Processo C‑443/02

Processo penal

contra

Nicolas Schreiber

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Pordenone)

«Artigo 28.° CE – Directiva 98/8/CE – Colocação no mercado de produtos biocidas – Medida nacional que exige uma autorização para a colocação no mercado de placas de madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Limitação da colocação no mercado de substâncias e preparações perigosas – Directiva 98/8 relativa aos produtos biocidas – Conceito de produtos biocidas – Placas de madeira de cedro vermelho – Inclusão – Legislação nacional que sujeita a colocação no mercado a autorização prévia – Admissibilidade

[Directiva 98/8 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, n.° 1, alínea a), e 3.°, n.° 2, alínea ii)]

2.        Aproximação das legislações – Produtos biocidas – Directiva 98/8 – Produto colocado no mercado num Estado‑Membro sem autorização prévia – Legislação de outro Estado‑Membro que faz depender de uma autorização a comercialização do mesmo produto – Admissibilidade

(Directiva 98/8 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 1)

3.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Legislação nacional que proíbe a colocação no mercado dos produtos biocidas sem autorização prévia – Justificação – Protecção da saúde pública – Carácter proporcionado da medida – Admissibilidade

(Artigos 28.° CE e 30.° CE)

1.        O artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da Directiva 98/8, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado, não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça.

Efectivamente, tais placas não podem ser qualificadas de produto que contém apenas uma «substância de base» para fins biocidas, de modo a poderem ser colocadas no mercado num Estado‑Membro sem autorização nem registo prévio, devendo antes ser qualificadas de «produto biocida» na acepção da Directiva 98/8 na medida em que são vendidas como produtos antitraça que contêm uma substância activa que provoca um efeito repelente destes lepidópteros e constam da lista do anexo V da mesma directiva. A este respeito, a circunstância de o efeito repelente de uma substância activa ter carácter natural não pode excluir a qualificação das referidas placas de «produto biocida».

(cf. n.os 28, 30, 32‑33, disp. 1)

2.        O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 98/8, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado, não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a uma autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado.

(cf. n.° 39, disp. 2)

3.        Um regime nacional que sujeita a autorização prévia a comercialização de placas de madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado‑Membro, constitui uma medida de efeito equivalente contrária ao artigo 28.° CE, que pode, no entanto, considerar‑se justificada por motivos relativos à protecção da saúde pública nos termos do artigo 30.° CE quando esse regime de autorização corresponde ao nível de protecção da saúde pública que o Estado‑Membro em causa pretende assegurar no que respeita à colocação no mercado de todo e qualquer produto biocida, e que não é, por conseguinte, desproporcionado relativamente a este objectivo.

(cf. n.os 49‑50, disp. 3)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
15 de Julho de 2004(1)

«Artigo 28.° CE – Directiva 98/8/CE – Colocação no mercado de produtos biocidas – Medida nacional que exige uma autorização para a colocação no mercado de placas de madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça»

No processo C-443/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Tribunale di Pordenone (Itália), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Nicolas Schreiber,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO L 123, p. 1), bem como do artigo 28.° CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, A. Rosas, S. von Bahr, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de N. Schreiber, por M. Casini e F. Capelli, avvocati,

em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Ström, na qualidade de agente, assistida por M. Moretto, avocat,

ouvidas as alegações de N. Schreiber e da Comissão na audiência de 8 de Janeiro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Fevereiro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 20 de Novembro de 2002, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de Dezembro seguinte, o Tribunale di Pordenone submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, cinco questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO L 123, p. 1), bem como do artigo 28.° CE.

2
Estas questões foram submetidas no âmbito de um processo penal contra N. Schreiber na sequência de uma infracção à regulamentação nacional que prevê uma autorização para colocação no mercado de placas de madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça.


Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

Definições

3
Segundo o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 98/8, entende‑se por «[p]rodutos biocidas»: «[s]ubstâncias activas e preparações que contenham uma ou mais substâncias activas, apresentadas sob a forma em que são fornecidas ao utilizador, e que se destinem a destruir, travar o crescimento, tornar inofensivo, evitar ou controlar de qualquer outra forma a acção de um organismo prejudicial por mecanismos químicos ou biológicos».

