COMISSÃO EUROPEIA
Estrasburgo, 12.3.2024
COM(2024) 91 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Gerir os riscos climáticos — proteger as pessoas e a prosperidade
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Gerir os riscos climáticos — proteger as pessoas e a prosperidade
1.Introdução
1.1.A aceleração dos riscos climáticos exige uma gestão proativa
A gestão da incerteza define, hoje em dia, a tomada de decisões, seja pelos cidadãos, pelas empresas ou pelos governos. A guerra e as incertezas geopolíticas, o custo de vida, os desafios demográficos, a degradação ambiental e as emergências sanitárias, as desigualdades sociais, a polarização política e a desinformação, a rápida evolução tecnológica e a migração exigem medidas urgentes. Os decisores políticos têm de equilibrar a atenção e os recursos que dedicam a esses temas. A crise climática, que está interligada com outras crises planetárias — poluição e perda de biodiversidade — e amplifica muitos dos outros riscos, é uma das ameaças existenciais mais profundas que enfrentamos.
A UE está a tomar medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa nesta década e alcançar a neutralidade climática até 2050. A Comissão iniciou um debate sobre uma meta climática para 2040, que constitui um novo passo rumo a um futuro competitivo e com impacto zero. É necessário alcançar essas reduções rápidas das emissões a nível mundial, uma vez que as possibilidades de adaptação estão sujeitas a limites físicos.
Os impactos climáticos já se fazem sentir e os riscos continuarão a aumentar nas próximas décadas e mais além, devido à inércia do sistema climático, mesmo que a redução ambiciosa das emissões a nível mundial diminua os danos potenciais. Em fevereiro de 2024, o serviço de monitorização das alterações climáticas Copernicus comunicou que a temperatura média mundial nos 12 meses anteriores ultrapassara o limiar de 1,5 °C acima dos níveis pré‑industriais. As perspetivas para a Europa são apresentadas, de forma clara, na primeira avaliação europeia dos riscos climáticos (EUCRA)
realizada pela Agência Europeia do Ambiente. Na melhor das hipóteses, em que limitamos o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, a Europa — que está a aquecer duas vezes mais rapidamente do que a média mundial — terá de se adaptar a um clima 3 °C mais quente e, consequentemente, enfrentará um aumento exponencial das vagas de calor e outros fenómenos meteorológicos extremos.
Figura 1: Projeções de temperatura para a Europa em quatro cenários climáticos mundiais normalizados
Fonte: EUCRA, com base no serviço de monitorização das alterações climáticas Copernicus
A resiliência às alterações climáticas é importante para manter funções sociais, mas também a competitividade das economias e das empresas e, por conseguinte, os empregos. A gestão dos riscos climáticos é uma condição necessária para melhorar o nível de vida, combater as desigualdades e proteger as pessoas. Trata-se de uma questão de sobrevivência económica para as zonas rurais e costeiras, os agricultores, os silvicultores e os pescadores. No caso das empresas, os riscos climáticos já são amplamente reconhecidos e contam-se entre os quatro principais riscos para a próxima década
. As pequenas e médias empresas (PME) podem enfrentar limitações específicas em termos de recursos. A recuperação de catástrofes relacionadas com o clima cada vez mais intensas absorverá uma quantidade crescente de capacidades e capital das entidades não preparadas, devido a problemas como a exposição das cadeias de abastecimento, a diminuição do acesso a seguros, a vulnerabilidade dos ativos internos, a perda de biodiversidade de que os setores económicos dependem ou a proteção insuficiente das pessoas.
O Banco Central Europeu e o Comité Europeu do Risco Sistémico reconheceram que os riscos climáticos podem afetar a estabilidade financeira de muitas formas e defenderam uma estratégia macroprudencial sólida e sistémica para fazer face a esses riscos. Ao mesmo tempo, as empresas ágeis e dinâmicas da UE, incluindo as PME, têm potencial para se tornarem líderes em alguns dos segmentos de mercado que reforçam a resiliência, como a inovação relacionada com a utilização de dados e tecnologias espaciais.
O aumento dos riscos climáticos também tem impacto no panorama geopolítico, afetando a segurança, os fluxos comerciais e a estabilidade económica a nível mundial, bem como a capacidade de continuar a prestar serviços essenciais às populações afetadas. Em contrapartida, melhorar a preparação e a resiliência face aos impactos climáticos pode contribuir para a gestão de um dos principais desafios mundiais do nosso tempo, com efeitos indiretos positivos.
Entre os cidadãos da UE, 77 % consideram as alterações climáticas um problema muito grave e 37 % já se sentem pessoalmente expostos a riscos climáticos. O Parlamento Europeu e os dirigentes da UE
reconheceram a urgência de intensificar a resposta à emergência climática e de reforçar a resiliência da UE. Em consonância com a Comunicação sobre a meta climática da UE para 2040 na via da neutralidade climática até 2050, os investimentos em edifícios, transportes e sistemas energéticos resilientes às alterações climáticas poderiam criar oportunidades de negócio significativas, gerar economias de escala e beneficiar mais amplamente a economia europeia, criando empregos altamente qualificados e proporcionando energia limpa a preços comportáveis.
A visão europeia de uma sociedade saudável, inclusiva e justa constitui uma fonte de força. A solidariedade, a inclusividade, a inovação e o Estado de direito ajudaram-nos a superar desafios históricos e farão o mesmo neste caso.
A coordenação possibilitada pela União Europeia é um instrumento poderoso para reforçar a resiliência. Proporciona ganhos de eficiência, que são essenciais face ao elevado número de solicitações de recursos públicos e privados. Permite também aos países, às regiões e às comunidades locais observar o que funciona ou não noutros locais e conduz a uma ação mais rápida e eficaz. Devido à escala das ações necessárias em alguns domínios, é pouco provável que, sem coordenação, as decisões e medidas necessárias sejam tomadas a tempo de evitar impactos ambientais irreversíveis. Por último, a UE acrescenta valor ao desenvolver instrumentos que ajudam os cidadãos e as partes interessadas públicas e privadas a reforçar a resiliência. Ao longo da última década, uma parte considerável do investimento proveniente do orçamento da UE, nomeadamente através da política de coesão, foi canalizada para a adaptação às alterações climáticas e a mitigação dos efeitos das mesmas. Prevê-se que, no período 2021‑2027, os investimentos da política de coesão neste domínio atinjam cerca de 118 mil milhões de EUR.
Algumas das catástrofes ocorridas em 2023, de que se apresentam a seguir alguns exemplos, revelam claramente o padrão de aumento dos riscos climáticos, que afetaram, de alguma forma, todos os países da UE.
Caixa 1: Quatro exemplos de catástrofes associadas a perigos relacionados com o clima ocorridas em 2023:
-Grécia. Entre julho e agosto, os incêndios florestais, desencadeados por secas e vagas de calor, consumiram uma superfície de 170 000 hectares na Grécia. Em especial, o incêndio florestal em Alexandroupolis tornou-se o maior ocorrido na Europa desde 2000, devastando mais de 96 000 hectares. No início de setembro, a tempestade Daniel causou uma precipitação recorde na Grécia, tendo-se registado 750 mm em 24 horas em Zagora, o que representa mais de um ano de acumulação de precipitação naquela zona. Este evento eliminou cerca de 15 % do rendimento agrícola anual do país.
-Eslovénia. Em agosto, as chuvas intensas registadas ao longo de vários dias agravaram os níveis já elevados das massas de água e deram origem a grandes inundações e deslizamentos de terras, que afetaram dois terços da Eslovénia, provocando danos que representam cerca de 16 % do PIB.
-Escandinávia. Em agosto, a tempestade Hans atravessou a Dinamarca, a Noruega e a Suécia, causando sérios danos nas infraestruturas e na agricultura, bem como graves perturbações em redes de transportes críticas. Os créditos de seguro atingiram novos recordes.
-Toda a Europa. Em 2023, a vaga de calor Cerberus estabeleceu novos recordes de temperatura em muitos países. Este fenómeno seguiu-se às vagas de calor do verão de 2022, cujos níveis históricos haviam causado a morte de 60 000 a 70 000 europeus.
A ação climática é do interesse de todos. Os danos relacionados com o clima não resultam de catástrofes naturais infelizes e imprevistas. Pelo contrário, dependem de riscos climáticos conhecidos e das medidas políticas tomadas para reduzir esses riscos. A presente comunicação define as principais medidas necessárias para assegurar que, face ao agravamento dos riscos climáticos, os cidadãos e as empresas possam confiar na UE e nos seus Estados‑Membros para manter as funções sociais e o acesso contínuo aos serviços básicos. Procura clarificar quem é responsável por fazer as escolhas difíceis e tomar medidas, com base nos melhores dados. Mostra também como a UE pode efetivamente antecipar-se aos impactos climáticos nos próximos anos e como o reforço da resiliência torna a consecução de outros objetivos políticos mais barata e mais fácil. Este esforço exige que, no futuro, a ação da UE e dos Estados-Membros tenha em conta, por princípio e em todos os domínios de intervenção, a preparação e a resiliência face aos riscos climáticos.
