todas as circunstâncias particulares do caso em apreço, que a Mircom tenta, na realidade, a pretexto de propostas de soluções amigáveis devido a pretensas infrações, obter receitas económicas da própria inscrição dos utilizadores em questão numa rede descentralizada (peer‑to‑peer) como a que está em causa, sem procurar especificamente combater as violações dos direitos de autor que essa rede provoca.

96

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que a Diretiva 2004/48 deve ser interpretada no sentido de que uma pessoa que seja titular contratual de certos direitos de propriedade intelectual que, no entanto, não utiliza ela própria, mas se limita a cobrar indemnizações por perdas e danos a pretensos infratores, pode beneficiar, em princípio, das medidas, procedimentos e recursos previstos no capítulo II desta diretiva, a menos que seja demonstrado, ao abrigo da obrigação geral prevista no seu artigo 3.o, n.o 2, da mesma diretiva e com base num exame global e circunstanciado, que o seu pedido é abusivo. Em especial, um pedido de informação baseado no artigo 8.o da referida diretiva deve igualmente ser indeferido se não for justificado ou razoável, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à terceira e quarta questões

97

A título preliminar, há que observar que, no processo principal, estão em causa dois tratamentos de dados pessoais diferentes, a saber, um que já foi feito, a montante, pela Media Protetor e por conta da Mircom, no contexto de redes descentralizadas (peer‑to‑peer), que consistiu no registo dos endereços IP de utilizadores cujas ligações Internet foram pretensamente utilizadas, num determinado momento, para o carregamento de obras protegidas para essas redes, bem como outro que deve, segundo a Mircom, ser efetuado a jusante pela Telenet, que consiste, por um lado, na identificação desses utilizadores através de uma correspondência entre esses endereços IP e os que, nesse momento, a Telenet tinha atribuído aos referidos utilizadores para realizar esse carregamento e, por outro, na comunicação à Mircom dos nomes e endereços dos mesmos utilizadores.

98

No âmbito da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede uma resposta relativa ao caráter justificado, à luz do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679, apenas no que respeita ao primeiro tratamento que já foi feito.

99

Por outro lado, no âmbito da sua terceira questão, pretende saber, em substância, se as circunstâncias descritas na sua primeira e segunda questões são pertinentes para efeitos da apreciação do justo equilíbrio entre, por um lado, o direito de propriedade intelectual e, por outro, a proteção da vida privada e dos dados pessoais, em especial na apreciação da proporcionalidade.

100

Ora, na hipótese de, com base nas respostas do Tribunal de Justiça à primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o pedido de informação da Mircom preenche as condições previstas no artigo 8.o da Diretiva 2004/48, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, importa entender que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que se opõe ao segundo tratamento a jusante, como descrito no n.o 97 do presente acórdão, mesmo que esse pedido preencha as referidas condições.

101

Tendo em conta estas considerações e em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, importa reformular a terceira e quarta questões no sentido de que, com estas, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que se opõe, por um lado, ao registo sistemático, pelo titular de direitos de propriedade intelectual e por um terceiro por sua conta, de endereços IP de utilizadores de redes descentralizadas (peer‑to‑peer) cujas ligações à Internet foram pretensamente utilizadas nas atividades ilícitas e, por outro, à comunicação dos nomes e dos endereços postais desses utilizadores a esse titular ou a um terceiro a fim de lhe permitir intentar uma ação de indemnização num órgão jurisdicional civil pelo dano pretensamente causado pelos referidos utilizadores.

102

Em primeiro lugar, no que respeita ao tratamento a montante em causa no processo principal, há que recordar que um endereço IP dinâmico registado por um prestador de serviços de meios de comunicação em linha aquando da consulta por uma pessoa de um sítio Internet que esse prestador disponibiliza ao público constitui, relativamente a esse prestador, um dado pessoal, na aceção do artigo 4.o, ponto 1, do Regulamento 2016/679, quando este disponha de meios legais que lhe permitam identificar a pessoa em causa graças às informações suplementares que o fornecedor de acesso à Internet dessa pessoa dispõe (Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer, C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 49).

103

Por conseguinte, o registo desses endereços para efeitos da sua utilização posterior no âmbito de ações judiciais constitui um tratamento na aceção do artigo 4.o, ponto 2, do Regulamento 2016/679.