4
Nos termos do n.° 1, alínea b), do mesmo artigo, os «[p]rodutos biocidas de baixo risco» são definidos como «produtos biocidas que tenham como substância(s) activa(s) apenas uma ou mais substâncias das enumeradas no anexo I A e que não contenham nenhuma(s) substância(s) potencialmente perigosa(s)».

5
Segundo o artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 98/8, entende‑se por «[s]ubstâncias de base»: «[a]s substâncias enumeradas no anexo I B cuja utilização principal não seja como pesticidas, mas que tenham uma utilização marginal como biocidas, quer directamente quer como componentes de produtos constituídos pela substância e um diluente simples que não seja ele mesmo uma substância preocupante, e que não sejam directamente comercializadas para esta utilização como biocidas».

6
A Directiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas (JO 1967, 196, p. 1; EE 13 F1 p. 50), na redacção dada pela Directiva 92/32/CEE do Conselho, de 30 de Abril de 1992 (JO L 154, p. 1), a que a Directiva 98/8 se refere, define as «substâncias» como «elementos químicos e seus compostos no seu estado natural ou tal como obtidos por qualquer processo de produção […]».

Normas substantivas

7
Segundo os primeiro, terceiro e oitavo considerandos, a Directiva 98/8 visa instaurar um regime comunitário de colocação no mercado de produtos pesticidas não agrícolas (biocidas), a fim de ter em conta as preocupações de saúde pública que estão na base das diferentes regulamentações restritivas dos Estados‑Membros na matéria.

8
Para este efeito, esta directiva prevê, no seu artigo 3.°, n.os 1 e 2, que:

«1.     Os Estados‑Membros determinarão que os produtos biocidas só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território caso tenham sido autorizados em conformidade com o disposto na presente directiva.

2.       Em derrogação do disposto no n.° 1:

i)
Os Estados‑Membros permitirão a colocação no mercado e a utilização de um produto biocida de baixo risco, desde que tenha sido apresentado e verificado pelas autoridades competentes um processo que obedeça aos requisitos do n.° 3 do artigo 8.° e que o produto tenha sido registado.

Salvo disposição em contrário, todos os requisitos relativos à autorização nos termos da presente directiva são igualmente aplicáveis ao registo;

ii)
Os Estados‑Membros permitirão a colocação no mercado e a utilização de substâncias de base para efeitos biocidas depois de estas terem sido incluídas no anexo I B.»

9
O artigo 4.°, n.° 1, primeiro período, da referida directiva prevê, no que respeita ao «[r]econhecimento mútuo de autorizações», que «[s]em prejuízo do disposto no artigo 12.°, os produtos biocidas já autorizados ou registados num Estado‑Membro devem ser autorizados ou registados noutro Estado‑Membro no prazo de 120 dias, ou 60 dias, respectivamente, após a recepção do pedido nesse outro Estado‑Membro, desde que a substância activa do produto biocida esteja incluída no anexo I ou no anexo I A e obedeça aos requisitos do mesmo».

10
Assim, o anexo I deve estabelecer a lista das substâncias activas aprovadas a nível comunitário para inclusão nos produtos biocidas, enquanto o anexo I A deve estabelecer a das substâncias activas aprovadas para inclusão em produtos biocidas de baixo risco e o anexo I B a das substâncias de base.

11
O artigo 16.° da Directiva 98/8 prevê um período transitório de dez anos. Este período permite, designadamente, a elaboração dos anexos I, I A e I B.

Legislação nacional

Definições

12
Os conceitos de «produto biocida», de «produto biocida de baixo risco» e de «substância de base» são definidos no artigo 2.° do Decreto legislativo n.° 174, de 25 de Fevereiro de 2000 (GURI, suplemento ordinário n.° 149, de 28 de Junho de 2000, a seguir «decreto biocidas»).

Normas substantivas

13
O referido decreto transpôs a Directiva 98/8.

14
Nos seus artigos 3.° e 4.°, exige uma autorização para a colocação no mercado de produtos biocidas e um registo dos produtos biocidas de baixo risco. No que respeita aos produtos que contenham apenas uma substância de base, este decreto dispõe, no seu artigo 5.°, que a sua colocação no mercado e a sua utilização são possíveis sem autorização nem registo, desde que estejam inscritos na lista correspondente estabelecida a nível comunitário.