1.2.Bases disponíveis na UE para melhorar a gestão dos riscos climáticos
A Lei Europeia em matéria de Clima exige que as instituições da UE e os Estados-Membros assegurem progressos contínuos em matéria de capacidade de adaptação, reforçando a resiliência e reduzindo a vulnerabilidade. A execução do plano de ação alargado da Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas de 2021 está em pleno andamento.Para aumentar a resiliência dos investimentos financiados pela UE, a política de coesão e outros programas fundamentais do orçamento da UE integraram o princípio de «não prejudicar significativamente» e estabeleceram uma prática de reforço da resistência às alterações climáticas. Está em curso a atualização de um vasto leque de políticas setoriais para ter em conta os riscos climáticos. Os Estados-Membros estão a melhorar as medidas de adaptação e deram os primeiros passos para incluir a resiliência às alterações climáticas nos seus planos nacionais em matéria de energia e de clima (PNEC).
No entanto, as recentes avaliações, , da Comissão apresentam conclusões díspares. Embora se registem progressos constantes a nível da UE através da aplicação da Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas, os Estados-Membros têm de fazer muito mais em aspetos de governação, sensibilização, equidade e resiliência justa, financiamento e soluções baseadas na natureza. As avaliações mais recentes da Comissão sobre os projetos de PNEC atualizados e as recomendações conexas identificam um desfasamento entre os PNEC e as políticas e medidas de adaptação previstas e aplicadas pelos Estados-Membros. A Comissão emitiu recomendações e está preparada para continuar a ajudar os Estados-Membros a melhorarem os seus PNEC para acelerar a execução e os investimentos nos próximos anos.
O Relatório sobre a prevenção e gestão dos riscos de catástrofe na Europa revela que os riscos relacionados com o clima ocupam um lugar cimeiro na gestão dos riscos de catástrofe em toda a Europa. Mostra também, de forma preocupante, que, embora os riscos climáticos sejam geralmente reconhecidos, as avaliações dos riscos para a proteção civil raramente têm em conta cenários e incertezas climáticos. Até janeiro 2026, os Estados-Membros realizarão avaliações dos riscos para as infraestruturas críticas, conforme previsto na Diretiva Resiliência das Entidades Críticas. As atuais avaliações das perspetivas orçamentais não têm em conta os riscos climáticos de forma sistemática, e por vezes descuram-nos totalmente. De um modo geral, embora os processos e os requisitos acordados em quadros estratégicos a nível da UE possam fazer face aos riscos climáticos, a execução está longe de proporcionar uma garantia razoável.
Por conseguinte, os progressos são desiguais e não estão a acompanhar a aceleração das alterações climáticas. Tanto a UE como os Estados-Membros devem melhorar significativamente a preparação para os riscos climáticos e o combate eficaz aos mesmos.
O relatório da EUCRA descreve em pormenor os principais riscos climáticos para a Europa e a forma como estes interagem com muitos riscos não climáticos e os amplificam. A presente comunicação dá resposta ao relatório e a outros dados recentes. Não analisa em profundidade riscos potencialmente importantes para a UE decorrentes de impactos climáticos fora da UE, ou vice-versa. As alterações climáticas podem desencadear riscos em cascata e agravar a degradação ambiental e os atuais fatores de conflito, deslocação e migração. Estas interligações complexas merecem uma análise específica que fundamente as decisões políticas, tal como refletido na Comunicação sobre a correlação entre clima e segurança
.
Em consonância com a dimensão internacional da Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas
, a UE continuará a apoiar soluções integradas de reforço da resiliência às alterações climáticas em países frágeis e vulneráveis. A ampla Estratégia Global Gateway da UE, no valor de 300 mil milhões de EUR, e os planos económicos e de investimento concebidos para a Vizinhança Meridional da UE, a Parceria Oriental e os Balcãs Ocidentais podem oferecer instrumentos para mitigar os riscos climáticos a nível mundial. A título de exemplo, a UE lançou uma abrangente iniciativa da Equipa Europa sobre a adaptação e a resiliência às alterações climáticas na África Subsariana, no âmbito do Pacote de Investimentos Global Gateway UE-África. Em consonância com o Quadro de Sendai para a Redução dos Riscos de Catástrofes, a UE continuará a apoiar a redução dos riscos de catástrofes nos países parceiros, colocando a tónica no conhecimento desses riscos e em aspetos de governação, prevenção, preparação (em especial, sistemas de alerta precoce), resposta e recuperação.
A presente comunicação dá seguimento aos resultados da mais recente Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima (COP28) relativos à adaptação e, em especial, à aplicação do Quadro dos EAU para a Resiliência Climática Mundial. A UE continuará a promover a resiliência às alterações climáticas e a gestão dos riscos climáticos, contribuindo para a adaptação às alterações climáticas e a prevenção de conflitos nos seus instrumentos de diplomacia climática que tiram partido das experiências europeias em instâncias internacionais e relações bilaterais.
2.Análise: dados mais recentes sobre os principais riscos para a Europa
2.1.Conclusões da avaliação europeia dos riscos climáticos
Os dados científicos são claros: tal como expresso nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), a Europa enfrentará temperaturas em geral mais elevadas, o risco de vagas de calor mais intensas e frequentes, secas prolongadas, precipitação mais intensa, ventos com velocidades médias mais baixas e menos neve. No entanto, este quadro global não revela as interações complexas entre os perigos e a probabilidade de impactos catastróficos.
Figura 2: Tendências observadas e previstas nos principais perigos relacionados com o clima em diferentes regiões europeias
Fonte: EUCRA
Estes perigos climáticos conduzirão a mais catástrofes, como secas, inundações, incêndios florestais, doenças, más colheitas, mortes associadas ao calor, danos em infraestruturas e mudanças estruturais no ambiente. Na prática, a preparação da sociedade, a capacidade financeira e administrativa para recuperar e a localização física são os principais fatores que determinam os níveis de exposição e de vulnerabilidade da sociedade.
O sul da Europa e as zonas árticas enfrentarão pressões climáticas mais fortes do que o resto do território europeu. As regiões ultraperiféricas apresentam um conjunto distinto de riscos. Esta exposição assimétrica aos impactos climáticos agrava as disparidades já existentes entre as regiões no que diz respeito à necessidade de adaptação às alterações climáticas, prevenção de riscos e preparação, o que pode exercer pressão sobre os instrumentos de coesão à escala da UE.
Não é possível calcular com rigor os custos e benefícios para toda a sociedade da prevenção de danos, mas uma estimativa da escala deve ser suficiente para justificar a ação. Numa estimativa prudente, o agravamento dos impactos climáticos poderá reduzir o PIB da UE em cerca de 7 % até ao final do século. Se o aquecimento global ultrapassar de forma mais permanente o limiar de 1,5 °C previsto no Acordo de Paris, a redução adicional cumulativa do PIB no conjunto da UE poderá ascender a 2,4 biliões de EUR no período de 2031 a 2050. As inundações costeiras na Europa poderão causar danos anuais superiores a 1,6 biliões de EUR e afetar 3,9 milhões de pessoas por ano até 2100.
Os riscos climáticos são especialmente sentidos pelas pessoas mais vulneráveis devido a uma série de fatores socioeconómicos, como o rendimento, o género, a idade, a deficiência, a saúde e a exclusão social (que afetam em especial os migrantes, as minorias étnicas e os povos indígenas). As desvantagens preexistentes reduzem a capacidade de recuperação de catástrofes provocadas pelo clima. As zonas urbanas mais pobres, mas também as escolas e os hospitais, tendem a situar-se em ilhas de calor urbanas. Tanto em meios urbanos como rurais, a população que vive em zonas de baixa altitude enfrenta riscos acrescidos de inundações e as consequências associadas à contaminação da água.
Os trabalhadores expostos, principalmente os que trabalham ao ar livre em setores como a agricultura, a construção, os serviços de emergência e o turismo, estão mais sujeitos a condições de calor extremo. Além dos impactos na saúde e segurança no trabalho e das perdas de rendimentos dos trabalhadores decorrentes da diminuição das horas de trabalho, a consequente redução da produtividade do trabalho pode traduzir-se em défices na produção económica a um nível territorial mais vasto. Soluções de adaptação mal concebidas podem agravar ainda mais as desigualdades. A tomada em consideração dos aspetos sociais, o diálogo e os processos decisórios inclusivos e participativos com as comunidades afetadas são elementos essenciais para uma ação estratégica bem concebida. Garantir a segurança faz parte do contrato social com os nossos cidadãos.