104

Tal é também a situação da Mircom, por conta da qual a Media Protetor recolhe os endereços IP, desde que disponha de um meio legal para identificar os titulares das ligações Internet ao abrigo do procedimento previsto no artigo 8.o da Diretiva 2004/48.

105

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), deste regulamento, o tratamento de dados pessoais só é lícito se, e na medida em que, esse tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.

106

Assim, esta disposição prevê três requisitos cumulativos para que um tratamento de dados pessoais seja lícito, a saber, em primeiro lugar, a prossecução de interesses legítimos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, em segundo lugar, a necessidade do tratamento dos dados pessoais para a realização do interesse legítimo prosseguido e, em terceiro lugar, o requisito de os interesses ou direitos e liberdades fundamentais da pessoa a que a proteção de dados diz respeito não prevalecerem (v., neste sentido, no que respeita ao artigo 7.o, alínea f), da Diretiva 95/46, Acórdão de 4 de maio de 2017, Rīgas satiksme, C‑13/16, EU:C:2017:336, n.o 28).

107

Uma vez que o Regulamento 2016/679 revogou e substituiu a Diretiva 95/46 e que as disposições pertinentes deste regulamento têm um alcance substancialmente idêntico ao das disposições pertinentes desta diretiva, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à referida diretiva é igualmente aplicável, em princípio, no que respeita ao referido regulamento (v., por analogia, Acórdão de 12 de novembro de 2020, Sonaecom, C‑42/19, EU:C:2020:913, n.o 29).

108

No que se refere ao requisito da prossecução de um interesse legítimo e sem prejuízo de verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar no âmbito da segunda questão, há que considerar que o interesse do responsável pelo tratamento ou de um terceiro em obter um dado pessoal sobre uma pessoa que pretensamente violou a sua propriedade para instaurar uma ação contra essa pessoa constitui um interesse legítimo. Esta análise é corroborada pelo artigo 9.o, n.o 2, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/679, que prevê que a proibição do tratamento de certos tipos de dados pessoais que revelem, nomeadamente, dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa não se aplica quando o tratamento se refere a dados pessoais que tenham sido manifestamente tornados públicos pelo seu titular ou seja necessário, nomeadamente, à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial [v., neste sentido, no que respeita ao artigo 8.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 95/46, Acórdão de 4 de maio de 2017, Rīgas satiksme, C‑13/16, EU:C:2017:336, n.o 29].

109

A este respeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 131 das suas conclusões, a cobrança dos créditos devidamente formalizada pode constituir um interesse legítimo que justifique o tratamento dos dados pessoais na aceção do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679 (v., por analogia, no que respeita à Diretiva 2002/58, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Probst, C‑119/12, EU:C:2012:748, n.o 19).

110

No que se refere ao requisito da necessidade do tratamento dos dados pessoais para a prossecução de interesses legítimos, há que recordar que as derrogações e as restrições ao princípio da proteção dos dados pessoais devem ocorrer na estrita medida do necessário (Acórdão de 4 de maio de 2017, Rīgas satiksme, C‑13/16, EU:C:2017:336, n.o 30). Este requisito pode, no caso em apreço, estar preenchido, uma vez que, como salientou o advogado‑geral no n.o 97 das suas conclusões, a identificação do titular da ligação só é, frequentemente, possível com base no endereço IP e nas informações prestadas pelo fornecedor de acesso à Internet.

111

Por último, no que respeita ao requisito relativo à ponderação dos direitos e dos interesses opostos em causa, este depende, em princípio, das circunstâncias concretas do caso específico (Acórdão de 4 de maio de 2017, Rīgas satiksme, C‑13/16, EU:C:2017:336, n.o 31 e jurisprudência referida). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar estas circunstâncias específicas.

112

A este respeito, os mecanismos que permitem encontrar um justo equilíbrio entre os diferentes direitos e interesses em causa estão inscritos no próprio Regulamento 2016/679 (v., por analogia, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 66 e jurisprudência referida).