15
Durante o período transitório previsto no artigo 16.° da Directiva 98/8, o artigo 17.°, n.° 1, do decreto biocidas prevê que o Ministero della Sanita (Ministério da Saúde) pode aplicar a regulamentação em vigor em matéria de colocação no mercado de produtos biocidas, resultante do Decreto n.° 392 do Presidente da República, de 6 de Outubro de 1998, sobre o fabrico e a colocação no mercado de agentes médico‑cirúrgicos (GURI n.° 266, de 13 de Novembro de 1998, a seguir «decreto agentes médico‑cirúrgicos»).

16
Este último decreto sujeita, no seu artigo 1.°, a autorização prévia a colocação no mercado de produtos que tenham um efeito repelente sobre os insectos.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17
As autoridades italianas instauraram um processo penal contra N. Schreiber, na sua qualidade de administrador delegado da sociedade LIDL‑ITALIA Srl, por esta sociedade ter colocado no mercado, em Março de 2001, sem antes obter a autorização exigida pela regulamentação italiana, 20 embalagens de placas de madeira de cedro vermelha com propriedades naturais antitraça provenientes da Alemanha, produto considerado «agente médico‑cirúrgico» na acepção do decreto agentes médico‑cirúrgicos.

18
N. Schreiber afirma que estas placas são um produto que apenas contém uma «substância de base» na acepção da Directiva 98/8 que devia beneficiar, de acordo com o artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), desta directiva, da possibilidade de colocação no mercado sem autorização nem registo. A título subsidiário, defende que a regulamentação nacional é contrária ao artigo 28.° CE.

19
Nestas condições, o Tribunale di Pordenone decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
O artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 98/8/CE deve ser interpretado, à luz da regulamentação geral que a referida directiva instaurou no ordenamento comunitário, no sentido de que as expressões ‘produtos biocidas’ e ‘produtos biocidas de baixo risco’ se referem apenas a produtos cuja função biocida depende de princípios activos inseridos nos próprios produtos por meios químicos ou biologicamente, através de operações expressamente destinadas a obter essa inserção com a finalidade de conferir aos referidos produtos uma função biocida?

2)
O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 98/8/CE deve ser interpretado, à luz da regulamentação geral que a referida directiva instaurou no ordenamento comunitário, no sentido de que a expressão ‘substâncias de base’ se refere a substâncias que não são inseridas num produto para permitir que este desempenhe uma função biocida que se pretende obter mas que esta função biocida é assegurada a par das demais funções normalmente desempenhadas pelo produto durante a sua utilização […]?

3)
Um pedaço de madeira de cedro vermelho, pelo simples facto de ser comercializado como ‘antitraça’, pode ser classificado como ‘produto biocida’ ou como ‘produto biocida de baixo risco’ ou ainda como ‘substância de base’ […], tendo em consideração que: a) a madeira em questão não recebeu qualquer tratamento químico nem biológico; b) a substância de que podem resultar os efeitos atribuídos à madeira está presente naturalmente nesse produto; c) o produto é, no essencial, comercializado tal como se encontra naturalmente?

4)
O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 98/8/CE deve ser interpretado no sentido de que só quando uma ‘substância de base’ faça parte da enumeração do anexo I B poderá ser dispensada da autorização e do registo previstos para a colocação no mercado, nos Estados‑Membros, dos produtos a que se refere o citado artigo 2.°, revestindo, portanto, esta inscrição na lista do anexo I B eficácia constitutiva para todos os efeitos?

5)
O artigo 4.° da Directiva 98/8/CE deve ser interpretado, tendo em conta os artigos 28.° e 30.° do Tratado CE, no sentido de que um produto, como o descrito na questão n.° 3, legalmente comercializado num Estado‑Membro sem necessidade de autorização ou de registo nesse Estado, pode ser sujeito a autorização ou a registo noutro Estado‑Membro no qual seja posteriormente comercializado, pelo facto de o referido produto não constar da enumeração da lista do anexo I B da Directiva 98/8/CE?»


Quanto às questões prejudiciais

Observações liminares

20
Importa recordar que, na data dos factos imputados no processo principal, a harmonização prevista pela Directiva 98/8 não estava ainda plenamente realizada, uma vez que a elaboração a nível comunitário dos anexos I, I A e I B dessa directiva, que enumeram as substâncias activas cuja utilização é autorizada nos produtos biocidas, nos produtos biocidas de baixo risco e nos produtos que apenas contenham substâncias de base, ainda estava em curso. Com efeito, o exame das substâncias activas notificadas para efeitos da sua inclusão eventual nestes anexos só deveria estar concluído entre 2006 e 2010.