A EUCRA identificou 36 riscos substanciais para a Europa, vários deles já em níveis críticos e de elevada urgência. Cabe aos decisores políticos ter em conta cada um deles. A secção 4 visa alguns desses riscos, centrando-se simultaneamente em ações capazes de responder a vários riscos em simultâneo.
Figura 3: Ligações entre os principais grupos de riscos climáticos e os domínios de intervenção expostos
Fonte: EUCRA
2.2.Incertezas e probabilidades
Não obstante a complexidade do sistema climático e as atuais incertezas, os cientistas estão profundamente convictos de que o clima se continuará a deteriorar nas próximas décadas. Os decisores políticos e os investidores devem ter em conta a probabilidade dos resultados que pretendem evitar.
A incerteza não é um motivo válido para a inação. O princípio da precaução exige que os decisores adotem uma abordagem preventiva e proativa para assegurar uma boa gestão das nossas sociedades.
3.Espaço para soluções — preparar a sociedade para a ação
Num ambiente em mutação, é necessário desenvolver, testar e implantar rapidamente soluções exequíveis. A Missão da UE «Adaptação às Alterações Climáticas» apoia as regiões com soluções inovadoras que acompanham uma região ou um órgão de poder local rumo à resiliência às alterações climáticas até 2030 e que podem constituir boas práticas para todas as partes interessadas.
Investir na resiliência desde o início de um projeto de infraestruturas fará com que estas sejam mais capazes de resistir a condições meteorológicas extremas, evitando assim despesas de reconstrução e recuperação pontuais. Cada euro necessário para reparar danos é um euro não aplicado num investimento mais produtivo. Em contrapartida, cada euro gasto em prevenção e preparação trará benefícios para todos, que superam o investimento inicial. As decisões de planeamento tomadas hoje devem basear-se numa sólida avaliação antecipada dos riscos.
Os riscos climáticos que a Europa enfrenta não podem ser abordados isoladamente de outros desafios sociais. As soluções melhores e duradouras são as que asseguram múltiplos benefícios. Os dados do relatório da EUCRA apontam para vários domínios em que soluções transversais podem ajudar a eliminar obstáculos à adaptação às alterações climáticas. Por este motivo, é necessária uma abordagem sistémica.
As subsecções seguintes identificam quatro categorias globais de soluções que tornam os sistemas administrativos na UE e nos Estados-Membros mais capazes de enfrentar os riscos climáticos: melhoria da governação, instrumentos para os responsáveis pela gestão dos riscos, aproveitamento de políticas estruturais e condições necessárias à resiliência financeira.
3.1.Melhoria da governação
A repartição de responsabilidades entre a UE e o nível nacional — responsabilização pela gestão dos riscos — varia consoante os domínios de intervenção e baseia-se na subsidiariedade. Na prática, isto significa frequentemente que o Parlamento Europeu e o Conselho chegam a acordo sobre um quadro geral comum a nível da UE, cabendo aos Estados-Membros conceber e adotar abordagens de execução concretas a nível nacional, as quais são aplicadas a nível nacional, regional e local. A nível da UE, importa ter mais em conta os riscos climáticos nos aspetos de governação das políticas, da legislação e dos instrumentos financeiros, bem como na procura de sinergias entre as políticas e medidas da UE.
Embora a maioria das políticas inclua disposições relativas à ponderação dos riscos climáticos, existem lacunas na forma como essas políticas e a legislação são aplicadas nos Estados‑Membros. São necessárias melhorias em todos os níveis de governação. Há que prestar atenção à interação entre os níveis nacional, regional e local e ao alinhamento dos respetivos meios e tarefas. A Comissão insta os Estados-Membros a concretizarem plenamente os compromissos existentes em matéria de adaptação e a terem igualmente em conta as recomendações pertinentes da Comissão.
A melhoria da governação no domínio dos riscos climáticos exige:
Clara responsabilização pela gestão dos riscos. A Comissão insta todas as instituições da UE a ponderarem a forma como o atual quadro legislativo para os principais domínios de intervenção reparte os riscos climáticos setoriais e a responsabilidade de enfrentar os riscos climáticos entre a UE e os Estados-Membros.
Estruturas de governação reforçadas. Importa dispor de estruturas de governação claras responsáveis pela gestão dos riscos climáticos nos Estados-Membros, que assegurem a coordenação vertical e horizontal entre os níveis nacional, regional e local. A Comissão insta os Estados-Membros a assegurarem que os responsáveis pela gestão dos riscos a nível nacional dispõem das capacidades e dos recursos necessários para gerir os riscos climáticos. A Comissão integrará também, de forma estrutural, os riscos climáticos nos seus processos internos, reforçando as funções de controlo dos riscos climáticos, e na aplicação da verificação da coerência climática nos requisitos para legislar melhor.
Sinergias nos processos de governação. É possível melhorar a aplicação da legislação relacionada com os riscos climáticos e torná-la mais coerente. A Lei Europeia em matéria de Clima, o Regulamento Governação da União da Energia e da Ação Climática, a Diretiva Resiliência das Entidades Críticas, o Regulamento relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde, o quadro de governação económica da UE, que será revisto em breve, o Regulamento Restauro da Natureza, assim que for adotado, as Diretivas Aves e Habitats, a Diretiva-Quadro da Água, a Diretiva Inundações, a Diretiva-Quadro Estratégia Marinha e a Decisão relativa ao Mecanismo de Proteção Civil da União (MPCU), que prevê objetivos da União em matéria de resiliência às catástrofes, incluem disposições relacionadas com a gestão dos riscos climáticos. A fim de simplificar os processos e torná-los mais eficazes, a Comissão estudará formas de facilitar, racionalizar e reforçar a aplicação dos requisitos a nível da UE.
3.2.Instrumentos para capacitar os responsáveis pela gestão dos riscos
Graças aos progressos científicos na compreensão dos riscos climáticos e ao financiamento da UE para a investigação e inovação nesse sentido, podemos tomar agora medidas significativas. A Comissão continuará a investir em atividades de investigação e inovação úteis para a tomada de decisões e a potenciar os conhecimentos e as soluções apresentadas por missões, projetos e parcerias pertinentes da UE no âmbito do Horizonte Europa. Tal não é, por si só, suficiente, tal como salientado pelas ações de conhecimento propostas no contexto da EUCRA. Uma avaliação quantitativa e pormenorizada dos riscos associados a múltiplos perigos, combinada com uma avaliação correspondente da adaptação e da resiliência, seria extremamente importante para definir prioridades de ação. O acesso aos instrumentos e dados de investigação e operacionais disponíveis, bem como a capacidade de os utilizar, podem apoiar a competitividade das empresas da UE e melhorar as decisões em matéria de políticas públicas. É igualmente necessário obter estatísticas europeias oficiais relacionadas com a resiliência climática, compiladas de forma coerente com o PIB e outros agregados das contas nacionais.
Mesmo nos casos em que as estruturas de governação são fortes, a eficácia da tomada de decisões sobre os riscos climáticos é comprometida por importantes lacunas de competências, mão de obra e conhecimento, tanto no setor privado como no setor público, agravadas pela desinformação climática. Para gerir eficazmente os riscos climáticos e utilizar melhor as informações e os sistemas de alerta precoce já disponíveis, é necessário melhorar o acesso a estes recursos e a instrumentos de conhecimento pertinentes, bem como reforçar as capacidades.
Para melhorar a capacidade dos responsáveis pela gestão dos riscos para cumprirem as suas tarefas, são necessários os seguintes elementos:
Dados, ferramentas de modelação e indicadores climáticos. A existência de dados e modelos climáticos de elevada qualidade e facilmente compreensíveis é crucial para a tomada de decisões informadas sobre questões que vão do planeamento a longo prazo aos sistemas de alerta precoce.
-A Comissão e a Agência Europeia do Ambiente (AEA) proporcionarão acesso a dados, produtos, aplicações, indicadores e serviços fundamentais, de forma granular e localizada, nomeadamente através da Plataforma Climate-ADAPT e das plataformas de dados do serviço de monitorização das alterações climáticas Copernicus, em especial o ecossistema de espaços de dados Copernicus e o WEkEO.
