ISSN 1977-1010 |
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Jornal Oficial da União Europeia |
C 97 |
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Edição em língua portuguesa |
Comunicações e Informações |
63.° ano |
Índice |
Página |
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I Resoluções, recomendações e pareceres |
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PARECERES |
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Comité Económico e Social Europeu |
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548.a reunião plenária do CESE, 11.12.2019-12.12.2019 |
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2020/C 97/01 |
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2020/C 97/02 |
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2020/C 97/03 |
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2020/C 97/04 |
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2020/C 97/05 |
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2020/C 97/06 |
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2020/C 97/07 |
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III Atos preparatórios |
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Comité Económico e Social Europeu |
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548.a reunião plenária do CESE, 11.12.2019-12.12.2019 |
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2020/C 97/08 |
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2020/C 97/09 |
PT |
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I Resoluções, recomendações e pareceres
PARECERES
Comité Económico e Social Europeu
548.a reunião plenária do CESE, 11.12.2019-12.12.2019
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/1 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Fiscalidade/investimento privado e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — Cooperação com o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal
[parecer de iniciativa]
(2020/C 97/01)
Relator: |
Krister ANDERSSON |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
Decisão da Plenária |
24.1.2019 |
Competência |
Secção da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social |
Adoção em secção |
29.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
129/0/2 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
As políticas fiscais são fundamentais para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na medida em que determinam o ambiente económico em que o investimento, o emprego e a inovação ocorrem, proporcionando simultaneamente receitas ao governo para financiar a despesa pública. A adoção de medidas suplementares para alinhar as políticas e reforçar a credibilidade pode dar um enorme contributo para aumentar o investimento privado e colmatar o défice de investimento ao nível mundial, estimulando a passagem de fluxos de capitais dos Estados com grande intensidade de capital para as economias em desenvolvimento com necessidades de investimento. |
1.2. |
As empresas fornecem bens e serviços valiosos para as economias e são motores importantes do investimento, da produtividade, do crescimento económico inclusivo e da criação de emprego. Pela sua diversidade e pelo facto de abrangerem desde pequenas e médias empresas (PME) a multinacionais, estas organizações constituem uma fonte importante de saber-fazer, criatividade e inovação, o que contribui para superar muitas das dificuldades que se colocam ao desenvolvimento sustentável. |
1.3. |
A existência de uma percentagem elevada de atividade económica informal reduz a base tributável, diminuindo ainda mais o potencial de cobrança de impostos e aumentando as distorções. As bases tributáveis devem ser o mais amplas possível, para evitar, tanto quanto possível, que as taxas de tributação provoquem distorções. |
1.4. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) realça que uma mobilização com êxito de recursos internos requer 1) que as decisões fiscais prévias sejam tomadas de uma forma aberta e transparente; 2) que sejam implementados sistemas para assegurar a responsabilização das organizações da sociedade civil e dos deputados; 3) que os governos sejam transparentes em matéria de impostos e de despesa; e 4) que os impostos sejam visíveis. |
1.5. |
O setor privado desempenha um papel importante na promoção da igualdade de género. As políticas salariais, bem como a formação e a educação no local de trabalho, são importantes para promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em matéria de progressão na carreira e evolução profissional. A participação das mulheres na economia mundial proporciona enormes oportunidades, que devem constituir um fator impulsionador do crescimento económico inclusivo, da inovação e da produtividade. |
1.6. |
As políticas em matéria de tributação das empresas da economia digital devem procurar promover, e não prejudicar, o crescimento económico e o comércio e investimento transfronteiras. Face à importância crescente das empresas digitais, é necessário criar uma nova metodologia para que o elemento de conexão e a imputação dos lucros determinem o modo de repartição dos direitos de tributação entre os países onde se localizam os mercados e o país onde as empresas multinacionais digitais têm a sua sede. |
1.7. |
O CESE considera importante que eventuais novas regras relativas à forma de repartição dos direitos de tributação entre países sejam justas tanto para os pequenos como para os grandes países consumidores, bem como para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Há que reconhecer a necessidade de uma remuneração adequada dos contributos realizados em matéria, nomeadamente, de inovação e de empreendedorismo. As receitas do imposto sobre as sociedades, embora representem apenas uma pequena parte do total das receitas fiscais, são importantes para efeitos de mobilização de recursos e para financiar as infraestruturas necessárias, a investigação e o desenvolvimento, a educação e os cuidados de saúde, etc. |
1.8. |
O CESE observa que os Estados-Membros da União Europeia (UE) estão entre os países com melhores resultados na consecução dos ODS. Salienta que a UE e os respetivos Estados-Membros têm de adotar medidas para assegurar a sustentabilidade dos sistemas orçamentais e de tributação, por forma a alcançar os ODS. A participação, a todos os níveis, da sociedade civil organizada é essencial para a consecução dos ODS, dado que a sociedade civil representa partes interessadas fundamentais na execução da Agenda 2030 e que uma grande parte do investimento necessário provirá do setor privado. |
1.9. |
O CESE congratula-se com a criação da Plataforma de Cooperação no domínio da Fiscalidade, que constitui uma iniciativa conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Grupo do Banco Mundial, dado que esta plataforma facilita as interações em matéria de definição de normas, de reforço de capacidades e de assistência técnica no domínio da fiscalidade internacional. O CESE considera que a UE também deve tornar-se membro da plataforma. |
1.10. |
O CESE considera que a atividade no domínio da fiscalidade/investimento privado e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, exercida pelo Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, é da maior importância para fazer avançar o diálogo ao nível mundial, contribuindo grandemente para a aprendizagem entre pares e o intercâmbio de boas práticas. O CESE frisa que a sociedade civil europeia deve desempenhar um papel ativo neste debate internacional crucial. |
2. Introdução ao investimento, à fiscalidade e aos ODS
2.1. |
A Agenda 2030 centra-se em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (1) e 169 metas que visam responder aos problemas ambientais, políticos e económicos que o mundo enfrenta. |
2.2. |
O investimento privado desempenha um papel importante na consecução desses objetivos e um maior alinhamento das políticas fiscais e de investimento constituiria um passo importante para promover o investimento, a criação de emprego e o crescimento económico sustentável à escala mundial. A OCDE já realizou algum trabalho importante neste sentido, com o lançamento do Plano de ação contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros (Plano de Ação BEPS) (2) e a publicação da iniciativa «Policy Coherence for Sustainable Development» [Coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável], em 2018 (3). |
2.3. |
As políticas fiscais são fundamentais para a realização dos ODS, na medida em que determinam o ambiente económico em que o investimento, a criação de emprego e a inovação ocorrem, proporcionando simultaneamente receitas ao Estado para financiar a despesa pública. A adoção de medidas suplementares para alinhar as políticas e reforçar a credibilidade pode dar um enorme contributo para aumentar o investimento privado e colmatar o défice de investimento ao nível mundial, estimulando a passagem de fluxos de capitais dos Estados com grande intensidade de capital para as economias em desenvolvimento com necessidades de investimento. |
2.4. |
A luta contra a elisão fiscal e a diminuição da concorrência fiscal ao nível mundial são extremamente importantes para a consecução dos ODS. Num período de austeridade e de restrições orçamentais, a diminuição das receitas fiscais provenientes das empresas tem efeitos negativos sobre a sustentabilidade dos sistemas de proteção social e pode conduzir a uma tributação regressiva, se a carga fiscal for transferida para os consumidores e os trabalhadores com baixos rendimentos. |
2.5. |
Os países em desenvolvimento com maior necessidade de recursos continuam a enfrentar dificuldades no que respeita à cobrança de impostos. Nesses países, a contribuição dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares é frequentemente muito reduzida, correspondendo a apenas uma pequena percentagem do produto interno bruto (PIB), enquanto nos países desenvolvidos a maior parte das receitas fiscais provém destes impostos, sobretudo se as contribuições para a segurança social também forem consideradas. |
2.6. |
O modo como as receitas fiscais são geridas e utilizadas também se reveste de grande importância. Importa salientar que alguns países, nomeadamente em África, despendem mais 25 % a 35 % nos setores da educação e da saúde para produzir os mesmos resultados que países mais avançados e mais eficientes (4). Por conseguinte, é importante assegurar que a despesa pública apresenta uma boa relação custo-eficácia. |
3. A fiscalidade enquanto instrumento de proteção do ambiente
3.1. |