21
Resulta, contudo, do Regulamento (CE) n.° 2032/2003 da Comissão, de 4 de Novembro de 2003, relativo à segunda fase do programa de trabalho de dez anos mencionado no n.° 2 do artigo 16.° da Directiva 98/8, que altera o Regulamento (CE) n.° 1896/2000 (JO L 307, p. 1), que a Comissão elaborou entretanto uma lista das substâncias activas que não serão inscritas em qualquer destes anexos, quer porque nenhuma notificação relativa a tais substâncias foi aceite pela Comissão, quer porque nenhum Estado‑Membro manifestou interesse por elas. Resulta do artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento, conjugado com o anexo III do mesmo regulamento, que, a partir de 1 de Setembro de 2006, certos produtos biocidas que contenham substâncias activas constituintes de essências naturais, como o óleo de cedro e o óleo de essência de cedro, deixarão de poder ser colocados no mercado dos territórios dos Estados‑Membros.

22
Tendo em conta o teor das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça não necessita, contudo, de verificar se a proibição total de comercialização dos produtos biocidas que contenham essências naturais constitui uma medida proporcional aos objectivos prosseguidos pela referida regulamentação comunitária.

Quanto às quatro primeiras questões: obrigação de os Estados‑Membros permitirem a colocação no mercado de produtos que apenas contenham «substâncias de base»

23
Nas suas quatro primeiras questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da Directiva 98/8 se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas de madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal (a seguir «regime de autorização prévia em causa no processo principal»).

Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se tais placas podem ser qualificadas de produto que apenas contém uma «substância de base», de forma a poderem, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da referida directiva, ser colocadas no mercado, em Itália, sem autorização nem registo prévio, ou se devem ser qualificadas de «produto biocida» ou «produto biocida de baixo risco» na acepção da Directiva 98/8.

24
A este respeito, importa notar que o artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da referida directiva prevê a obrigação de os Estados‑Membros permitirem a colocação no mercado, sem autorização nem registo prévio, dos produtos que apenas contenham substâncias de base quando estas estejam inscritas no anexo I B.

25
Segundo a definição do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 98/8, para ser qualificada de «substância de base», uma substância deve preencher três condições, a saber: estar inscrita no anexo I B, ser utilizada principalmente em produtos que não sejam pesticidas, mas ser ao mesmo tempo marginalmente utilizada como biocida e não ser directamente comercializada para uma utilização biocida.

26
Em contrapartida, os «produtos biocidas» são, segundo a definição dada no mesmo número, alínea a), substâncias activas apresentadas sob a forma em que são fornecidas ao utilizador, e que se destinem a destruir, a travar o crescimento ou a tornar inofensivos os organismos prejudiciais por mecanismos químicos ou biológicos. No anexo V da Directiva 98/8 é apresentada uma lista exaustiva de tipos de produtos biocidas.

27
Por último, o referido número, alínea b), define «produtos biocidas de baixo risco» como os produtos biocidas que contenham como substâncias activas apenas uma ou mais substâncias das enumeradas no anexo I A e que não contenham nenhuma substância potencialmente perigosa.

28
No processo principal, é pacífico que as placas de madeira de cedro em causa foram vendidas como produtos antitraça, que continham óleo (essência) de cedro, substância activa que, ao evaporar‑se, provoca um efeito repelente destes lepidópteros e, por fim, que fazem parte de um dos tipos de produtos que constam na lista do anexo V da Directiva 98/8. Em contrapartida, na data dos factos do processo principal, a hipótese de inscrição da substância activa contida nestas placas, a saber, o óleo (essência) de cedro, num dos anexos I A ou I B da referida directiva não podia ser considerada, uma vez que a elaboração destes anexos ainda não estava concluída.

29
Nestas condições, as referidas placas não podem ser qualificadas de produto que contém apenas uma «substância de base» ou de «produto biocida de baixo risco» na acepção da Directiva 98/8. Devem, em contrapartida, ser consideradas um «produto biocida» na acepção desta directiva.