-Os dois primeiros gémeos digitais criados no âmbito da iniciativa Destino Terra (DestinE) — adaptação às alterações climáticas e fenómenos meteorológicos extremos — fornecerão, a partir de meados de 2024, simulações pormenorizadas de cenários climáticos, do nível mundial aos níveis nacional e infranacional e numa escala temporal de várias décadas, incluindo a quantificação da incerteza. O gémeo digital dos oceanos proporcionará também simulações e cenários pormenorizados e permitirá uma melhor compreensão de processos como a subida do nível do mar, o degelo, a erosão costeira, o ciclo do carbono e as alterações na biodiversidade. O Horizonte Europa continuará a apoiar atividades de investigação destinadas a criar grandes conjuntos de simulações climáticas de alta resolução, sem descontinuidades, para várias décadas, a fim de melhor caracterizar os riscos e as incertezas locais.
-Para ajudar em situações de emergência, a partir de 2025 o serviço de alerta de emergência por satélite Galileo (EWSS) passará a estar disponível para comunicar informações de alerta às pessoas, às empresas e às autoridades públicas, mesmo quando os sistemas de alerta terrestres estejam indisponíveis.
-A legislação proposta em matéria de monitorização das florestas e monitorização do solo permitirá reduzir as principais lacunas de dados, melhorando os instrumentos de alerta precoce para incêndios florestais e outras catástrofes e contribuindo para avaliações de risco mais exatas. De um modo mais geral, a Comissão promoverá a utilização dos sistemas de monitorização, previsão e alerta disponíveis.
A Comissão irá rever os instrumentos e as orientações existentes, incluindo o Explorador Europeu de Dados Climáticos
da AEA e o painel da adaptação alojado no portal da Missão da UE «Adaptação às Alterações Climáticas» na Plataforma Climate-ADAPT, a plataforma Risk Data Hub, o painel de riscos climáticos do projeto PROVIDE
, e recorrer mais amiúde às capacidades analíticas e prospetivas do Centro de Coordenação de Resposta de Emergência. A Comissão melhorará o acesso dos utilizadores, incluindo a nível local, e acompanhará a utilização das ferramentas. Procurará obter melhores indicadores sobre os progressos em matéria de resiliência, inclusive em conjugação com outros indicadores interligados e pertinentes, a fim de assegurar uma abordagem sistémica.
Cenários climáticos de referência. A fim de reduzir a complexidade da avaliação dos riscos, a Comissão utilizará o cenário de emissões intermédias do PIAC como o cenário climático de referência menos severo aceitável para analisar os riscos físicos na avaliação dos impactos das políticas e utilizará cenários mais adversos nos testes de esforço e para comparar as opções de adaptação. A Comissão aconselha os Estados-Membros a seguirem esse exemplo e espera que as partes interessadas do setor privado façam o mesmo. Além disso, publicará as suas orientações internas sobre esta matéria. É útil dispor de melhores dados históricos, por exemplo sobre as perdas resultantes de catástrofes, enquanto indicadores e dados de entrada nas projeções. No entanto, é imprudente tomar decisões sobre o futuro do clima com base principalmente em dados históricos extrapolados.
Reforço das capacidades dos setores público e privado. A Comissão apoiará a preparação de materiais de formação e cursos abertos em linha sobre resiliência às alterações climáticas através de uma plataforma em linha única, em parte através da Plataforma Climate-ADAPT. A vasta gama de instrumentos de planeamento da adaptação a nível da UE passará a fazer parte da base de conhecimentos. A Comissão apoiará os Estados-Membros nos seus esforços para assegurar que os programas curriculares e de formação nacionais, incluindo os destinados a administradores públicos, estejam preparados para o futuro e continuará a apoiar a cooperação administrativa nos Estados-Membros e entre os mesmos. Com base em debates mais aprofundados, a Comissão desenvolverá instrumentos de avaliação dos riscos climáticos e de catástrofes para ajudar os Estados-Membros e o setor privado, incluindo as PME.
A Comissão também mobilizará instrumentos existentes:
-A Missão da UE «Adaptação às Alterações Climáticas» contribui significativamente para o reforço de capacidades regionais.
-O instrumento de assistência técnica apoia os Estados-Membros na conceção e execução de reformas destinadas a reduzir e gerir os riscos climáticos.
-O quadro de competências em matéria de sustentabilidade (GreenComp), lançado em 2022, proporciona uma base para promover as competências necessárias para combater as alterações climáticas.
-Serão utilizadas as iniciativas e políticas de educação e formação desenvolvidas no âmbito do Espaço Europeu da Educação (por exemplo, com a coligação «A Educação ao Serviço da Proteção do Clima»).
-O modelo de colaboração único entre o meio académico, a investigação e as empresas desenvolvido no âmbito do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) e das suas Comunidades de Conhecimento e Inovação (CCI), nomeadamente a CCI-Clima, pode ser um elemento de apoio.
Combate à desinformação. A Comissão contribuirá para esforços de acompanhamento e análise da forma como as narrativas de desinformação entram no espaço público e afetam opiniões e comportamentos. Reforçará a utilização de instrumentos estratégicos, soluções digitais e abordagens de comunicação pertinentes para combater a desinformação climática. Tal inclui assegurar que o cumprimento do Regulamento dos Serviços Digitais abrange adequadamente a desinformação e que, ao cumprirem o Código de Conduta sobre Desinformação, as empresas de redes sociais também têm devidamente em conta a ciência climática. A Comissão trabalhará também com parceiros a nível internacional para combater a desinformação enquanto problema social crescente, que resulta de incentivos económicos distorcidos e constitui uma ameaça para o funcionamento dos sistemas democráticos.
3.3.Aproveitamento das políticas estruturais
Embora a repartição da responsabilidade pela gestão dos riscos entre a UE e os Estados‑Membros varie consoante os domínios de intervenção, três domínios estruturais são particularmente promissores para uma gestão dos riscos climáticos em muitos setores:
Melhorar o ordenamento do território nos Estados-Membros. A utilização e o ordenamento do território são responsabilidades nacionais e, muitas vezes, locais. As terras não são apenas um ativo, tendo também um significado e um valor específicos a nível local, que ultrapassam o aspeto monetário. Ao mesmo tempo, as decisões relativas à utilização e ao ordenamento do território afetam a resiliência e a segurabilidade contra os riscos nas comunidades e economias em geral. Essas decisões devem indicar explicitamente os pressupostos sobre os riscos climáticos e ser aprovadas pelas autoridades nacionais responsáveis pela resiliência das infraestruturas e entidades críticas. A Comissão estudará opções para incentivar a adoção de boas práticas, incluindo através do reforço da ligação entre a qualidade do planeamento territorial e marítimo e as políticas em matéria de coesão, transportes, pescas, finanças e agricultura. A Comissão basear-se-á em trabalhos já realizados e incluirá princípios de resiliência na iniciativa Novo Bauhaus Europeu, a fim de facilitar o planeamento de comunidades resilientes.
Integrar os riscos climáticos no planeamento e na manutenção das infraestruturas críticas. Em estreita ligação com o ordenamento do território, a capacidade dos governos para manterem funções sociais depende da resiliência das entidades que exploram infraestruturas críticas que prestam serviços essenciais à sociedade e à economia. A Diretiva Resiliência das Entidades Críticas facilita a coordenação entre os Estados-Membros e estabelece processos de avaliação dos riscos para os Estados-Membros e para as entidades críticas. A Comissão insta cada Estado‑Membro a assegurar que a sua avaliação nacional dos riscos realizada por força da Diretiva Resiliência das Entidades Críticas aborda explicitamente a resiliência a longo prazo das entidades abrangidas aos riscos climáticos e convida os Estados-Membros a concluir essa avaliação antes do prazo estabelecido na diretiva, ou seja 2026. Algumas das infraestruturas críticas são objeto de acordo e cofinanciamento a nível da UE, como as redes transeuropeias RTE-T e RTE-E, mas também, por exemplo, hospitais e escolas financiados pela UE. A Comissão atualizará e elaborará documentos de orientação setoriais pertinentes. Os dados e serviços de satélite disponíveis devem ser plenamente utilizados para reforçar a resiliência das infraestruturas críticas contra os riscos climáticos.
Associar a solidariedade a nível da UE a medidas nacionais adequadas em matéria de resiliência. Se as capacidades nacionais estiverem sobrecarregadas, será possível mobilizar as capacidades de proteção civil e outros mecanismos de solidariedade a nível da UE (incluindo o MPCU, o Fundo de Solidariedade da UE, investimentos estruturais da política de coesão, determinados instrumentos no âmbito da política agrícola comum e outros pacotes de apoio setorial) para proteger as pessoas contra os impactos climáticos e ajudá-las a recuperar mais rapidamente. No entanto, as capacidades já estão no limite, tanto a nível nacional como a nível da UE, ao passo que as pressões dos riscos continuarão a aumentar. Desde 2019, o MPCU foi ativado e prestou assistência coordenada, nos Estados-Membros e em países terceiros, em 76 situações de emergência relacionadas com o clima (inundações intensas, incêndios florestais, tempestades e secas extremas). Foram gastos mais de 8 600 milhões de EUR, através do Fundo de Solidariedade da UE, para apoiar 24 Estados-Membros e 4 países em fase de adesão na sequência de 110 catástrofes naturais.