A criação de um quadro e de um plano de execução coerentes no domínio da tributação da utilização de recursos naturais favoreceria a consecução de muitas das metas dos ODS relacionadas com a proteção do clima. As políticas de tributação ambiental podem ser utilizadas para combater as alterações climáticas (Objetivo n.o 13) (5) e proteger os ecossistemas marinhos e terrestres (Objetivos n.os 14 e 15 (6)). A política fiscal, através do seu impacto na estrutura de preços dos fatores de produção, pode ser utilizada para promover o acesso a energia limpa a custos acessíveis (Objetivo n.o 7) (7) e estimular o uso responsável dos recursos naturais comuns (Objetivo n.o 12) (8). |
3.2. |
Do ponto de vista económico, o objetivo dos impostos ambientais é corrigir externalidades, ou seja, situações em que os poluidores podem transferir os custos dos danos ambientais para a sociedade. Um exemplo disso mesmo é a emissão de gases com efeito de estufa. A participação da sociedade civil e das empresas no processo de criação deste tipo de impostos seria muito benéfica, pois asseguraria a articulação dos incentivos ao setor privado com objetivos públicos no âmbito das políticas que reforçam os quadros regulamentares (9). |
3.3. |
Um exemplo da combinação de políticas no domínio da fiscalidade é a supressão gradual dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis (meta 12.c) (10). Esta medida permitiria aos governos realizar economias orçamentais significativas e, ao mesmo tempo, tornar este tipo de combustível menos atrativo para as empresas e os consumidores. Estas economias, se forem redirecionadas para o aumento da quota das energias renováveis na matriz energética global (meta 7.2) (11), podem apoiar o acesso universal a energia limpa (meta 7.1) (12). A aplicação de políticas adicionais de incentivo ao investimento em infraestruturas de energia limpa (meta 7.b) (13) promoveria a dissociação do crescimento económico da degradação ambiental (meta 8.4) (14). |
3.4. |
O princípio de alinhar os incentivos às empresas pelos objetivos públicos é coerente com a Agenda de Ação de Adis Abeba (15), que encoraja as empresas a adotar um modelo de negócio principal que tenha em conta o impacto ambiental, social e na governação das suas atividades. As empresas fornecem bens e serviços valiosos para as economias e são motores importantes do investimento, da produtividade, do crescimento económico inclusivo e da criação de emprego. Pela sua diversidade e pelo facto de abrangerem desde PME a multinacionais, as empresas constituem uma fonte importante de saber-fazer, criatividade e inovação, o que contribui para superar muitas das dificuldades que se colocam ao desenvolvimento sustentável. A fim de concretizar os ODS relativos à luta contra as alterações climáticas, o setor privado deve aderir a um código de conduta que permita aumentar significativamente os investimentos ecológicos e reduzir ou eliminar os investimentos que tenham um impacto negativo no ambiente. |
3.5. |
Tendo em conta as interligações dos ODS, a participação da sociedade civil é fundamental para assegurar que o objetivo de desenvolvimento sustentável em três dimensões (económica, social e ambiental) se reflete na elaboração e na execução das políticas. Os impostos ambientais têm sido tradicionalmente identificados como regressivos, o que significa que têm um impacto maior nos agregados familiares com baixos rendimentos. Por conseguinte, é importante velar pela manutenção da sustentabilidade social das políticas. |
3.6. |
O CESE não concorda com uma tributação de caráter arbitrário, que não só teria um impacto negativo e desproporcionado nos cidadãos em situação de pobreza e mais desfavorecidos na sociedade como prejudicaria vários ODS. Por exemplo, o aumento substancial dos impostos sobre bens e serviços para os quais não existem alternativas viáveis constituiria apenas um encargo sem permitir alcançar objetivos. |
3.7. |
O CESE sublinha o papel que as organizações da sociedade civil desempenham no acompanhamento da realização dos ODS, bem como para assegurar medidas aceitáveis do ponto de vista social e identificar a necessidade de rever os indicadores (16). |
3.8. |
O CESE sublinha a necessidade de criar as condições adequadas para assegurar que os fundos públicos e privados são direcionados para os investimentos sustentáveis de longo prazo necessários a uma economia sustentável (17). |
4. Tributação da economia informal
4.1. |
A fim de financiar o investimento público e a despesa pública necessários ao cumprimento dos ODS, é importante que os governos alarguem a base tributável mediante a tributação dos rendimentos da economia informal. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, mais de 61 % da população ativa mundial (2 mil milhões de pessoas) assegura o seu sustento no setor informal, estando 93 % do emprego informal ao nível mundial concentrado nos países emergentes e em desenvolvimento. Por esta razão, é essencial definir políticas fiscais e um quadro institucional que possibilitem a integração do setor informal na economia formal. |
4.2. |
O papel preponderante da economia informal, em especial nos países em desenvolvimento, significa que as atividades económicas quotidianas de cidadãos e de empresas permanecem fora da base tributável. Em muitos casos, atuar fora da economia formal não é uma escolha ativa, constituindo, antes, a única alternativa, na prática, para empresas e trabalhadores que se veem impossibilitados de aceder ao setor formal ou foram excluídos deste. A inclusão da economia informal tem de ser promovida através de instituições eficazes (metas 16.a e 16.6) (18) que permitam aos trabalhadores, empresas e consumidores contribuir para a base de tributação do Estado e usufruir, em paralelo, da segurança social e de serviços. Em particular, deve ser dada prioridade à justiça, transparência, eficiência e eficácia dos sistemas fiscais enquanto condição prévia para o desenvolvimento sustentável. |
4.3. |
Muitas empresas estariam dispostas a formalizar a sua atividade, dado que existem custos ocultos para as PME que exercem a sua atividade fora da economia formal e várias vantagens para as empresas que procedem à formalização. Os benefícios da formalização incluem um acesso mais fácil ao crédito e a outros instrumentos financeiros (meta 8.10) (19), a programas de formação e de apoio, a contratos públicos e a direitos de propriedade, bem como a possibilidade de colaboração com empresas de maior dimensão. Os custos associados à formalização incluem os custos de registo e de licenciamento, do cumprimento fiscal e ainda do cumprimento da legislação laboral e de outra regulamentação governamental. A simplificação dos processos de registo, de licenciamento e de administração do cumprimento fiscal constituiria um incentivo para as empresas formalizarem a sua atividade. |
4.4. |
Em várias situações em que a economia informal é muito generalizada, são as empresas em geral, por vezes as cooperativas em particular, que podem dar um contributo importante para este processo, permitindo a muitas pessoas sem recursos económicos iniciar uma atividade económica e empresarial, mesmo com uma injeção de capital mínima. |
4.5. |
O incentivo à formalização de microempresas e de PME possibilitaria a aplicação de políticas favoráveis à criação de emprego e ao crescimento das empresas (meta 8.5) (20). A regulamentação laboral tendente a assegurar condições de trabalho dignas tem de ser respeitada (meta 8.5). De modo semelhante, uma maior supervisão e um controlo regular da atividade económica permitiriam aos governos adotar políticas, especialmente ao nível fiscal, salarial e de proteção social, para alcançar progressivamente uma maior igualdade (meta 10.4). |
4.6. |
Embora os benefícios de um sistema de cobrança de impostos funcional sejam evidentes, a implementação das mudanças necessárias para aumentar a capacidade dos Estados a este respeito continua a ser problemática. A experiência passada revela que muitos dos esforços envidados nesse sentido resultaram frequentemente em distorções, receitas baixas, despesas de cobrança elevadas, dificuldades na aplicação da lei e até mesmo fuga de capitais. Tendo em conta que muitos países em desenvolvimento dispõem de meios escassos, deve ser dada prioridade à aplicação de medidas para melhorar a eficiência administrativa e a eficácia dos sistemas fiscais. O setor privado pode prestar apoio em matéria de reforço das capacidades, transferindo as experiências dos países e das economias mais avançadas (21). |
4.7. |
Os governos devem ter em consideração os custos administrativos e de cumprimento quando procuram colmatar lacunas em matéria de receitas, seja através de impostos diretos ou indiretos. Há que dar especial atenção à situação das pessoas com um rendimento baixo e à distribuição da carga fiscal pelos níveis de rendimento. O aumento das desigualdades pode comprometer a motivação para o cumprimento das obrigações fiscais. O Comité considera que um sistema de tributação bem concebido e progressivo pode assegurar uma distribuição equitativa da carga fiscal e contribuir significativamente para reduzir as desigualdades e a pobreza. |
4.8. |
A existência de uma percentagem elevada de atividade económica informal reduz a base tributável, diminuindo ainda mais o potencial de cobrança de impostos e aumentando as distorções. É importante destacar a necessidade de mobilizar recursos para melhorar as entradas de receita interna (meta 17.1) (22) e combater a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Os países precisam de cooperar melhor entre si para combater os fluxos financeiros ilícitos e a UE deve ponderar a criação de uma lista coordenada de possíveis contramedidas. |
4.9. |
O CESE realça que uma mobilização com êxito de recursos internos requer 1) que as decisões fiscais prévias sejam tomadas de uma forma aberta e transparente; 2) que sejam implementados sistemas para assegurar a responsabilização das organizações da sociedade civil e dos deputados; 3) que os governos sejam transparentes em matéria de impostos e de despesa; e 4) que os impostos sejam visíveis (23). |
5. Fiscalidade e igualdade de género
5.1. |
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.o 5 visa a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e a promoção de políticas para a igualdade de género e o empoderamento das mulheres e raparigas. Uma condição prévia para o empoderamento das mulheres é garantir a igualdade de direitos em matéria de recursos económicos, bem como o acesso à propriedade e ao controlo sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e recursos naturais (meta 5.a) (24). A prossecução de uma política a favor da emancipação económica das mulheres promove a participação plena e efetiva das mulheres e fomenta a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública (meta 5.5) (25). A realização destes objetivos no que respeita à garantia dos direitos económicos das mulheres também contribui para uma melhor consecução de outros ODS, como o Objetivo n.o 8 (trabalho digno e crescimento económico) e o Objetivo n.o 16 (paz, justiça e instituições eficazes). |