30
Há que acrescentar que, neste contexto, pouco importa saber se o efeito repelente de uma substância activa tem carácter natural ou se resulta de uma manipulação química ou biológica. A simples qualidade de substância natural não pode excluir a existência de um perigo para os seres humanos, os animais ou o ambiente. Por outro lado, por força da remissão operada pelo artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da referida directiva para as definições do artigo 2.° da Directiva 67/548, definem‑se como «substância» os elementos químicos e os seus compostos tal como se apresentam no estado natural ou tal como são produzidos pela indústria.

31
Além disso, importa notar que é hoje certo que as placas em madeira de cedro, tal como as que estão em causa, não são nem um produto que contém apenas uma «substância de base», nem um «produto biocida de baixo risco» na acepção da Directiva 98/8. Com efeito, resulta do anexo III do Regulamento n.° 2032/2003 que o óleo (essência) de cedro não será inscrita num dos anexos I A ou I B da referida directiva. Apesar da sua identificação como «substância activa existente» na acepção do Regulamento (CE) n.° 1896/2000 da Comissão, de 7 de Setembro de 2000, referente à primeira fase do programa referido no n.° 2 do artigo 16.° da Directiva 98/8 (JO L 228, p. 6), não foi aceite pela Comissão qualquer notificação que lhe dissesse respeito e nenhum Estado‑Membro manifestou interesse por ela.

32
Importa, consequentemente, responder às quatro primeiras questões que o artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da Directiva 98/8 não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal.

33
Efectivamente, tais placas não podem ser qualificadas de produto que contém apenas uma «substância de base», de modo a poderem ser colocadas no mercado em Itália sem autorização nem registo prévio, devendo antes ser qualificadas de «produto biocida» na acepção da Directiva 98/8.

Quanto à primeira parte da quinta questão: obrigação de os Estado‑Membros reconhecerem as autorizações e registos concedidos por outro Estado‑Membro

34
Na primeira parte da sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 98/8 se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas de madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro.

35
A este respeito, importa notar que o referido número prevê uma obrigação de os Estados‑Membros reconhecerem as autorizações e os registos concedidos por outro Estado‑Membro desde que a substância activa do produto esteja inscrita no anexo I ou I A.

36
No processo principal, importa observar que as placas de madeira de cedro em causa não foram objecto nem de autorização de colocação no mercado nem de registo noutro Estado‑Membro.

37
Além disso, na data dos factos do processo principal, ainda não era possível prever se o óleo (essência) de cedro seria inscrito no anexo I ou I A da referida directiva.

38
Por outro lado, resulta do anexo III do Regulamento n.° 2032/2003 que o óleo (essência) de cedro não será inscrito no anexo I ou I A da referida directiva.

39
Importa, consequentemente, responder à primeira parte da quinta questão que o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 98/8 não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro.

Quanto à segunda parte da quinta questão: direito à livre circulação de mercadorias

40
Na segunda parte da sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 28.° CE se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a uma autorização prévia a comercialização de placas de madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro.

41
A este respeito, importa indicar que, segundo jurisprudência assente, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 28.° CE e é pois, em princípio, proibida qualquer regulamentação comercial dos Estados-Membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423, e de 11 de Dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 66).

42
Entretanto, na falta de medidas comunitárias de harmonização, a livre circulação de um produto pode ser limitada por regulamentações nacionais justificadas quer por uma das razões previstas no artigo 30.° CE, quer por exigências imperativas (acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral, dito «Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327, n.° 8).

43
Ao adoptarem medidas nacionais para protegerem a saúde pública na acepção do artigo 30.° CE, incumbe aos Estados‑Membros decidir do nível a que pretendem assegurar tal protecção (v., neste sentido, acórdãos de 17 de Dezembro de 1981, Frans‑Nederlandse Maatschappij voor Biologische Producten, 272/80, Recueil, p. 3277, n.° 12; de 27 de Junho de 1996, Brandsma, C‑293/95, Colect., p. I‑3159, n.° 11, e de 17 de Setembro de 1998, Harpegnies, C‑400/96, Colect., p. I‑5121, n.° 33). Contudo, estas regulamentações nacionais devem ser proporcionais aos objectivos prosseguidos (v. acórdãos de 14 de Junho de 1983, Sandoz, 174/82, Recueil, p. 2445, n.° 18, e Harpegnies, já referido, n.° 34).

44
No processo principal, há que, portanto, examinar sucessivamente quatro pontos, a saber, a existência de uma restrição na acepção do artigo 28.° CE, a existência de medidas de harmonização comunitárias na matéria, a possibilidade de uma justificação do regime de autorização prévia em causa no processo principal à luz do artigo 30.° CE e o carácter proporcionado deste regime.