Importa dotar os mecanismos de solidariedade de recursos adequados para garantir que a UE possa ajudar as pessoas necessitadas. É necessário preparar os sistemas e meios de proteção civil para o futuro, investindo na gestão dos riscos de catástrofe, em capacidades de resposta e em conhecimentos especializados da UE e dos Estados-Membros que possam ser rapidamente mobilizados além-fronteiras. Para o efeito, há que integrar plenamente os riscos climáticos nos processos de gestão dos riscos de catástrofe, tal como estabelecido nos objetivos da União em matéria de resiliência a catástrofes e no Relatório da Comissão sobre a prevenção e a gestão dos riscos de catástrofe na Europa
. Uma vez que o aumento dos riscos poderá esgotar as capacidades de resposta e recuperação da UE, a Comissão estudará formas de os mecanismos de solidariedade poderem incentivar mais eficazmente ações adequadas de antecipação dos principais riscos por parte dos Estados-Membros, também no interesse da sustentabilidade orçamental, reforçando simultaneamente a gestão, a preparação e a resposta da UE face aos riscos de catástrofe.
3.4.Condições necessárias ao financiamento da resiliência às alterações climáticas
Os decisores políticos, os investidores e as empresas têm de compreender as necessidades e lacunas de investimento e proteção, conceber intervenções específicas com base no seu potencial impacto e na sua urgência, envolver os responsáveis pela gestão dos riscos e desenvolver estratégias de financiamento a longo prazo. Para gerir eficazmente os riscos climáticos, importa conceber a despesa pública a nível nacional e da UE, incluindo os investimentos sociais, e os incentivos ao investimento privado de forma que torne a prevenção de perturbações e danos relacionados com o clima na melhor opção do ponto de vista económico. É necessário assegurar o cumprimento das regras em matéria de auxílios estatais. Tal implica:
Assegurar que as despesas da UE são resilientes às alterações climáticas. Sempre que possível e adequado, a Comissão integrará considerações relativas à adaptação às alterações climáticas na execução de programas e atividades da UE, no âmbito da aplicação do princípio de «não prejudicar significativamente» estabelecido no Regulamento Financeiro para o quadro financeiro plurianual pós-2027. Tal assegurará que todos os programas pertinentes da UE contribuam para a resiliência às alterações climáticas.
Integrar a resiliência às alterações climáticas na contratação pública. Os contratos públicos, que representam 14 % do PIB da UE, devem ter em conta os riscos climáticos. Em especial no tocante às decisões relativas a infraestruturas, esta política desempenha um papel fundamental no apoio à resiliência dos ativos às alterações climáticas e na sensibilização e reforço do conhecimento das empresas proponentes sobre a resiliência às alterações climáticas. A Comissão terá em conta os riscos climáticos em caso de revisão do quadro regulamentar aplicável aos contratos públicos. Paralelamente, insta os Estados-Membros a ponderarem, entre outros, os riscos climáticos quando incluírem critérios de sustentabilidade ambiental em concursos públicos, por exemplo acelerando a aplicação das disposições do Regulamento Indústria de Impacto Zero relativas a critérios não relacionados com o preço na conceção de concursos.
Mobilizar financiamento para reforçar a resiliência. Para fazer face aos riscos climáticos e reforçar a resiliência às alterações climáticas de forma eficaz, é fundamental atrair e facilitar o investimento privado. Tendo por base os resultados do Diálogo sobre a Resiliência Climática e outros trabalhos pertinentes, a Comissão convocará um grupo de reflexão temporário sobre a mobilização de financiamento a favor da resiliência às alterações climáticas para estudar formas de facilitar esse processo. O grupo de reflexão reunirá intervenientes industriais de primeira linha e representantes de instituições financeiras públicas e privadas. Poderá igualmente tirar partido dos conhecimentos do Banco Europeu de Investimento e da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma no domínio do financiamento da adaptação e do reforço da resiliência. O grupo identificará boas práticas, bem como obstáculos e condições propícias ao financiamento da resiliência às alterações climáticas. A Comissão terá em conta os resultados destes debates com vista a reforçar o financiamento da resiliência às alterações climáticas.
4.Principais ações da UE nas áreas de impacto mais importantes
Os riscos climáticos e as políticas da UE estão interligados de muitas formas. A maioria das políticas da UE já inclui processos de tomada de decisão que poderão ter em conta os riscos climáticos. A grande variedade de dados apresentados no relatório da EUCRA contribuirá para estes processos. A presente secção estabelece ações específicas em determinadas áreas afetadas que a Comissão executará, para lá dos trabalhos já em curso.
4.1.Ecossistemas naturais
Além da manutenção da própria biodiversidade, os ecossistemas naturais prestam serviços vitais, como o fornecimento de água doce, alimentos e biomateriais, a fixação de carbono, o controlo da erosão dos solos e das zonas costeiras, a prevenção de inundações e secas e o arrefecimento de zonas urbanas densamente povoadas. Estima-se que mais de metade do PIB total mundial esteja moderada ou altamente dependente da natureza e da biodiversidade. Os ecossistemas saudáveis autorregulam-se, mas os ecossistemas em geral também podem entrar rapidamente em colapso se forem ultrapassados limiares críticos. O efeito prejudicial mais imediato será na segurança alimentar, nas comunidades locais e nos setores económicos mais dependentes de uma natureza saudável. Para manter e restaurar a resiliência dos ecossistemas e dos serviços que estes prestam, será necessário preservar de forma eficaz e equitativa cerca de 30 % a 50 % das terras, da água doce e dos oceanos da Terra.
As soluções baseadas na natureza e preparadas para o futuro podem ser eficazes em termos de custos e aumentar a resiliência e devem ser, sempre que possível, a primeira opção de adaptação às alterações climáticas. Para assegurar uma gestão eficaz dos riscos climáticos, é necessário que os ecossistemas sejam protegidos e geridos de forma abrangente e que as avaliações da riqueza e da atividade económica integrem plenamente o capital natural, utilizando os recentes avanços metodológicos. A aplicação das Diretivas Aves e Habitats e a elaboração dos planos nacionais de restauro nos termos do futuro Regulamento Restauro da Natureza devem garantir sinergias com a resiliência às alterações climáticas. Para apoiar a adaptação às alterações climáticas em zonas protegidas, a Comissão atualizará as orientações relativas à rede Natura 2000 e às alterações climáticas.
É necessário envidar mais esforços para prevenir perturbações florestais graves e melhorar a preparação para as mesmas. A Comissão recorrerá às ações do MPCU para promover a prevenção dos riscos de incêndios florestais, utilizará os regulamentos propostos relativos a um quadro de monitorização para garantir a resiliência das florestas europeias e ao material de reprodução florestal, e terá em conta as pressões climáticas ao estimar o potencial contributo dos sumidouros de carbono para as metas de emissões líquidas nulas da UE.
Os Estados-Membros têm de melhorar a saúde dos ecossistemas marinhos. A Comissão insta os Estados-Membros a utilizarem da melhor forma a Diretiva-Quadro Estratégia Marinha, o Regulamento Restauro da Natureza e o Plano de Ação para o Meio Marinho para aumentar a resiliência e preservar a diversidade de todos os ecossistemas marinhos e, assim, manter a capacidade produtiva que lhes permite fornecer alimentos, materiais e serviços ecossistémicos. As ações no âmbito da Missão da UE «Recuperar os nossos Oceanos e Águas» estão a contribuir para uma vasta gama de soluções deste tipo. Para assegurar uma pesca sustentável num clima em mutação, importa tirar pleno partido das sinergias entre a política comum das pescas e a legislação ambiental, tal como apresentadas no Pacto das Pescas e dos Oceanos, de modo que garanta a segurança alimentar e os meios de subsistência dos pescadores e das comunidades costeiras.
Os elementos essenciais de uma paisagem resiliente às alterações climáticas devem ser abordados simultaneamente, a fim de preservar a capacidade das paisagens para reduzir o risco de seca, inundações, marés de tempestade, incêndios florestais ou erosão, bem como para prestar outros serviços ecossistémicos. As zonas rurais abrangem a maior parte do território da Europa e a abordagem compartimentada da gestão dos solos, da água e das florestas na mesma zona atingiu os seus limites. É necessária uma abordagem abrangente e integrada para garantir que os ecossistemas que abrangem zonas vastas conseguem fazer face às múltiplas ameaças. Para apoiar a melhor utilização possível dos documentos de planeamento existentes, e em sinergia com os planos de ordenamento do território e de restauro da natureza dos Estados‑Membros, a Comissão, em colaboração com os Estados-Membros, elaborará orientações sobre o desenvolvimento de paisagens resilientes que possam atenuar os impactos das alterações climáticas.