5.2. |
O setor privado desempenha um papel importante na promoção da igualdade de género. As políticas salariais, bem como a formação e a educação no local de trabalho, são importantes para promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em matéria de progressão na carreira e evolução profissional. A participação das mulheres na economia mundial proporciona enormes oportunidades, que devem constituir um fator impulsionador do crescimento económico inclusivo, da inovação e da produtividade. |
5.3. |
Há um nexo importante entre a redução do setor informal e a igualdade de género. Quando as empresas não pagam impostos, a administração pública (estatal, regional e local) dispõe de menos fundos para serviços públicos, infraestruturas sustentáveis e proteção social, que são importantes para a igualdade de género. A falta de uma despesa social adaptada e de infraestruturas adequadas afeta particularmente as pessoas em situação de pobreza e, amiúde, as mulheres em especial. |
6. Fiscalidade na economia digital
6.1. |
A rápida digitalização da economia constitui um importante motor do crescimento económico ao nível mundial. Permite igualmente uma recolha mais eficaz de informação pelas autoridades tributárias e a prestação de um melhor serviço aos contribuintes. A digitalização das economias veio, contudo, dificultar a determinação do local onde são obtidos e gerados os rendimentos e os lucros e a forma de os distribuir entre os países. Os serviços digitais podem ser prestados à distância, sem presença física na jurisdição do mercado onde o consumo ocorre. |
6.2. |
As políticas em matéria de tributação das empresas da economia digital devem procurar promover, e não prejudicar, o crescimento económico e o comércio e investimento transfronteiras. Face à importância crescente das empresas digitais, é necessário criar uma nova metodologia para que o elemento de conexão e a imputação dos lucros determinem o modo de repartição dos direitos de tributação entre os países onde se localizam os mercados e o país onde as empresas multinacionais digitais têm a sua sede (26). |
6.3. |
Para esse efeito, é necessário encontrar uma solução internacionalmente aceite relativamente à forma de tributar estes novos modelos de negócio, tendo em conta as necessidades tanto dos países desenvolvidos como dos países em desenvolvimento (27). A implementação de um modelo de tributação das empresas na economia digital impõe que se estabeleça um quadro para uma cooperação reforçada entre os órgãos de administração das autoridades tributárias nacionais, bem como um mecanismo de resolução de litígios entre várias partes. |
6.4. |
O relatório intercalar da OCDE, «Tax Challenges Arising from Digitalisation — Interim Report 2018» [Desafios fiscais da digitalização — Relatório intercalar de 2018], publicado em março do mesmo ano (28), define a direção acordada no Quadro Inclusivo (29) para os trabalhos sobre a digitalização e as regras de tributação internacionais até 2020. Descreve as repercussões que a digitalização está a ter também noutros domínios do sistema de tributação, conferindo às autoridades tributárias novos instrumentos que se traduzem em melhorias nos serviços prestados aos contribuintes, reforçando a eficiência da cobrança de impostos e permitindo detetar a evasão fiscal. Espera-se, para 2020, um relatório final da OCDE/Quadro Inclusivo. |
6.5. |
O CESE considera importante que eventuais novas regras relativas à forma de repartição dos direitos de tributação entre países sejam justas tanto para os pequenos como para os grandes países consumidores, bem como para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Há que reconhecer a necessidade de uma remuneração adequada dos contributos realizados em matéria, nomeadamente, de inovação e de empreendedorismo. As receitas do imposto sobre as sociedades, embora representem apenas uma pequena parte do total das receitas fiscais, são importantes para efeitos de mobilização de recursos e para financiar as infraestruturas necessárias, a investigação e o desenvolvimento, a educação e os cuidados de saúde, etc. |
7. O papel do investimento privado na realização dos ODS
7.1. |
O CESE observa que os Estados-Membros da UE estão entre os países com melhores resultados na consecução de muitos dos ODS. Salienta que a UE e os respetivos Estados-Membros têm de adotar medidas para assegurar a sustentabilidade dos sistemas orçamentais e de tributação, por forma a alcançar os ODS. |
7.2. |
A participação, a todos os níveis, da sociedade civil organizada é essencial para a consecução dos ODS, dado que a sociedade civil representa partes interessadas fundamentais na execução da Agenda 2030 e que uma grande parte do investimento necessário provirá do setor privado. |
7.3. |
As empresas são motores globais da produtividade, do crescimento económico inclusivo, da criação de emprego, do investimento e da inovação. O saber-fazer do setor privado é a chave para superar muitas das dificuldades relacionadas com o desenvolvimento sustentável. |
7.4. |
O investimento, incluindo o investimento direto estrangeiro (IDE), desempenha um papel importante na erradicação da pobreza, no combate às alterações climáticas e na promoção de um crescimento inclusivo e sustentável (30). A realização do Objetivo n.o 8 (31), por exemplo, exigirá mais investimento do setor privado. Este facto é reconhecido na Agenda de Ação de Adis Abeba (2015), na qual se afirma que a atividade empresarial privada, o investimento e a inovação são importantes motores da produtividade, do crescimento económico inclusivo e da criação de emprego. |
7.5. |
O CESE sublinha que a existência de normas fiscais previsíveis é essencial para o comércio transfronteiras, o investimento das empresas, a criação de emprego e o crescimento. A celebração de convenções fiscais sobre o rendimento pode fomentar o comércio, ao assegurar uma maior certeza para as empresas, ao reduzir a dupla tributação e ao fornecer um mecanismo para combater o planeamento fiscal agressivo e a evasão fiscal. Os governos têm de chegar a acordo quanto a formas aceitáveis de concorrência fiscal e as empresas têm de respeitar as regras e os princípios acordados pelos países e entre países. |
7.6. |
Recentemente, a OCDE e o FMI publicaram um relatório conjunto sobre segurança fiscal como resposta à forte preocupação manifestada pelos líderes do G20 relativamente à incerteza que existe em matérias fiscais e o seu impacto no comércio e no investimento transfronteiras, especialmente no contexto da tributação internacional. |
7.7. |
O relatório «Paying Taxes 2018» [Pagar impostos 2018] do Banco Mundial (32) realça que a carga fiscal de muitas empresas de países em desenvolvimento é já bastante elevada. Por exemplo, na África Subsariana, as taxas de tributação efetivas aplicadas às empresas de média dimensão são superiores em sete pontos percentuais à média mundial. As políticas fiscais favoráveis ao investimento e à inovação, em especial nas economias em desenvolvimento, desempenham um papel fundamental na atração de investimento direto estrangeiro (IDE), o qual conduz a oportunidades de trabalho digno, a inovação e a uma maior produtividade, com vista ao aumento efetivo do produto interno bruto dos países. |
7.8. |
As empresas têm de ser transparentes perante as autoridades tributárias. De acordo com a OCDE, o principal objetivo de um relatório discriminado por país é criar um instrumento de avaliação do risco de alto nível para fornecer às autoridades tributárias uma panorâmica mais clara das atividades globais das multinacionais e os impostos pagos por estas, que não constitua expressamente a própria base de tributação. Além disso, é necessária uma maior transparência dos governos no que respeita ao nível de impostos cobrados e à forma como essas receitas são despendidas. |
7.9. |
Existe, por vezes, a ideia errada de que a repressão efetiva das práticas fiscais questionáveis das empresas multinacionais permitiria financiar, na totalidade ou na sua maior parte, o desenvolvimento. Cálculos imparciais realizados pela OCDE indicam que a erosão da base tributável e a transferência de lucros por multinacionais ascendeu a 100-240 mil milhões de dólares americanos antes de serem aprovadas contramedidas (33). Na UE, a erosão da base tributável e a transferência de lucros foi estimada em 0,3 % do PIB (34). Embora significativo, este montante não é suficiente para financiar a concretização dos ODS. Além disso, estas receitas provavelmente não reverteriam para os países mais necessitados de fundos para o desenvolvimento. A fonte de receitas mais importante para financiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é o crescimento económico sustentável. Por conseguinte, para a realização destes objetivos são necessárias políticas fiscais que promovam o crescimento sustentável em termos económicos, sociais e ambientais. |
7.10. |
O CESE congratula-se com a criação da Plataforma de Cooperação no domínio da Fiscalidade, que constitui uma iniciativa conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Grupo do Banco Mundial, dado que esta plataforma facilita as interações em matéria de definição de normas, de reforço de capacidades e de assistência técnica no domínio da fiscalidade internacional. O CESE considera que a UE também deve tornar-se membro da plataforma. |
7.11. |
O CESE considera que a atividade no domínio da fiscalidade/investimento privado e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, exercida pelo Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, é da maior importância para fazer avançar o diálogo ao nível mundial, contribuindo grandemente para a aprendizagem entre pares e o intercâmbio de boas práticas. O CESE frisa que a sociedade civil europeia deve desempenhar um papel ativo neste debate internacional crucial. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) https://sustainabledevelopment.un.org/topics/sustainabledevelopmentgoals
(2) http://www.oecd.org/tax/beps/
(3) http://www.oecd.org/publications/policy-coherence-for-sustainable-development-2018-9789264301061-en.htm
(4) https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/8325/wps3645.pdf?sequence=1&isAllowed=y
(5) Objetivo n.o 13 — Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos.
(6) Objetivo n.o 14 — Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; Objetivo n.o 15 — Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade.
(7) Objetivo n.o 7 — Garantir o acesso a fontes de energia fiáveis, sustentáveis e modernas para todos.
(8) Objetivo n.o 12 — Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis.