45
Em primeiro lugar, há que observar que um regime que proíbe a colocação de produtos biocidas no mercado sem autorização prévia constitui uma restrição à livre circulação de mercadorias na acepção do artigo 28.° CE (v., neste sentido, acórdãos já referidos Brandsma, n.° 6, e Harpegnies, n.° 30).

46
Em segundo lugar, há que indicar que, na data dos factos, a colocação no mercado de placas em madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal não era objecto de uma harmonização completa a nível comunitário, na medida em que, por um lado, a elaboração dos anexos I, I A e I B da Directiva 98/8 ainda não estava concluída e, por outro, não estava previsto nenhum regime para este produto. Nessa data, contudo, a Directiva 98/8 definia já o conceito de «produto biocida» de modo harmonizado.

47
Em terceiro lugar, importa observar que um regime de autorização prévia tal como o que está em causa no processo principal prossegue um objectivo incluído na protecção da saúde pública na acepção do artigo 30.° CE. Com efeito, uma vez que as placas de madeira de cedro como as que estão em causa no processo principal devem ser consideradas «produtos biocidas» na acepção da Directiva 98/7 e que, segundo o terceiro considerando desta directiva, os produtos biocidas podem pôr em risco os seres humanos, os animais e o ambiente de diversas formas, devido às suas propriedades intrínsecas e aos padrões de utilização que lhes estão associados, um regime que exija uma autorização prévia à sua colocação no mercado responde a objectivos de protecção da saúde pública.

48
Em quarto lugar, importa observar que o regime de autorização prévia em causa no processo principal é proporcional ao fim legítimo prosseguido. Efectivamente, embora seja verdade que as placas em madeira de cedro como as que estão em causa no processo principal podem ser colocadas no mercado, na Alemanha, sem autorização nem registo prévio, o facto de um Estado‑Membro impor regras menos estritas que as impostas por outro Estado‑Membro não significa que estas últimas sejam desproporcionadas (v., neste sentido, acórdão de 10 de Maio de 1995, Alpine Investments, C‑384/93, Colect., p. I‑1141, n.° 51).

49
Nestas circunstâncias, um regime que sujeita a autorização prévia a colocação no mercado de placas de madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça deve ser qualificado como medida de efeito equivalente contrária ao artigo 28.° CE. Contudo, uma vez que tal regime corresponde ao nível de protecção da saúde pública que o Estado‑Membro em causa pretende assegurar no que respeita à colocação no mercado de todo e qualquer produto biocida, e que não é desproporcionado relativamente a este objectivo, pode considerar‑se justificado com base no artigo 30.° CE.

50
Consequentemente, há que responder à segunda parte da quinta questão que o facto de um Estado‑Membro sujeitar a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro tais como as que estão em causa no processo principal, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro, constitui uma medida de efeito equivalente contrária ao artigo 28.° CE, que pode, no entanto, considerar‑se justificada por motivos relativos à protecção da saúde pública nos termos do artigo 30.° CE.


Quanto às despesas

51
As despesas efectuadas pelo Governo belga e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Pordenone, por despacho de 20 de Novembro de 2002, declara:

1)
O artigo 3.°, n.° 2, alínea ii), da Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado, não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça.

Efectivamente, tais placas não podem ser qualificadas de produto que contém apenas uma «substância de base», de modo a poderem ser colocadas no mercado em Itália sem autorização nem registo prévio, devendo antes ser qualificadas de «produto biocida» na acepção da Directiva 98/8.

2)
O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 98/8 não se opõe a que um Estado‑Membro sujeite a uma autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro.

3)
O facto de um Estado‑Membro sujeitar a autorização prévia a comercialização de placas em madeira de cedro vermelho com propriedades naturais antitraça, que são legalmente colocadas no mercado noutro Estado‑Membro sem que seja necessário uma autorização ou um registo neste último Estado-Membro, constitui uma medida de efeito equivalente contrária ao artigo 28.° CE, que pode, no entanto, considerar‑se justificada por motivos relativos à protecção da saúde pública nos termos do artigo 30.° CE.

Jann

Rosas

von Bahr

Silva de Lapuerta

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Julho de 2004.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

P. Jann


1
Língua do processo: italiano.