4.2.Água
A água é um recurso vital que já se encontra sob pressão em muitas partes da Europa devido a má gestão estrutural, utilização insustentável dos solos, alterações hidromorfológicas e poluição. As alterações climáticas estão a agravar estas pressões e a aumentar os riscos relacionados com a água, sob a forma de secas mais frequentes ou prolongadas ou de precipitação extrema. Estes fenómenos deverão agravar-se no futuro, com mais zonas da Europa afetadas pelo estresse hídrico, bem como por um risco crescente de megassecas (que se estendem por vastas regiões e duram vários anos), incêndios florestais, inundações crescentes e subida do nível do mar (que aumenta o risco de inundações costeiras e de marés de tempestade), erosão costeira e intrusão salina.
A EUCRA salienta que os riscos relacionados com a água são transversais a todos os principais setores visados pela presente comunicação e que as inundações, as secas e os incêndios florestais graves estão a tornar-se uma ameaça para a saúde e uma causa recorrente de perdas sociais, ambientais e económicas. Estes riscos podem manifestar-se de várias formas, incluindo: secas suscetíveis de afetar áreas extensas durante períodos prolongados, com impactos negativos na produção vegetal, na segurança alimentar, no abastecimento de água potável e na produção de energia ou na usabilidade de vias navegáveis, e que agravam o risco de incêndios florestais; riscos para infraestruturas críticas, atividades económicas e a saúde humana decorrentes de inundações; e, em geral, o risco de aumento da concorrência pelos recursos hídricos entre setores e utilizações, incluindo o risco potencial de conflitos nos Estados‑Membros e entre os mesmos por causa de recursos hídricos transfronteiriços. A EUCRA demonstra que os custos de uma execução insuficiente ou tardia da gestão integrada dos recursos hídricos serão insustentáveis. Estima-se que, desde 1980, os custos das secas ascendam a 9 mil milhões de EUR por ano e os custos totais das inundações ultrapassem 170 mil milhões de EUR.
A proteção e o restabelecimento do ciclo hidrológico, a promoção de uma economia da UE inteligente na gestão da água e a salvaguarda de um abastecimento de água doce de boa qualidade, a preços comportáveis e acessível a todos são cruciais para assegurar uma Europa resiliente em matéria de recursos hídricos. Para alcançar a resiliência hídrica, é necessário promover a capacidade coletiva de gerir e utilizar a água de uma forma mais ágil, tendo em conta a rapidez e, em parte, a imprevisibilidade da evolução geopolítica, económica, social e ambiental. É necessário gerir a água e adaptar a procura humana a um novo contexto em que a oferta é mais escassa.
Tendo em conta o papel fundamental que a água desempenha na manutenção da vida e como recurso económico, a Comissão fará um balanço abrangente das questões relacionadas com a água, assente nas conclusões das avaliações em curso dos planos de gestão das bacias hidrográficas e dos riscos de inundações, bem como dos programas de medidas para o meio marinho adotados pelos Estados-Membros, e, nessa base, analisará a necessidade de tomar medidas.
4.3.Saúde
As alterações climáticas estão a afetar a saúde humana. Só na Europa, entre 60 000 e 70 000 mortes prematuras foram atribuídas à vaga de calor de 2022. As projeções mostram que as taxas de mortalidade relacionadas com as temperaturas sofrerão um forte aumento líquido já em meados do século. Através do aquecimento contínuo e de fenómenos meteorológicos extremos, as alterações climáticas podem contribuir para ou agravar doenças não transmissíveis, que são responsáveis por cerca de dois terços das mortes na Europa. A iniciativa «Mais saudáveis juntos — iniciativa da União Europeia para as doenças não transmissíveis» apoia os Estados-Membros na adoção de medidas preventivas adequadas.
Se não forem tomadas medidas de adaptação eficazes, assistiremos a uma diminuição da produtividade do trabalho e ao risco de perda de horas de trabalho. Os níveis de vulnerabilidade individual e regional e de adequação das medidas dependem de fatores como os níveis de preparação, o grau de urbanização, a estrutura etária ou a exposição concomitante à poluição atmosférica. Tal como reconhecido na Comunicação da Comissão relativa a uma abordagem abrangente à saúde mental, a crise climática afeta gravemente a saúde mental.
A incidência de doenças infecciosas sensíveis ao clima deverá aumentar, num contexto em que doenças como a encefalite do Nilo ocidental, a dengue e a chicungunha se tornarão endémicas em partes da Europa e a propagação de agentes patogénicos através dos alimentos e da água será mais fácil. Todavia, na maioria dos casos, as contramedidas médicas eficazes para dar resposta a estas doenças são escassas ou ainda estão por desenvolver. Padrões meteorológicos extremos podem também conduzir à proliferação de bactérias resistentes e a uma maior transferência de genes, levando a um aumento das infeções por bactérias e fungos resistentes.
Estes e outros riscos exercerão uma pressão adicional sobre os sistemas, os profissionais e os orçamentos da saúde, já de si sobrecarregados. As principais soluções assentam em políticas suscetíveis de reduzir as vulnerabilidades e limitar a exposição humana. É necessário gerir de forma adequada os profissionais e os edifícios do setor da saúde diretamente expostos a riscos climáticos. Para reforçar a sua ação e concretizar os objetivos e compromissos estabelecidos nas declarações de Budapeste e da COP28 sobre o clima e a saúde, a Comissão tomará as seguintes medidas:
Intensificar as medidas para garantir que os trabalhadores expostos a riscos climáticos sejam adequadamente protegidos. Ao rever a legislação em matéria de saúde e segurança no trabalho (SST) que protege os trabalhadores de todos os riscos profissionais, incluindo os relacionados com o aumento da temperatura ambiente e o estresse térmico, a Comissão avaliará a necessidade de mais medidas para proteger os trabalhadores contra os riscos climáticos, também com base nas orientações e nos instrumentos existentes. A Comissão criou um novo diálogo com partes interessadas. A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) está a reforçar a prospetiva sobre a correlação entre o clima e a SST
e lançará em 2025 um projeto para aumentar a resiliência às alterações climáticas nos locais de trabalho.
Reforçar o Observatório Europeu do Clima e da Saúde, que ajuda a preparar os sistemas de saúde locais e nacionais para as alterações climáticas, a criar capacidades adicionais, a reforçar os mecanismos de monitorização e alerta precoce, a formar e a educar a mão de obra no setor da saúde e a promover soluções de adaptação e intervenções no domínio da saúde baseadas em dados concretos.
Reforçar os mecanismos de vigilância e resposta às ameaças para a saúde relacionadas com o clima através da execução do Regulamento relativo às ameaças transfronteiriças graves para a saúde, interligando o Sistema de Alerta Rápido e de Resposta com outros sistemas de alerta (nomeadamente para alertas climáticos e meteorológicos), a fim de facilitar a gestão concertada dos riscos para a saúde. O novo Grupo de Trabalho da UE para a Saúde apoiará a resposta a nível da UE a ameaças graves para saúde, incluindo fenómenos relacionados com o clima.
Reforçar a mobilização transfronteiriça de pessoal médico e a transferência de doentes, por exemplo mediante a criação de um quadro para apoiar os Estados-Membros com serviços de saúde sobrecarregados.
Garantir o desenvolvimento de contramedidas médicas críticas e o acesso às mesmas. O aumento das temperaturas e a maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos podem perturbar o fabrico de matérias-primas ou limitar o acesso às mesmas. Além disso, as alterações induzidas pelo clima nos padrões das doenças poderão conduzir a aumentos inesperados da procura de determinados medicamentos ou criar procura de produtos inteiramente novos, sobrecarregando as cadeias de abastecimento existentes ou exigindo investimentos em novas cadeias de abastecimento. Para reduzir as vulnerabilidades, a Comissão avaliará os riscos pertinentes e continuará a criar reservas estratégicas para contramedidas fundamentais. Ao abrigo do Horizonte Europa e do Programa UE pela Saúde, a Comissão tem apoiado o desenvolvimento de novas vacinas e terapêuticas contra doenças tropicais negligenciadas e doenças infecciosas emergentes, o que permitiu, por exemplo, progressos recentes numa vacina contra o vírus chicungunha.