(9) Para mais informação, consultar o documento da Câmara de Comércio Internacional «Business Charter for Sustainable Development — Business Contributions to the Sustainable Development Goals» [Carta das Empresas em prol do Desenvolvimento Sustentável — Contribuição do setor empresarial para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável», https://iccwbo.org/content/uploads/sites/3/2015/09/ICC-Business-Charter-for-Sustainable-Development-Business-contributions-to-the-UN-Sustainable-Development-Goals.pdf
(10) 12.c — Racionalizar subsídios ineficientes nos combustíveis fósseis, que encorajam o consumo exagerado, eliminando as distorções de mercado, de acordo com as circunstâncias nacionais, inclusive através da reestruturação fiscal e da eliminação gradual desses subsídios prejudiciais, caso existam, para refletir os seus impactos ambientais, tendo plenamente em conta as necessidades específicas e condições dos países em desenvolvimento e minimizando os possíveis impactos adversos sobre o seu desenvolvimento de uma forma que proteja os pobres e as comunidades afetadas.
(11) 7.2 — Até 2030, aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global.
(12) 7.1 — Até 2030, assegurar o acesso universal, de confiança, moderno e a preços acessíveis aos serviços de energia.
(13) 7.b — Até 2030, expandir a infraestrutura e modernizar a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos nos países em desenvolvimento, particularmente nos países menos desenvolvidos, nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e nos países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com os seus respetivos programas de apoio.
(14) 8.4 — Melhorar progressivamente, até 2030, a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção, e empenhar-se em dissociar crescimento económico da degradação ambiental, de acordo com o enquadramento decenal de programas sobre produção e consumo sustentáveis, com os países desenvolvidos a assumirem a liderança.
(15) https://sustainabledevelopment.un.org/index.php?page=view&type=400&nr=2051&menu=35
(16) Parecer do CESE em fase de elaboração — A economia sustentável de que necessitamos (ainda não publicado), ponto 1.10: O CESE insta a Comissão a definir um plano para uma reforma orçamental ecológica nos Estados-Membros da UE «que contribua para harmonizar a tributação, os subsídios e as políticas pré-distributivas com o objetivo de uma transição justa para uma economia do bem-estar».
(17) Parecer do CESE — Próximas etapas para um futuro europeu sustentável (JO C 345 de 13.10.2017, p. 91).
(18) 16 a — Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive através da cooperação internacional, para a construção de melhor capacidade de resposta, a todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime.
16.6 — Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes, a todos os níveis.
(19) 8.10 — Fortalecer a capacidade das instituições financeiras nacionais para incentivar a expansão do acesso aos serviços bancários, de seguros e financeiros para todos.
(20) 8.5 — Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo, e trabalho digno para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor.
(21) O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) lançou um programa neste sentido.
(22) 17.1 — Fortalecer a mobilização de recursos internos, inclusive através do apoio internacional aos países em desenvolvimento, para melhorar a capacidade nacional para cobrança de impostos e outras fontes de receita.
(23) Algumas destas questões são analisadas no artigo «Promoting Tax Bargains in Uganda and Beyond: The Importance of Civil Society and Parliamentarians» [Promoção de acordos fiscais no Uganda e noutros países: a importância da sociedade civil e dos deputados].
(24) 5.a — Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos económicos, bem como o acesso à propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e recursos naturais, de acordo com as leis nacionais.
(25) 5.5 — Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública.
(26) Ver Parecer do CESE — Tributação na economia digital (JO C 353 de 18.10.2019, p. 17).
(27) Ver Parecer do CESE — Tributação dos lucros das multinacionais na economia digital (JO C 367 de 10.10.2018, p. 73) e Parecer do CESE — Tributação na economia digital (JO C 353 de 18.10.2019, p. 17).
(28) http://www.oecd.org/tax/tax-challenges-arising-from-digitalisation-interim-report-9789264293083-en.htm
(29) O Quadro Inclusivo sobre BEPS da OCDE.
(30) Ver «Business Charter for Sustainable Development» [Carta das Empresas em prol do Desenvolvimento Sustentável], CCI, de 2015.
(31) Objetivo n.o 8 — Promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos.
(32) https://www.doingbusiness.org/en/reports/thematic-reports/paying-taxes
(33) Relatório BEPS da OCDE (2015).
(34) Ver Parecer do CESE — Fiscalidade — Votação por maioria qualificada (JO C 353 de 18.10.2019, p. 90).
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/9 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos
(parecer de iniciativa)
(2020/C 97/02)
Relator: |
Thomas WAGNSONNER |
Decisão da Plenária |
24.1.2019 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
|
Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção das Relações Externas |
Adoção em secção |
28.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
136/23/12 |
1. Conclusões e recomendações
Conclusões
1.1. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) reconhece plenamente os direitos humanos como base universal e inalienável, indivisível, interdependente, inter-relacionada e, por conseguinte, incontornável de qualquer compromisso societal. Os direitos humanos são um alicerce da riqueza e da paz na Europa. O CESE sublinha que todos os direitos humanos sociais e políticos têm de garantir um modo de vida digno para todas as pessoas e que a violação dos mesmos não deve resultar na obtenção de lucros injustificados. |
1.2. |
As violações de direitos humanos podem ser mais eficazmente prevenidas através da criação de uma norma vinculativa, acordada a nível internacional, a ser aplicada e protegida pelos Estados. O CESE é a favor de uma abordagem que reconheça que é dever dos Estados proteger, promover e assegurar o cumprimento dos direitos humanos, e que cabe às empresas respeitá-los. |
1.3. |
Apraz ao CESE que o projeto de tratado tenha em conta as questões de fundo propostas pela UE, tais como as suas recomendações que visam incluir no âmbito de aplicação do tratado todas as empresas e promover a coerência conceptual com os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. As regras devem ser concebidas de modo a serem coerentes com os sistemas de diligência devida existentes, em particular com os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, a fim de facilitar a sua aplicação e evitar redundâncias. |
1.4. |
Dado que o âmbito de aplicação do projeto de tratado, baseado nas recomendações da UE, passou a abranger todas as atividades empresariais independentemente da sua dimensão, o CESE exorta a UE e os seus Estados-Membros a tomarem medidas para apoiar as empresas a cumprirem as suas obrigações em matéria de direitos humanos, que poderão basear-se nos seus compromissos voluntariamente assumidos no domínio da responsabilidade social das empresas, em especial no que diz respeito às atividades internacionais. O CESE reconhece as dificuldades com que as PME se deparam para aplicarem as medidas previstas num tratado desta natureza e insta a UE e os seus Estados-Membros a apoiarem firmemente as PME e a facilitarem a criação de enquadramentos práticos que lhes permitam assegurar o respeito dos direitos humanos nas suas atividades. |
1.5. |
O CESE salienta que as medidas vinculativas e não vinculativas não se excluem mutuamente, pelo contrário, são complementares. |
1.6. |
Sistemas como as orientações desenvolvidas pela OCDE para as empresas multinacionais e as normas de comunicação de informações previstas nos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos demonstram que já existem formas práticas de as empresas aplicarem normas de conduta estritas respeitadoras dos direitos humanos. As empresas que já se comprometeram a respeitar essas normas não devem ser oneradas com encargos adicionais. Para evitar redundâncias, o protocolo opcional previsto no mecanismo de execução deve ter em conta o sistema de pontos de contacto nacionais da OCDE, que teria de ser adaptado para apoiar regras vinculativas, ou outras instituições nacionais de direitos humanos (INDH) existentes. |
1.7. |
Embora se tenham verificado, especialmente na Europa, progressos bem-vindos no que se refere às orientações não vinculativas para o respeito dos direitos humanos no âmbito das atividades das empresas (por exemplo, princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, orientações da OCDE para as empresas multinacionais), a existência de um tratado vinculativo é importante para as empresas que ainda não assumem seriamente as suas responsabilidades. Deste modo, as normas uniformes, a jurisdição e a legislação aplicáveis internacionalmente em matéria de direitos humanos, bem como o acesso equitativo e eficaz à justiça, ficarão assegurados para as vítimas de violações de direitos humanos relacionadas com empresas. O tratado assegurará ainda condições de concorrência equitativas para as empresas, proporcionará segurança jurídica e promoverá uma concorrência internacional mais leal. |
1.8. |
O CESE recomenda que a competência jurisdicional seja atribuída a um foro (1) que conduza um processo justo, sobretudo quando não é claro se a potencial responsabilidade recai sobre a empresa-mãe, uma das suas filiais ou um dos seus fornecedores, mesmo quando as empresas estão situadas em países diferentes. O CESE salienta que, através do estabelecimento de uma cláusula sólida relativa ao auxílio judiciário mútuo, pode evitar-se a busca do foro mais vantajoso. |
1.9. |
O CESE considera que o Grupo de Trabalho Intergovernamental Aberto deve prosseguir as suas atividades e, como tal, está pronto a dar o seu contributo enquanto voz da sociedade civil organizada. O CESE afirma que o diálogo social, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil contribuem significativamente para o respeito dos direitos humanos. |
Recomendações
1.10. |
No interesse do reforço e da promoção dos direitos humanos e da criação de condições equitativas para as empresas, baseadas em normas internacionais coerentes e rigorosas, o CESE exorta as instituições da UE, em especial a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, bem como os Estados-Membros, a apoiarem o processo do tratado em curso e a empenharem-se, de forma construtiva, nas respetivas negociações. |
1.11. |
O atual projeto de tratado tem margem para melhorias substanciais, que importa explorar. A Comissão Europeia deve dispor de um mandato claro para coordenar o contributo europeu que se impõe. |
1.12. |