113

Por outro lado, dado que os factos no processo principal parecem estar abrangidos simultaneamente pelo âmbito de aplicação do Regulamento 2016/679 e da Diretiva 2002/58 e os endereços IP tratados constituem, como resulta da jurisprudência referida no n.o 102 do presente acórdão, tanto dados pessoais como dados de tráfego (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o., C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 152), importa verificar se a apreciação da licitude de tal tratamento deve ter em conta os requisitos previstos por esta diretiva.

114

Com efeito, como resulta do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2002/58, lido em conjugação com o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento 2016/679, as disposições desta diretiva precisam e completam esse regulamento para harmonizar as disposições nacionais necessárias para garantir, nomeadamente, um nível equivalente de proteção dos direitos e liberdades fundamentais, em especial o direito à vida privada, no que respeita ao tratamento dos dados pessoais no setor das comunicações eletrónicas (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2018, Ministerio Fiscal, C‑207/16, EU:C:2018:788, n.o 31, e de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o., C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 102).

115

A este respeito, importa salientar que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58, os Estados‑Membros proibirão, nomeadamente, a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outras formas de interceção ou vigilância de comunicações e dos respetivos dados de tráfego por pessoas que não os utilizadores, sem o consentimento dos utilizadores em causa, exceto quando legalmente autorizados a fazê‑lo, de acordo com o disposto no artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva. Por outro lado, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, os dados de tráfego relativos a assinantes e utilizadores tratados e armazenados pelo fornecedor de uma rede pública de comunicações ou de um serviço de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis devem ser eliminados ou tornados anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação, sem prejuízo do disposto, nomeadamente, no artigo 15.o, n.o 1, da mesma diretiva.

116

O referido artigo 15.o, n.o 1, termina a enumeração das exceções à obrigação de garantir a confidencialidade dos dados pessoais com uma referência expressa ao artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, que corresponde, em substância, ao artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679, o qual passou a permitir tanto ao direito da União como dos Estados‑Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante limitar por medida legislativa o alcance da obrigação de confidencialidade dos dados pessoais no setor das comunicações eletrónicas, desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente, a defesa dos direitos e das liberdades de outrem, bem como a execução de ações cíveis (v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 53).

117

Além disso, o facto de o artigo 23.o, n.o 1, alínea j), deste regulamento passar a referir expressamente a execução de ações cíveis deve ser interpretado no sentido de que exprime a vontade do legislador da União de confirmar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a proteção do direito de propriedade e as situações em que os autores procuram obter essa proteção no âmbito de uma ação cível nunca estiveram excluídas do âmbito de aplicação do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58 (v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 53).

118

Por conseguinte, para que um tratamento, como o registo dos endereços IP das pessoas cujas ligações Internet foram utilizadas para o carregamento de segmentos de ficheiros contendo obras protegidas para redes descentralizadas (peer‑to‑peer), para apresentar um pedido de divulgação dos nomes e endereços postais dos detentores desses endereços IP, possa ser considerado lícito, preenchendo os requisitos previstos pelo Regulamento 2016/679, é necessário que se verifique, em particular, se esse tratamento cumpre as disposições acima referidas da Diretiva 2002/58, na medida em que esta última concretiza, para os utilizadores de meios de comunicações eletrónicos, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o., C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 109).

119

Ora, uma vez que a decisão de reenvio não contém precisões relativas ao fundamento jurídico do acesso da Mircom aos endereços IP conservados pela Telenet, o Tribunal de Justiça não está em condições de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio orientações úteis quanto à questão de saber se um tratamento como o efetuado a montante, que consiste no registo dos referidos endereços IP, infringe, tendo em conta as regras enunciadas na Diretiva 2002/58 e o requisito relativo à ponderação dos direitos e dos interesses opostos, os referidos direitos fundamentais. Incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar uma análise da regulamentação nacional pertinente à luz do direito da União, em particular dos artigos 5.o, 6.o e 15.o da Diretiva 2002/58.

120

Em segundo lugar, no que respeita ao tratamento a jusante pela Telenet, que consiste na identificação dos titulares desses endereços IP e na comunicação à Mircom dos nomes e dos endereços postais desses titulares, importa salientar que um pedido, em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 2004/48, limitado à comunicação dos nomes e dos endereços dos utilizadores envolvidos em atividades ilícitas é conforme com o objetivo de estabelecer um justo equilíbrio entre o direito à informação dos titulares de direitos de propriedade intelectual e o direito à proteção dos dados pessoais desses utilizadores (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Constantin Film Verleih, C‑264/19, EU:C:2020:542, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida).