4.4.Alimentos
O abastecimento alimentar na UE — desde a produção agrícola, nomeadamente no sul da Europa, as pescas e a aquicultura até à transformação de alimentos e às cadeias de abastecimento internacionais — está cada vez mais exposto aos riscos climáticos. As alterações climáticas afetam a curto, médio e longo prazo os quatro pilares da segurança alimentar: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade. Interagem com muitos outros fatores de segurança alimentar, de formas variadas e interligadas — por exemplo, estresse hídrico, excesso de nutrientes, saúde dos solos, regimes alimentares e saúde. A produção alimentar está particularmente em risco devido a inundações, vagas de calor, secas, pressões crescentes de pragas e doenças, bem como à perda de biodiversidade, à degradação dos solos e às alterações na migração dos peixes.
No caso dos agricultores, o calor complicará o trabalho ao ar livre. As mudanças nas zonas agroclimáticas exercerão pressão sobre a seleção de culturas e aumentarão a taxa de más colheitas, enquanto os preços dos fatores de produção e a variabilidade dos mercados mundiais comprimirão os rendimentos. Para os pescadores, as pressões adicionais decorrentes das alterações climáticas, da eutrofização e da acidificação dos oceanos podem reduzir a produtividade das unidades populacionais de peixes, levando a capturas substancialmente inferiores e agravando o problema da sobrepesca de algumas unidades populacionais. Num contexto em que os meios de subsistência e a sustentabilidade da produção alimentar da UE estão em risco, a criação de opções para ações de adaptação ao nível das explorações agrícolas ou das operações de pesca não será suficiente e terá de ser complementada com medidas de apoio adequadas para a transição rumo a uma agricultura e uma pesca resilientes. Essas medidas de apoio devem também assegurar que os consumidores continuam a ter acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis a preços comportáveis e que os agricultores obtêm rendimentos sustentáveis.
Embora as importações de alimentos na UE ainda não constituam um risco grave, se ocorrerem em simultâneo quebras em várias regiões cerealíferas a nível mundial ou em grandes pescarias, os preços dos alimentos na UE poderão aumentar (uma vez que os produtores da UE vendem a preços mundiais), o que afetará o poder de compra dos consumidores e porá em risco a segurança alimentar e a comportabilidade dos preços de alimentos saudáveis para os agregados familiares mais pobres da UE. Além disso, embora ainda não sejam sistémicos, os riscos para a segurança alimentar decorrentes de agentes patogénicos induzidos pelo calor e outros já se encontram num patamar mais elevado.
O progresso tecnológico, as melhorias na gestão das explorações agrícolas e a adaptação contínua das práticas agrícolas contribuíram para a adaptação às alterações climáticas a curto prazo. A Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas e a política agrícola comum permitiram ações de adaptação, mas existem poucos elementos que comprovem uma preparação estrutural para catástrofes relacionadas com o clima. Um melhor aproveitamento da diversidade genética e dos recursos fitogenéticos não nocivos para efeitos da adaptação e resiliência às alterações climáticas pode igualmente ajudar os agricultores e os gestores de terras a combaterem os riscos climáticos. A proposta de regulamento relativo aos vegetais obtidos por determinadas novas técnicas genómicas e aos géneros alimentícios e alimentos para animais deles derivados pode apoiar essas soluções.
A preparação da produção alimentar da UE para o futuro será uma prioridade para a Comissão, que continuará a trabalhar com os Estados-Membros para explorar todo o potencial dos planos estratégicos da política agrícola comum em termos de melhoria da resiliência às alterações climáticas e de reforço da utilização de instrumentos de gestão dos riscos. Uma vez que a degradação do solo representa uma grave ameaça para a produção alimentar, a Comissão, em cooperação com os Estados-Membros, reforçará a monitorização da saúde dos solos. Importa valorizar melhor o contributo dos agricultores para a proteção dos serviços ecossistémicos. A Comissão realizará igualmente um estudo sobre a adaptação no setor agrícola, a concluir até ao final de 2025.
O aquecimento e a acidificação dos oceanos, incluindo o aumento das vagas de calor marinhas e das zonas com baixos níveis de oxigénio, já estão a alterar a composição das espécies e a afetar as unidades populacionais de peixes, que se deslocam para águas mais profundas e em direção aos polos, o que criará desfasamentos entre as quotas estabelecidas e as possibilidades de pesca reais. A política comum das pescas deve integrar os impactos climáticos. As previsões das unidades populacionais de peixes devem ter em conta a diversidade de possíveis efeitos futuros das alterações climáticas, e as práticas de gestão das pescas devem ser resilientes às futuras alterações ecológicas. As atualizações do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura devem integrar plenamente os riscos climáticos no seu apoio a práticas sustentáveis de pesca e aquicultura que reforcem a resiliência.
4.5.Infraestruturas e áreas construídas
As infraestruturas estão expostas a riscos significativos de inundações, incêndios florestais, temperaturas elevadas e outros fenómenos extremos, que podem causar enormes danos. A perda de acesso à energia, aos transportes e às comunicações pode perturbar rapidamente as sociedades. Não existem atualmente avaliações fiáveis da capacidade das infraestruturas da UE para funcionar perante condições climáticas em mutação. As infraestruturas críticas e o parque imobiliário estão a envelhecer rapidamente. Tendo em conta a falta de conhecimento e a perceção de que os custos são proibitivos, os Estados-Membros têm dificuldade em planear e empreender grandes esforços de adaptação das infraestruturas, ainda que os danos causados por uma única catástrofe possam superar largamente os fundos da UE disponíveis para as infraestruturas.
Os objetivos da UE de aumentar as taxas de renovação e descarbonizar a economia constituem uma oportunidade para melhorar a resiliência às alterações climáticas. A conceção das áreas construídas determina a resiliência dos próprios edifícios e dos seus habitantes. Importa maximizar os benefícios conexos da resistência das habitações às alterações climáticas, nomeadamente a comportabilidade dos preços, um ambiente de vida mais saudável e a melhoria da eficiência energética. Além de uma forte supervisão horizontal dos riscos sistémicos associados às infraestruturas e à sua localização, através do ordenamento do território, são necessárias soluções setoriais mais específicas.
É necessário reforçar as normas relativas às infraestruturas. A Comissão solicitará às organizações europeias de normalização (OEN) que integrem considerações relativas à adaptação e resiliência às alterações climáticas nas normas europeias para a conceção de infraestruturas com um ciclo de vida superior a 30 anos, tais como centrais elétricas ou caminhos de ferro. Além disso, a Comissão solicitará às OEN que elaborem novas normas em matéria de serviços climáticos.
A atualização prevista das normas dos edifícios (Eurocódigos), que estabelecerá os requisitos mínimos de conceção estrutural na UE em 2026, tornará obrigatória a ponderação dos futuros riscos climáticos na conceção das estruturas dos edifícios. A Comissão está a realizar estudos‑piloto e elaborará orientações destinadas aos Estados-Membros sobre a utilização de conjuntos de dados climáticos de acesso livre para definir a carga climática prevista nos respetivos territórios.
O Festival do Novo Bauhaus Europeu, agendado para abril de 2024, é uma oportunidade fundamental para encetar um diálogo com diferentes partes do setor da construção, a fim de promover uma melhor integração da adaptação e da resiliência às alterações climáticas nesse setor.
Todas as infraestruturas de transporte estão em risco devido às alterações climáticas. No entanto, existe um défice de conhecimento na UE no que diz respeito à resiliência das infraestruturas de transporte europeias aos impactos das alterações climáticas em termos da exposição ao risco, das necessidades e soluções de adaptação, bem como das necessidades de investimento para lhes dar resposta. A Comissão apoiará as avaliações dos riscos climáticos e a resistência às alterações climáticas através de orientações revistas sobre o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes (RTE-T). A Comissão iniciou um estudo
sobre a resiliência da RTE-T às alterações climáticas como primeiro passo para colmatar o défice de conhecimento identificado e determinar as necessidades de adaptação e as prioridades de investimento.
É necessário reforçar o planeamento dos riscos climáticos no setor da energia. As alterações climáticas aumentam os riscos para a segurança energética, em especial os riscos de perturbações no fornecimento de eletricidade devido ao calor, aos incêndios florestais, às secas e às inundações, que afetam os picos de carga, bem como a produção, o armazenamento, o transporte e a distribuição. Apenas alguns Estados-Membros incluíram nos seus projetos de PNEC atualizados planos pormenorizados para ter em conta a adaptação às alterações climáticas no contexto da resiliência dos seus sistemas energéticos. A Comissão estudará as possibilidades de uma melhor integração dos riscos climáticos, por exemplo no contexto da revisão em curso do Regulamento Governação da União da Energia e da Ação Climática. Tendo por base os planos nacionais de preparação do setor da eletricidade, a Comissão ponderará igualmente a possibilidade de encetar um diálogo sobre os riscos climáticos com determinadas partes interessadas do setor da energia e convida os intervenientes interessados (por exemplo, o setor da eletricidade) a apresentarem propostas.