O CESE recomenda que se prevejam igualmente disposições que permitam flexibilidade entre regras proporcionais, mas não onerosas, para as PME, por um lado, e regras mais estritas para indústrias de alto risco, por outro. Além disso, a UE deverá disponibilizar instrumentos de apoio especiais para ajudar as PME a gerir os desafios que um tratado desta natureza coloca (por exemplo, uma agência, apoio a atividades de aprendizagem entre pares). |
1.13. |
O CESE apoia, sem reservas, as resoluções adotadas pelo Parlamento Europeu (PE) (2), em particular os seus apelos para um total empenho no desenvolvimento de um instrumento vinculativo, e, em concreto, a necessidade, nelas expressa, de se criar um mecanismo internacional de reclamação e de controlo. O CESE observa que existem sistemas internacionais, como o procedimento de reclamação da OIT, que podem servir de modelo a um mecanismo internacional de execução mais ambicioso, uma vez que as regras vinculativas não serão eficazes se não houver uma participação forte dos Estados e mecanismos de execução. |
1.14. |
Caso ainda não existam, deverão ser elaborados planos de ação nacionais para aplicar a diligência devida em matéria de direitos humanos, bem como um plano de ação europeu. A sociedade civil organizada deverá participar no desenvolvimento, na implementação e na execução dos planos de ação. |
1.15. |
O CESE recomenda que a Comissão Europeia examine a viabilidade de criação de uma «Agência de Notação Pública da UE» para os direitos humanos no contexto empresarial. |
1.16. |
O CESE recomenda ainda a criação de um forte mecanismo internacional de controlo e execução, que preveja a possibilidade de apresentação de reclamações a um comité internacional. Além disso, deve haver um funcionário independente das Nações Unidas (mediador) que investigue e, se for caso disso, apoie as reclamações das vítimas de violações de direitos humanos e acompanhe, de forma independente, as alegadas violações, levando-as ao conhecimento do comité. |
1.17. |
O projeto de tratado inclui uma definição muito genérica de direitos humanos. Uma referência, no preâmbulo do projeto de tratado, à Declaração de Princípios Tripartida da OIT sobre as empresas multinacionais e a política social e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) deveria incluí-los como fundamentais para a sua interpretação. Em particular, os direitos humanos — como o direito a um ambiente saudável, à educação e à proteção de dados — devem ser referidos de forma mais explícita e consagrados no tratado. |
1.18. |
Embora o projeto de tratado já preveja a escolha das jurisdições competentes, há que aperfeiçoar esta disposição, pelo que o CESE considera que, sempre que uma empresa esteja envolvida em atividades empresariais no âmbito de cadeias de abastecimento transnacionais, deve assegurar-se a possibilidade de fazer valer a competência jurisdicional do país em que está estabelecida. É também importante deixar claro que as filiais e os fornecedores locais podem ser processados ou, pelo menos, associados a reclamações apresentadas no país de estabelecimento da empresa-mãe ou da empresa beneficiária. |
1.19. |
O CESE assinala a importância das testemunhas e do papel dos denunciantes e congratula-se com o facto de o projeto de tratado, na sua versão atual, incluir disposições com vista à sua proteção. Importa apoiar as ONG ativas neste domínio. |
1.20. |
O CESE recomenda que se clarifique a interação entre diligência devida e responsabilidade, inserindo disposições claras e práticas que garantam que a diligência devida inclui o controlo permanente nas cadeias de abastecimento, a par da respetiva responsabilidade, caso a primeira falhe. Impõe-se uma outra clarificação no que diz respeito aos conceitos já desenvolvidos para os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. |
1.21. |
O CESE recomenda que, em casos de negligência grave, exista responsabilidade penal. Em caso de infrações menos graves, como incumprimento do dever de comunicação regular de informações, deve-se determinar que há responsabilidade administrativa. |
1.22. |
O projeto de tratado inclui uma disposição sobre a inversão do ónus da prova, em caso de responsabilidade civil, que deve ser clarificada por forma a garantir uma aplicação coerente em todas as jurisdições e assegurar que as vítimas poderão confiar na sua aplicação, quando necessário. |
1.23. |
Em relação a acordos comerciais e de investimento, deve ficar claro que as medidas de aplicação de um tratado sobre empresas e direitos humanos são fundamentadas e não podem ser contornadas mediante a resolução de litígios em matéria de investimento (3). |
1.24. |
O atual projeto de tratado prevê a opção de recurso a um sistema de resolução de litígios. Tal deve ser reconsiderado no sentido de reforçar a coerência com os quadros existentes, uma vez que os quadros dos nove principais instrumentos de direitos humanos com resolução de litígios incluem uma opção de não recurso. |
1.25. |
O CESE congratula-se com o facto de o projeto de tratado, na sua versão atual, abordar a questão do auxílio judiciário mútuo. No entanto, as disposições relativas ao custo dos processos sofreram alterações substanciais. Exceto em casos de litigância frívola, as vítimas não deveriam ter de suportar os custos dos processos. |
1.26. |
O CESE apoia um instrumento juridicamente vinculativo em matéria de empresas e direitos humanos, mas recomenda vivamente uma colaboração estreita com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil. |
2. Antecedentes
2.1. |
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável visam, de diversas formas, melhorar as relações laborais, a produção e o consumo responsáveis, bem como alcançar um compromisso sólido em matéria de direitos humanos. Um tratado vinculativo poderá reforçar significativamente estes esforços através do estabelecimento de um quadro de responsabilidade internacional. |
2.2. |
As orientações internacionais em matéria de empresas e direitos humanos incluem os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos e o Pacto Global das Nações Unidas, bem como as orientações desenvolvidas pela OCDE (orientações da OCDE para as empresas multinacionais), e constituem um enquadramento para estratégias de responsabilidade social e para a sua aplicação jurídica, estruturando os contratos das empresas multinacionais quando operam no estrangeiro e utilizam cadeias de abastecimento mundiais. A OCDE disponibiliza ainda documentos de orientação sobre uma série de setores. O seu efeito de incentivo à aplicação da diligência devida em cadeias de abastecimento (4) revela que é possível gerir riscos e aplicar normas estritas em matéria de violações de direitos humanos. |
2.3. |
A violação dos direitos humanos afeta não só a vida das pessoas, das suas comunidades ou dos seus bens, como também o ambiente. Por conseguinte, o CESE congratulou-se com estas iniciativas (5) e sublinha quão importante é a participação da sociedade civil e dos sindicatos nos procedimentos de diligência devida. As práticas em matéria de conduta empresarial responsável tornaram-se um problema para as empresas. A sociedade civil e os sindicatos têm consciência de que as empresas estão a envidar esforços para alargar o respeito dos direitos humanos na prática e melhorar a conduta das empresas. Nas discussões em curso sobre o tratado, representantes das empresas têm salientado a importância de assegurar a aplicação dos direitos humanos universais a todos os trabalhadores e a aplicação efetiva das normas e regras da OIT em matéria de saúde e segurança no trabalho. Os relatórios sobre a responsabilidade social das empresas não são instrumentos de marketing, mas uma forma de demonstrar que essa responsabilidade está a ser assumida. O CESE exorta os Estados-Membros a tomarem medidas firmes que permitam aplicar as políticas em matéria de direitos humanos e a apoiarem as empresas no que respeita ao seu compromisso voluntário em matéria de responsabilidade social, em especial no âmbito das suas atividades internacionais. |
2.4. |
Contudo, as medidas voluntárias não são suficientes para impedir todas as violações de direitos (6). A adoção de medidas vinculativas, acompanhadas de sanções adequadas, permitiria assegurar o cumprimento de uma norma jurídica mínima, tanto pelas empresas que não assumem seriamente a sua responsabilidade moral como pelas que aplicam normas elevadas em matéria de direitos humanos, por exemplo, com base nos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. As regras vinculativas devem ser concebidas de modo a serem coerentes com os sistemas de diligência devida existentes, em particular com os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, a fim de facilitar a sua aplicação e de evitar redundâncias. As medidas voluntárias e as medidas vinculativas não se excluem mutuamente, pelo contrário, são complementares. |
2.5. |
O CESE reconhece que a maioria das empresas, especialmente na UE, está empenhada na defesa dos direitos humanos. No entanto, de acordo com as estatísticas da OIT, a nível mundial, o trabalho forçado nos setores da construção, da indústria transformadora, das indústrias extrativas, dos serviços básicos e da agricultura, propicia lucros, no valor de 43 mil milhões de dólares americanos, às empresas que não se comprometeram suficientemente a aplicar os direitos humanos na sua cadeia de valor. |
2.6. |
O Índice de Referência de Direitos Humanos para as Empresas foi criado por investidores profissionais, juntamente com ONG que operam na área dos direitos humanos (7). Este índice de referência constitui um instrumento para os investidores identificarem empresas responsáveis, pelo que é do interesse das empresas apresentar um bom desempenho. Em muitas das empresas avaliadas verificou-se uma aplicação deficiente dos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. Assinale-se que empresas que operam a nível mundial, como a McDonalds e a Starbucks, especialmente ativas na Europa, ficaram mal classificadas no que se refere à aplicação dos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. Mais uma vez, as empresas internacionais não europeias ficam em posição de vantagem em relação às empresas europeias, empenhadas no respeito dos direitos humanos. Mais de 40 % das empresas avaliadas não obtiveram nenhuma pontuação no que respeita à diligência em matéria de direitos humanos e dois terços obtiveram uma pontuação inferior a 30 % na aplicação dos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, entre as quais se encontram empresas europeias. |
2.7. |
Apesar de a grande maioria das empresas considerar que os direitos humanos fazem parte do seu compromisso, as violações dos mesmos no âmbito das atividades empresariais são recorrentes. Um tratado vinculativo asseguraria às vítimas normas internacionais uniformes em matéria de direitos humanos e uma legislação aplicável em todo o mundo, bem como o acesso equitativo às autoridades e aos tribunais. Além disso, tal permitiria assegurar condições de concorrência equitativas para as empresas, criar segurança jurídica e promover uma concorrência internacional mais leal. |