121

Com efeito, tais dados relativos à identidade civil dos utilizadores dos meios de comunicações eletrónicas não permitem normalmente, por si só, conhecer a data, a hora, a duração e os destinatários das comunicações efetuadas, nem os locais onde estas comunicações ocorreram ou a frequência destas com certas pessoas durante um dado período, pelo que não fornecem, com exceção das coordenadas desses utilizadores, como a sua identidade civil e os seus endereços, nenhuma informação sobre as comunicações efetuadas nem, consequentemente, sobre a sua vida privada. Assim, a ingerência que uma medida relativa a dados comporta não pode, em princípio, ser qualificada de grave [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, Prokuratuur (Condições de acesso aos dados relativos às comunicações eletrónicas), C‑746/18, EU:C:2021:152, n.o 34 e jurisprudência referida].

122

Não obstante, no processo principal, o pedido de informação da Mircom pressupõe que a Telenet proceda a uma troca de correspondência entre os endereços IP dinâmicos registados por conta da Mircom e os atribuídos pela Telenet aos referidos utilizadores, que permitiram a participação destes na rede descentralizada (peer‑to‑peer) em causa.

123

Por conseguinte, como resulta da jurisprudência referida no n.o 113 do presente acórdão, tal pedido visa um tratamento de dados de tráfego. O direito à proteção desses dados, de que beneficiam as pessoas referidas no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, faz parte do direito fundamental de qualquer pessoa de ver protegidos os dados pessoais que lhe dizem respeito, como garantem o artigo 8.o da Carta e o Regulamento 2016/679, conforme precisado e completado pela Diretiva 2002/58 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Coty Germany, C‑580/13, EU:C:2015:485, n.o 30).

124

Com efeito, a aplicação das medidas previstas pela Diretiva 2004/48 não pode afetar o Regulamento 2016/679 nem a Diretiva 2002/58 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Coty Germany, C‑580/13, EU:C:2015:485, n.o 32).

125

A este respeito, o Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2004/48, lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58 e com o artigo 7.o, alínea f), da Diretiva 95/46, não se opõe a que os Estados‑Membros estabeleçam uma obrigação de transmitir a entidades privadas dados pessoais para permitir o procedimento judicial, em instâncias cíveis, contra violações do direito de autor, mas também não obriga esses Estados a prever essa obrigação (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2012, Bonnier Audio e o., C‑461/10, EU:C:2012:219, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 4 de maio de 2017, Rīgas satiksme, C‑13/16, EU:C:2017:336, n.o 34).

126

Ora, importa observar que, à semelhança do artigo 7.o, alínea f), da Diretiva 95/46, nem o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679 nem o seu artigo 9.o, n.o 2, alínea f), embora diretamente aplicáveis em todos os Estados‑Membros, por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, incluem a obrigação de um terceiro, como um fornecedor de acesso à Internet, comunicar a pessoas privadas, enquanto destinatários, na aceção do artigo 4.o, ponto 9, deste regulamento, dados pessoais para permitir o procedimento judicial, em instâncias cíveis, contra violações do direito de autor, mas limitam‑se a reger a questão da licitude do tratamento pelo próprio responsável do tratamento ou por um terceiro na aceção do artigo 4.o, ponto 10, do referido regulamento.

127

Assim, um fornecedor de acesso à Internet, como a Telenet, só pode ser obrigado a efetuar tal comunicação com base numa medida, prevista no artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58, que restringe o âmbito dos direitos e obrigações previstos, nomeadamente, nos artigos 5.o e 6.o da mesma.

128

Uma vez que a decisão de reenvio não contém nenhuma indicação a este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar o fundamento jurídico tanto da conservação, pela Telenet, dos endereços IP cuja comunicação a Mircom pede como do eventual acesso da Mircom a esses endereços.

129

Com efeito, em conformidade com o artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2002/58, a conservação dos endereços IP pelos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas além do período de atribuição destes dados não se afigura, em princípio, necessária para efeitos da faturação dos serviços em causa, pelo que a deteção das infrações cometidas em linha pode, por esse motivo, revelar‑se impossível sem recurso a uma medida legislativa ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o., C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 154).