4.6.Economia
Cada catástrofe relacionada com as alterações climáticas exercerá uma pressão adicional sobre a economia, devido à perda de produtividade e de vidas humanas, aos danos diretos, à redução do potencial de crescimento e à pressão sobre os orçamentos públicos. Quando o investimento é reorientado para a reconstrução após a ocorrência de danos, o montante disponível para investimentos produtivos diminui. As interações entre as diferentes partes do sistema financeiro não são bem compreendidas e, devido aos riscos climáticos, as vulnerabilidades existentes poderão ultrapassar os limiares críticos desses sistemas. Os orçamentos públicos são a principal fonte de cobertura destes riscos, mas já estão limitados pelos elevados níveis de dívida. Os passivos contingentes implícitos decorrentes dos riscos climáticos poderão comprometer a estabilidade e a sustentabilidade orçamentais dos Estados-Membros. Os riscos para a economia da UE poderão ser significativos.
A segurança económica da UE está igualmente exposta a riscos climáticos nas cadeias de abastecimento, nomeadamente no caso dos produtos farmacêuticos e dos semicondutores. Tendo em conta as lacunas de dados e de conhecimentos existentes, não é de excluir que os riscos relacionados com o clima sejam atualmente subavaliados, o que pode originar reações desordenadas no mercado, por exemplo quando ocorrem ou são suscetíveis de ocorrer fenómenos extremos. Na UE, a cobertura de seguro dos ativos e bens expostos às alterações climáticas é baixa, variando significativamente consoante os Estados-Membros e os riscos relacionados com o clima, e é provável que continue a diminuir face à subida dos prémios resultante do aumento da frequência e da gravidade dos fenómenos relacionados com o clima. Estão em curso trabalhos substanciais sobre os diversos riscos de sustentabilidade, nomeadamente no âmbito da estratégia da UE para o financiamento sustentável ou do Diálogo sobre a Resiliência Climática, que visa colmatar o défice de proteção contra o clima no domínio dos seguros.
A UE já tomou medidas importantes para mobilizar a ação climática e o comércio a nível mundial. A aliança de ministros do Comércio em matéria de alterações climáticas
, lançada e liderada conjuntamente pela União e pelo Equador, pelo Quénia e pela Nova Zelândia, reflete um reconhecimento crescente pelos governos de que existem interesses comuns numa correlação entre o clima e o comércio que permita reforçar o contributo que o comércio e a política comercial podem dar à ação climática. Os acordos comerciais bilaterais da UE podem constituir plataformas importantes para o diálogo com os parceiros comerciais em matéria de ação climática e ambiental
.
Os riscos relacionados com o clima constituem um importante perigo para a resiliência das empresas da UE, nomeadamente das PME. Os riscos climáticos afetam o acesso das PME ao financiamento, o seu custo de capital e a sua capacidade para reembolsar as dívidas. Quase metade das empresas da UE estão preocupadas com os perigos naturais, mas menos de um terço investiram ou tencionam investir na mitigação do impacto dos riscos naturais
. Tal como estabelecido na Estratégia da UE para as PME, é essencial ajudar as PME a compreender e mitigar os riscos ambientais. No âmbito da execução da estratégia europeia em matéria de segurança económica, a Comissão terá igualmente em conta os riscos climáticos. As ações previstas no pacote de medidas de apoio às PME, que visam, entre outros objetivos, facilitar o acesso das PME ao financiamento sustentável, minimizando simultaneamente os encargos administrativos, ajudam igualmente as empresas da UE a manter a sua posição competitiva e, potencialmente, a criar e liderar o desenvolvimento do mercado em segmentos que reforçam a resiliência às alterações climáticas. Tal inclui o apoio à sociedade e a conquista de uma quota significativa do mercado mundial de tecnologias e sistemas de informação ao serviço da resiliência às alterações climáticas e da gestão dos riscos. A fim de melhorar a resiliência sistémica das cadeias de abastecimento da UE, a Comissão avaliará o potencial da análise dos riscos climáticos físicos no contexto da monitorização das vulnerabilidades das cadeias de abastecimento.
Existe uma clara necessidade de reforçar a sustentabilidade orçamental. O acordo provisório sobre um novo quadro de governação económica deverá reforçar a sustentabilidade orçamental e promover o crescimento graças a reformas e investimentos, em especial no que diz respeito a prioridades comuns da UE, como a transição climática
. Estão em curso trabalhos para obter uma projeção dos impactos climáticos na sustentabilidade da dívida. No âmbito do acordo provisório, as alterações da Diretiva relativa aos quadros orçamentais nacionais incluem requisitos de comunicação de informações relacionadas com o clima nos planos orçamentais nacionais anuais e plurianuais. Estas disposições abrangem dados históricos relativos às perdas resultantes de catástrofes relacionadas com o clima e estimativas dos riscos orçamentais decorrentes das alterações climáticas. A fim de melhorar e integrar a orçamentação dos riscos climáticos nos processos orçamentais nacionais, a Comissão está preparada para apoiar os Estados-Membros no intercâmbio de boas práticas e a disponibilizar apoio técnico e formação. Estão em curso trabalhos para aperfeiçoar as estimativas das necessidades de investimento na adaptação
, e a Comissão trabalhará igualmente com os Estados-Membros para colmatar as lacunas de dados, nomeadamente para estimar as necessidades nacionais de investimento na adaptação. A Comissão está preparada para apoiar os tesouros dos Estados-Membros que pretendam trocar pontos de vista sobre o seu papel na coordenação, formulação e execução das políticas de adaptação.
As políticas relativas aos mercados financeiros devem adotar uma abordagem prudente no que diz respeito aos riscos climáticos, a fim de salvaguardar a estabilidade financeira. A estratégia da UE para o financiamento sustentável visa aumentar a transparência dos riscos climáticos e de outros riscos ambientais e a segurança do sistema financeiro da UE. A Comissão continuará a assegurar que todos os riscos significativos sejam devidamente refletidos nos quadros prudenciais, por exemplo, nas propostas, recentemente aprovadas, relativas ao Regulamento Solvência II e ao Regulamento Requisitos de Fundos Próprios, que constituem a base para integrar os riscos climáticos nos quadros aplicáveis aos bancos e às seguradoras. A Comissão assegurará a sua rápida execução.
5.Próximas etapas
No âmbito da execução da Estratégia da UE para a Adaptação às Alterações Climáticas, a presente comunicação salienta as principais medidas que a UE e os Estados-Membros devem tomar para gerirem melhor os crescentes riscos climáticos e, em especial, aplicarem as políticas existentes e clarificarem a responsabilização pela gestão dos riscos nos processos de governação. O objetivo é dar uma resposta sólida e atempada ao perigo claro e atual de mais catástrofes climáticas.
A comunicação sublinha a necessidade de possuir dados úteis para a tomada de decisões, como o relatório da EUCRA, as observações mais recentes das temperaturas, relatórios intercalares e informações sobre os custos dos danos climáticos. Salienta a necessidade de utilizar plenamente as informações disponíveis para fundamentar as escolhas políticas em todos os setores. Nos próximos anos, os decisores políticos a todos os níveis de governação deverão abordar a adaptação às alterações climáticas de forma proativa, utilizando instrumentos, tecnologias e outros meios já existentes. Tal exige uma ação concertada a todos níveis e a definição de um rumo claro para a melhoria da preparação e da resiliência.
Embora se centre na ação da União Europeia, a presente comunicação prevê igualmente o intercâmbio e a partilha de experiências e informações com os países parceiros da UE. A abrangência do presente documento, em termos de setores e domínios de ação, está amplamente alinhada com as decisões relacionadas com a adaptação às alterações climáticas adotadas na COP28 da CQNUAC, realizada no Dubai. A Comissão incluirá proativamente temas pertinentes em diálogos bilaterais, através das alianças verdes e das parcerias verdes, bem como nas Nações Unidas e noutras instâncias multilaterais influentes (como o G7, o G20, a OCDE, o FEM e a OMC). Além disso, a Comissão estudará a possibilidade de organizar um simpósio internacional sobre a gestão dos riscos climáticos mundiais em 2025, reunindo representantes governamentais, financiadores e organizações especializadas de todo o mundo.
A Comissão continuará a trabalhar com os Estados-Membros, o público, as empresas e as outras instituições da UE para aumentar a resiliência da sociedade e da economia da UE. Juntos, podemos proteger os nossos cidadãos e a nossa prosperidade.