2.8. |
A agenda da UE passa por promover e divulgar os direitos humanos no âmbito das suas políticas externas. O regulamento da UE relativo aos minerais provenientes de zonas de conflito, a diretiva relativa à comunicação de informações não financeiras e o regulamento relativo aos operadores que colocam no mercado madeira e produtos da madeira constituem exemplos de casos em que a diligência devida no domínio dos direitos humanos foi reforçada. As cláusulas dos acordos de comércio livre incluem compromissos respeitantes à proteção destes direitos. Determinados Estados-Membros da UE — principalmente a França, mas também o Reino Unido e os Países Baixos — adotaram legislação que reforça a responsabilização das empresas e estabelece quadros mais sólidos para a diligência devida no domínio dos direitos humanos. A Agência dos Direitos Fundamentais (FRA) analisou as competências europeias em matéria de empresas e direitos humanos e concluiu que há fundamentos inequívocos quer para as competências da UE quer para as dos Estados-Membros (8). Por conseguinte, recomenda a adoção de uma abordagem de método aberto de coordenação. As questões de competência devem ser clarificadas antes da ratificação formal do tratado; contudo, em princípio, é de presumir que a competência será mista. Os processos intentados devido a violações de direitos fundamentais por empresas são tratados indiretamente em sede administrativa, cível ou penal. Levantam questões de direito internacional privado e de direito penal internacional (das sociedades), matérias jurídicas que, até certo ponto, foram harmonizadas na UE. |
2.9. |
O PE já adotou diversas resoluções sobre esta matéria e tem defendido, com firmeza, uma participação ativa nas negociações sobre um instrumento jurídico vinculativo. Além disso, encomendou um estudo intitulado «Access to legal remedies for victims of corporate human rights abuses in third countries» [Acesso a vias de recurso para as vítimas de violações dos direitos humanos nas empresas em países terceiros] (9) e formulou recomendações concretas dirigidas às instituições da UE para melhorar esse acesso. |
2.10. |
O Conselho solicitou um parecer à FRA sobre a melhoria do acesso a vias de recurso no domínio das empresas e dos direitos humanos ao nível da UE, no qual se conclui que há ainda muito espaço para melhorias. |
2.11. |
Em 2014, o Conselho dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, adotou a Resolução n.o 26/9, nos termos da qual decide estabelecer um Grupo de Trabalho Intergovernamental Aberto encarregado de elaborar um instrumento internacional juridicamente vinculativo para regulamentar as atividades de empresas transnacionais e de outro tipo de empresas no que diz respeito aos direitos humanos. A resolução foi apoiada por um número elevado de países em desenvolvimento. O atual projeto foi apresentado em julho de 2019. |
2.12. |
A UE participou no grupo de trabalho, mas desvinculou-se dos resultados da sessão do grupo de trabalho de outubro de 2018, apontando uma série de problemas. Os mais importantes têm a ver, ao que parece, com a aplicabilidade a todas as empresas — e não apenas às empresas transnacionais –, com uma orientação mais centrada nos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, e com um processo mais transparente. O projeto de tratado, na sua versão atual, parece ter em consideração as questões de fundo propostas pela UE. Tendo em conta as questões jurídicas da harmonização, a UE deve participar ativamente no processo, com um mandato oficial de negociação, para representar os interesses da União Europeia e dos seus Estados-Membros. |
2.13. |
Atualmente, há grandes economias que não participam ativamente no processo do tratado, como os EUA, ou não parecem estar fortemente empenhadas, como a China. Alargar o âmbito do tratado permitirá promover uma conduta empresarial responsável, nomeadamente por parte de empresas destas grandes economias. De acordo com o tratado vinculativo, mesmo as empresas que não o ratificarem, ao operarem no mercado comum europeu, tornam-se potencialmente responsáveis na Europa. Estes países, se pretenderem continuar a tirar partido dos mercados europeus, terão de aplicar regras mais estritas no que respeita à diligência devida no domínio dos direitos humanos. |
3. Observações na generalidade
3.1. |
O CESE reconhece plenamente os direitos humanos como base universal e inalienável, indivisível, interdependente, inter-relacionada e, por conseguinte, incontornável de qualquer compromisso societal, no domínio da política, da cooperação internacional, do diálogo social, da economia ou empresarial. Os direitos humanos têm sido um alicerce da riqueza e da paz no nosso continente. Mais ainda, os direitos humanos e o modelo europeu de Estado social, incluindo os sistemas de ensino universais, têm sido garantes do desenvolvimento económico e do bem-estar material. O CESE sublinha que todos os direitos humanos sociais e políticos têm de garantir um modo de vida digno para todas as pessoas no mundo e que a violação dos mesmos não deve resultar na obtenção de lucros injustificados. |
3.2. |
O CESE considera que a prevenção de violações dos direitos humanos deve constituir o objetivo último de um tratado vinculativo. Quando existe uma norma mínima vinculativa de conduta empresarial acordada a nível internacional, as empresas necessitam de mais apoio e de orientações para aplicarem medidas, e a UE e os seus Estados-Membros têm de reconhecer a responsabilidade que lhes incumbe de assegurar que a conduta empresarial responsável não resulta em concorrência desleal. |
3.3. |
O CESE apoia, sem reservas, as resoluções adotadas pelo PE e reitera o seu apelo para um total empenho e uma participação ativa no processo de Genebra para o desenvolvimento de um instrumento vinculativo, nomeadamente a necessidade, nelas expressa, de se criar um mecanismo de reclamação. A Comissão Europeia deve agir em conformidade com estas resoluções e demonstrar um forte empenho. |
3.4. |
O CESE concorda ainda que, tal como enunciado pelo Parlamento Europeu, um tratado vinculativo deve, nomeadamente:
|
3.5. |
O CESE secunda a opinião do PE de que, se os queixosos puderem escolher a jurisdição, os Estados serão incentivados a introduzir regras estritas e sistemas jurídicos justos, para manterem tais processos nas suas jurisdições. Não obstante, os mecanismos de execução devem assegurar que é do interesse dos Estados legislar no sentido de tornar obrigatória a diligência devida em matéria de empresas e direitos humanos. Existem sistemas internacionais, como o procedimento de reclamação da OIT, que podem servir de modelo a um mecanismo internacional de execução mais ambicioso. |
3.6. |
As regras vinculativas não devem conduzir a uma situação em que as empresas que assumam uma conduta empresarial responsável sejam alvo de ações de litigância frívola. É necessário definir claramente a medida em que um ato vinculativo responsabiliza as empresas pelas violações. Do mesmo modo, as violações de direitos humanos podem ser mais eficazmente prevenidas através da criação de uma norma vinculativa, acordada a nível internacional, a ser aplicada e protegida pelos Estados. Tudo isto está refletido na atual abordagem do projeto de texto, que não impõe obrigações diretas às empresas, mas obriga os Estados a aplicarem normas adotadas em consonância com os respetivos ordenamentos jurídicos. |
3.7. |
O estudo do PE e o parecer da FRA acima referidos exploram questões específicas que surgem regularmente quando as pessoas tentam alegar violações de direitos humanos por parte de empresas e das suas filiais, ou na respetiva cadeia de abastecimento, perante tribunais europeus. |
3.7.1. |
Em princípio, a jurisdição dos tribunais europeus está reservada a demandados europeus. Isto significa que uma empresa sediada na Europa pode ser processada num tribunal europeu, mas, por norma, as suas filiais estabelecidas no país em que o dano ocorreu não podem sê-lo. Os fornecedores e os intermediários da cadeia de abastecimento estão ainda mais afastados da empresa europeia em causa. O CESE nota que importa assegurar que às vítimas de violações de direitos humanos no contexto empresarial seja, por razões de direitos humanos, garantido o acesso a processos, tribunais e autoridades justos. Sobretudo quando não é claro se a potencial responsabilidade recai sobre a empresa-mãe, uma das suas filiais ou um dos seus fornecedores, a competência jurisdicional deve ser atribuída a um único foro que conduza processos justos. |
3.7.2. |
O estudo do PE ilustra igualmente processos de mediação a que as vítimas podem recorrer para apresentar as suas reclamações. O CESE saúda explicitamente os inestimáveis processos voluntários popularizados pela OCDE, pelos princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos e pelo Pacto Global das Nações Unidas. Sublinha, contudo, que estes processos não resolvem o problema das violações de direitos humanos por empresas que não aplicam a vertente de direitos humanos da responsabilidade social das empresas (RSE). Em consequência, é igualmente necessário intentar oficialmente uma ação judicial. |
3.7.3. |
Por razões de ordem prática, os queixosos têm frequentemente dificuldade em reunir provas. Por outro lado, os processos envolvem não raro muitas pessoas e barreiras linguísticas. Embora seja frequentemente fácil provar que uma empresa local é filial ou fornecedora de uma empresa europeia, é muito difícil para as vítimas provar a extensão do controlo exercido. Quando é possível estabelecer uma jurisdição europeia, os custos dos processos podem ser extremamente elevados, mesmo quando são ganhos pelas vítimas das violações. A cooperação judiciária internacional ainda pode ser significativamente melhorada. O CESE congratula-se com o facto de o atual projeto de tratado abordar a questão do auxílio judiciário mútuo, mas solicita que as vítimas não tenham de suportar os custos dos processos, exceto em casos de litigância frívola. |
3.8. |
Quando os Estados-Membros da UE, individualmente, começarem a aplicar quadros de diligência devida obrigatórios mais estritos, começarão a surgir discrepâncias nas normas aplicáveis no interior da UE. As empresas situadas em Estados-Membros da UE com requisitos de diligência devida mais estritos não devem ficar em desvantagem em relação às empresas de outros Estados-Membros. O CESE observa que as empresas devem beneficiar de condições equitativas e de segurança jurídica e ter responsabilidades claras. |
3.9. |