130

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 104 das suas conclusões, se a conservação dos endereços IP com fundamento nessa medida legislativa ou, pelo menos, a respetiva utilização para fins diferentes dos declarados lícitos no Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o. (C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791), devessem ser consideradas contrárias ao direito da União, o pedido de informação no processo principal ficaria sem objeto.

131

Se das investigações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio devesse resultar que existem medidas legislativas nacionais na aceção do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58 que restringem o âmbito das regras enunciadas nos artigos 5.o e 6.o desta diretiva e que poderiam ser utilmente aplicadas ao caso em apreço, e admitindo que também se constate, com base nos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça em todos os números precedentes do presente acórdão, que a Mircom tem legitimidade ativa e que o seu pedido de informações é justificado, proporcionado e não abusivo, os referidos tratamentos deverão ser considerados lícitos na aceção do Regulamento 2016/679.

132

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento 2016/679, lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, ao registo sistemático, pelo titular de direitos de propriedade intelectual e por um terceiro por sua conta, de endereços IP de utilizadores de redes descentralizadas (peer‑to‑peer) cujas ligações à Internet foram pretensamente utilizadas em atividades ilícitas nem à comunicação dos nomes e dos endereços postais desses utilizadores a esse titular ou a um terceiro a fim de lhe permitir intentar uma ação de indemnização num órgão jurisdicional civil por um dano pretensamente causado pelos referidos utilizadores, desde que, todavia, as iniciativas e os pedidos nesse sentido do referido titular ou desse terceiro sejam justificados, proporcionados e não abusivos e tenham como fundamento jurídico uma medida legislativa nacional na aceção do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58, que restringe o âmbito das regras enunciadas nos artigos 5.o e 6.o dessa diretiva.

Quanto às despesas

133

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que constitui uma colocação à disposição do público na aceção desta disposição o carregamento, a partir do equipamento terminal de um utilizador de uma rede descentralizada (peer‑to‑peer) para os equipamentos terminais de outros utilizadores dessa rede, dos segmentos, previamente descarregados pelo referido utilizador, de um ficheiro multimédia que contém uma obra protegida, ainda que esses segmentos individuais só sejam utilizáveis, em si mesmos, a partir de uma certa percentagem de descarregamento. Não é pertinente o facto de, devido às configurações do software de partilha cliente‑BitTorrent, esse carregamento ser automaticamente gerado por esse software, quando o utilizador subscreveu esse software, a partir do equipamento terminal do qual se produz o referido carregamento, dando o seu consentimento à aplicação do mesmo depois de ter sido devidamente informado das suas características.

 

2)

A Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretada no sentido de que uma pessoa que seja titular contratual de certos direitos de propriedade intelectual que, no entanto, não utiliza ela própria, mas se limita a cobrar indemnizações por perdas e danos a pretensos infratores, pode beneficiar, em princípio, das medidas, procedimentos e recursos previstos no capítulo II desta diretiva, a menos que seja demonstrado, ao abrigo da obrigação geral prevista no seu artigo 3.o, n.o 2, da mesma diretiva e com base num exame global e circunstanciado, que o seu pedido é abusivo. Em especial, um pedido de informação baseado no artigo 8.o da referida diretiva deve igualmente ser indeferido se não for justificado ou razoável, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

3)

O artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea f), do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva Relativa à Privacidade e às Comunicações Eletrónicas), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, ao registo sistemático, pelo titular de direitos de propriedade intelectual e por um terceiro por sua conta, de endereços IP de utilizadores de redes descentralizadas (peer‑to‑peer) cujas ligações à Internet foram pretensamente utilizadas em atividades ilícitas nem à comunicação dos nomes e dos endereços postais desses utilizadores a esse titular ou a um terceiro a fim de lhe permitir intentar uma ação de indemnização num órgão jurisdicional civil pelo dano pretensamente causado pelos referidos utilizadores, desde que, todavia, as iniciativas e os pedidos nesse sentido do referido titular ou desse terceiro sejam justificados, proporcionados e não abusivos e tenham como fundamento jurídico uma medida legislativa nacional na aceção do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2002/58, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, que restringe o âmbito das regras enunciadas nos artigos 5.o e 6.o dessa diretiva, conforme alterada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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