Em consequência, o CESE considera fundamental que os representantes da UE participem e se empenhem ativamente no processo que se anuncia. A UE e os seus Estados-Membros não têm qualquer interesse em abster-se de participar ativamente na redação de um tratado sobre direitos humanos com repercussões potencialmente importantes no sistema de comércio internacional (10). O atual projeto de tratado tem margem para melhorias substanciais, que importa explorar. As instituições europeias e os Estados-Membros devem participar ativamente nesse processo e a Comissão Europeia deve dispor de um mandato claro para coordenar o contributo europeu. |
3.10. |
Dado que o tratado terá de ser aplicado e executado pelos Estados-Membros e pela UE, cabe aos Estados-Membros elaborar, caso ainda não existam, planos de ação nacionais que definam a forma como a diligência devida no domínio dos direitos humanos será aplicada. Importa igualmente elaborar um plano de ação europeu, a fim de assegurar que todos os níveis de governação europeia participam em conformidade com as suas competências. A sociedade civil organizada tem de ser chamada a participar na elaboração, na aplicação e na execução dos planos de ação. |
3.11. |
A Comissão Europeia deverá estudar a viabilidade de uma «Agência de Notação Pública da UE» para os direitos humanos no contexto empresarial, que desenvolva um sistema com base no qual as empresas de auditoria possam ser certificadas e controladas regularmente (critérios, acompanhamento). Esta agência poderá apoiar as empresas (em especial as PME) procurando definir e melhorar a sua exposição em termos de direitos humanos, o que trará benefícios para as empresas em questões de responsabilidade. A exploração deste conceito poderá ser o tema de um novo parecer. |
3.12. |
A responsabilidade no domínio dos direitos humanos deverá passar a ser uma componente obrigatória dos currículos e das formações nas áreas da economia, gestão e disciplinas conexas, podendo essa iniciativa educacional ser apoiada por programas educativos da UE. |
4. Observações na especialidade
4.1. |
O tratado está a ser elaborado por um grupo de trabalho do Conselho dos Direitos Humanos, que é responsável pela aplicação dos pactos das Nações Unidas no domínio dos direitos humanos. Dado que, por norma, os destinatários do tratado são Estados e não indivíduos (como empresas ou pessoas que são vítimas de violações), faz sentido que este grupo de trabalho tenha sido criado ao nível do Conselho dos Direitos Humanos, ficando assim facilitada a participação de outras organizações, como a OIT e a OMC. O CESE considera que os trabalhos do grupo de trabalho intergovernamental aberto devem prosseguir. |
4.2. |
O mandato subjacente ao grupo de trabalho intergovernamental aberto incide em situações transnacionais. As associações empresariais e os sindicatos reclamaram o alargamento do âmbito do tratado de modo a abranger todas as empresas (por exemplo, empresas públicas e empresas nacionais). O CESE congratula-se com o facto de o projeto de tratado revisto, em princípio, ter em conta esses pedidos. No entanto, o texto do projeto de tratado carece de uma clarificação mais exaustiva. A este respeito, o CESE solicita a participação ativa das instituições da UE. |
4.3. |
Deve criar-se um forte mecanismo internacional de controlo e execução, que preveja a possibilidade de apresentação de reclamações individuais ao comité internacional. Além disso, deve haver um funcionário independente das Nações Unidas (mediador) que investigue e, quando necessário, apoie as reclamações das vítimas de violações de direitos humanos e acompanhe, de forma independente, as alegadas violações para levá-las ao conhecimento do comité. |
4.4. |
O projeto de tratado inclui uma definição muito genérica de direitos humanos. O CESE congratula-se com a referência, no preâmbulo, à Convenção n.o 190 da OIT. Contudo, a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social da OIT inclui também um catálogo abrangente de declarações e direitos respeitantes a empresas multinacionais e ao trabalho, que refere ainda, especificamente, as convenções e recomendações em matéria de saúde e segurança no trabalho. Evoluções recentes no domínio dos direitos humanos colocaram igualmente a tónica no direito a um ambiente saudável e à proteção de dados, dois aspetos que devem ser tidos em conta. Os documentos e os direitos acima referidos fazem parte de um corpus básico de direitos humanos aplicável em todo o mundo e que, por conseguinte, deve ser tido em consideração no âmbito do tratado. O CESE congratula-se com o facto de a dimensão de género das violações dos direitos humanos, um aspeto frequentemente negligenciado, ter sido integrada de forma mais sólida na parte do tratado vinculativo relativa à prevenção. |
4.5. |
O projeto de tratado já prevê, em princípio, a escolha da jurisdição competente, mas há que aperfeiçoá-la. Sempre que uma empresa esteja envolvida em atividades empresariais no âmbito de cadeias de abastecimento transnacionais (por exemplo, recebendo bens ou recursos), deve assegurar-se a possibilidade de fazer valer a competência jurisdicional do país em que está estabelecida. Cabe igualmente deixar claro que as filiais e os fornecedores locais podem ser processados ou, pelo menos, associados a reclamações apresentadas no país de estabelecimento da empresa-mãe ou da empresa beneficiária. |
4.6. |
Importa ainda clarificar a interação entre diligência devida e responsabilidade, inserindo disposições claras e práticas que garantam que a diligência devida inclui o controlo permanente — no sentido de um sistema de verificações e controlos — nas cadeias de abastecimento, a par da responsabilidade, caso a primeira falhe. A jurisprudência inglesa elaborou uma norma para o controlo pelas empresas-mães (11) de infrações cometidas pelas suas filiais, que pode servir de inspiração à redação de uma disposição que especifique mais claramente a responsabilidade das filiais. O projeto de tratado, na sua versão atual, concentra-se nas relações contratuais, o que pode dificultar o apuramento fiável da responsabilidade ao longo das cadeias de valor mundiais, uma vez que as relações comerciais podem assumir diferentes formas ao longo destas cadeias. Há margem para melhorar o texto atual e clarificá-lo, o que deve ser feito com base nos conceitos já desenvolvidos para os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, que devem constituir uma prioridade da UE. |
4.7. |
Uma vez que todas as atividades empresariais, e não só as transnacionais, fazem agora parte do âmbito de aplicação do tratado, importa igualmente prever disposições que permitam flexibilidade entre regras proporcionais, mas não onerosas, para as PME, por um lado, e regras mais estritas para operações de alto risco, por outro. Além disso, a UE deverá disponibilizar instrumentos de apoio especiais para ajudar as PME a gerir os desafios que um tratado desta natureza coloca (por exemplo, uma agência, apoio a atividades de aprendizagem entre pares). |
4.8. |
O CESE toma nota das regras em matéria de auxílio judiciário mútuo e de cooperação à escala internacional constantes do atual projeto de tratado. Tais funções talvez possam ser facilitadas pelos gabinetes internacionais do mediador da ONU acima referido. |
4.9. |
O projeto de tratado inclui uma disposição sobre a inversão do ónus da prova, em casos de responsabilidade civil, que deve ser clarificada para garantir uma aplicação coerente em todas as jurisdições e assegurar que as vítimas poderão confiar na sua aplicação, quando necessário. Tal significaria, no mínimo, que as pessoas que alegam violações de direitos humanos teriam apenas de provar a existência de uma relação irrefutável entre o autor da violação (como o fornecedor ou a filial) e a empresa (beneficiária ou empresa-mãe), que, por seu turno, teria de explicar de forma plausível que as violações escapavam ao seu controlo. O CESE duvida de que a determinação da inversão do ónus da prova pelos tribunais, e não pela lei, contribua para a segurança jurídica e a coerência da aplicação. |
4.10. |
O CESE assinala a importância das testemunhas e do papel dos denunciantes e congratula-se com o facto de o projeto de tratado, na sua versão atual, incluir disposições com vista à sua proteção. Importa apoiar as ONG ativas neste domínio. |
4.11. |
Em casos de negligência grave, deve existir responsabilidade penal. Em caso de infrações menos graves, como incumprimento do dever de comunicação regular de informações, deve-se determinar que há responsabilidade administrativa. |
4.12. |
O CESE congratula-se com a inserção de uma disposição sobre a coerência com outros acordos bilaterais e multilaterais. No entanto, em relação a acordos comerciais e de investimento, deve ficar claro que as medidas de aplicação de um tratado sobre empresas e direitos humanos são fundamentadas e não podem ser contornadas mediante a resolução de litígios em matéria de investimento. |
4.13. |
Deve ser possível, entre os Estados, forçar a aplicação de um tratado vinculativo. Já existem procedimentos suscetíveis de inspirar tais possibilidades, como os procedimentos de reclamação ao abrigo da Constituição da OIT, que permitem que os parceiros sociais e os Estados apresentem reclamações contra a não observância de convenções da OIT. Se os Estados puderem apresentar reclamações uns contra os outros, será possível garantir a aplicação do tratado a nível mundial e as empresas responsáveis serão protegidas mais eficazmente contra a concorrência desleal. Os parceiros sociais e as ONG devem igualmente ter acesso aos procedimentos de reclamação. Se um sistema desta natureza for estabelecido independentemente dos procedimentos da OIT, deve funcionar sem prejuízo do sistema da OIT e das respetivas disposições. |
4.14. |
O atual projeto de tratado prevê a opção de recurso a um sistema de resolução de litígios. Tal deve ser reconsiderado no sentido de reforçar a coerência com os quadros existentes, uma vez que os quadros dos nove principais instrumentos de direitos humanos com resolução de litígios incluem uma opção de não recurso. |
4.15. |
No projeto de tratado revisto, as disposições relativas aos prazos de prescrição e à lei aplicável têm um alcance mais limitado comparativamente ao que estava previsto na versão original. Uma vez que estas disposições contêm direitos processuais importantes para as vítimas, o CESE recomenda a reposição do texto original. |
4.16. |
Representantes da sociedade civil organizada, sobretudo representantes de empresas, salientaram a disponibilização e publicação tardias de vários projetos de documentos no âmbito do processo de tratado em curso em Genebra. Importa obviar esta situação, a fim de permitir contributos equilibrados e construtivos e de assegurar transparência para todos os participantes ao longo de todas as etapas do processo. |
4.17. |
O CESE apoia um instrumento juridicamente vinculativo em matéria de empresas e direitos humanos, mas recomenda vivamente uma colaboração estreita com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) Dicionário de Direito, Oxford (7.a ed.): a localidade ou o país em que o processo decorre.
(2) Resolução do PE, 4 de outubro de 2018 [2018/2763(RSP)].
(3) JO C 110 de 22.3.2019, p. 145.
(4) http://www.oecd.org/daf/inv/mne/oecd-portal-for-supply-chain-risk-information.htm
(5) JO C 303 de 19.8.2016, p. 17.
(6) Alguns dos exemplos mais recentes: trabalhadores na apanha da avelã na Turquia https://www.nytimes.com/2019/04/29/business/syrian-refugees-turkey-hazelnut-farms.html; pedras tumulares produzidas com recurso ao trabalho infantil https://kurier.at/politik/ausland/blutige-grabsteine-was-friedhoefe-mit-kinderarbeit-zu-tun-haben/400477447; extração mineral para baterias de carros elétricos https://www.dw.com/de/kinderarbeit-f%C3%BCr-elektro-autos/a-40151803.
(7) https://www.corporatebenchmark.org/.
(8) Parecer da Agência dos Direitos Fundamentais, intitulado «Improving access to remedy in the area of business and human rights at the EU level» [Melhorar o acesso ao recurso judicial no domínio das empresas e dos direitos humanos a nível da UE], p. 62.
(9) EP/EXPO/B/DROI/FWC/2013-08/Lot4/07, fevereiro de 2019 — PE 603.475.
(10) O CESE salientou a importância de um tratado vinculativo no quadro da ONU (JO C 110 de 22.3.2019, p. 145), ponto 2.19.
(11) Ver nota de rodapé 9, p. 40.
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/18 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Ajuda externa, investimento e comércio enquanto vetores de redução das razões para a migração económica, com especial destaque para África
(parecer de iniciativa)
(2020/C 97/03)
Relator:
Arno METZLERCorrelator:
Thomas WAGNSONNER
Decisão da Plenária |
23-24.1.2019 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
|
Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção das Relações Externas |
Adoção em secção |
28.11.2019 |
Adoção em plenária |
12.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
152/0/9 |
1. Conclusões gerais e recomendações
1.1. |
A política de desenvolvimento da União Europeia (UE) procura fomentar o desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza, incentivar o desenvolvimento sustentável e criar emprego, bem como promover a paz e a segurança/estabilidade, a boa governação e os direitos humanos. Constitui um elemento central das relações da UE com os países terceiros e contribui para os objetivos de ação externa da UE, juntamente com a política externa, de segurança e comercial (e com aspetos internacionais de outras políticas, como o ambiente, a agricultura e as pescas). Na consecução destes objetivos, as políticas devem sempre assegurar uma «vida digna», aplicar o Estado de direito e criar condições de trabalho de qualidade. A este respeito, o CESE salienta explicitamente a necessidade de alcançar a igualdade de género e de capacitar as raparigas e as mulheres. |
1.2. |
Num mundo em constante mudança, uma coisa é certa: África e a Europa continuarão a ser os respetivos vizinhos mais próximos. Os 54 países que compõem África e os 28 Estados-Membros da União Europeia partilham uma vizinhança, uma história e um futuro comuns. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) salienta que os erros do passado devem ser necessariamente evitados no futuro comum de ambos os continentes. |
1.3. |
Há setenta anos, a Europa era um continente de emigração líquida, uma vez que os seus cidadãos fugiam de flagelos como a guerra, a fome, a pobreza, o desemprego, a degradação do ambiente, a opressão e a discriminação. O êxito da UE na criação de oportunidades para os seus cidadãos tornou-nos um continente de imigração líquida. Cabe trabalhar em conjunto com os países africanos para que estes possam beneficiar de progressos semelhantes. |
1.4. |
É difícil identificar uma estratégia económica coerente da UE relativamente a África no seu todo. O CESE gostaria de sublinhar o seu empenho — enquanto órgão que representa a sociedade civil organizada e parceiro ativo em todos os acordos pertinentes concluídos pela UE — em participar nesta abordagem transparente e coerente. O Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) anunciou que a UE e África já são parceiros políticos fortes e que a etapa seguinte consiste em tornar-se verdadeiros parceiros económicos e aprofundar as relações comerciais e em matéria de investimento. O CESE desempenhou um papel fundamental na identificação das relações da sociedade civil no âmbito do Acordo de Cotonu. Importa agora que uma participação reforçada e continuada do CESE e das suas estruturas se torne um elemento substancial do acordo que suceder ao Acordo de Cotonu. Desta forma, a sociedade civil da UE poderá ajudar a sociedade civil dos países africanos a tornar-se um parceiro fiável e credível dos investidores. Tal só poderá ser concretizado mediante a promoção de uma parceria equitativa e tendo verdadeiramente em conta as atuais assimetrias da situação económica. |
1.5. |
Será fundamental reforçar a colaboração económica para atingir os objetivos comuns. Nos últimos anos envidaram-se esforços no sentido de estabelecer um novo paradigma nas relações UE-África (por exemplo na agricultura) cada vez mais centrado na cooperação política e na promoção de um investimento sustentável e de um ambiente empresarial estável, responsável e integrador. Este paradigma tem de ser eficazmente aprofundado no setor agrícola, bem como noutros setores, e deve incluir mais pessoas locais no terreno. |
1.6. |
O CESE recomenda que se crie, ao nível da UE, uma política de «balcão único» e um mecanismo de consulta adequado, a fim de disponibilizar informações e contactos aos interessados em investir e colaborar com África. Tal mecanismo funcionaria também como instrumento político de acompanhamento. A criação de um balcão único para todas as iniciativas relacionadas com África, evitaria uma sobreposição de projetos e asseguraria a transparência e eficiência do apoio da UE. |
1.7. |
O CESE recomenda igualmente a criação de uma plataforma adequada que permita uma melhor partilha de informações entre as PME europeias e africanas sobre boas práticas de investimento e de colaboração. |
1.8. |
É necessário apresentar uma arquitetura institucional clara e transparente da UE em matéria de cooperação para o desenvolvimento com África, assente no novo Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento (1), que permita uma análise e uma execução mais realistas da perspetiva do desenvolvimento. O CESE espera que o acordo que suceder ao Acordo de Cotonu possa propor uma plataforma pragmática para uma política de cooperação para o desenvolvimento renovada, coerente com as complexidades do processo de desenvolvimento. Esta plataforma deve ter por base a colaboração entre todos os Estados-Membros e todas as instituições da UE, num esforço para registar todos os programas, projetos e iniciativas a nível nacional e da UE. Tal permitiria evitar a sobreposição e a duplicação de atividades em determinados domínios enquanto falta apoio noutros. |
1.9. |
Ao mesmo tempo, o CESE é favorável a um processo de maximização do impacto social e económico (2) de outras políticas da UE. Em particular, as políticas em matéria de comércio, investimento, fiscalidade (3), ajuda externa (4), luta contra a criminalidade organizada a nível internacional e clima devem ser coerentes com os objetivos da política de cooperação para o desenvolvimento. |
1.10. |
O CESE está fortemente empenhado em tornar o financiamento europeu em matéria de desenvolvimento mais eficiente e eficaz. Tendo em conta os fundos de investimento da UE que já investem em África, o CESE recomenda a criação de um fundo de investimento, semelhante ao Fundo Social Europeu (FSE), que se associe enquanto coinvestidor a investimentos públicos e privados. Este fundo deve assentar nos critérios e princípios da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e no reconhecimento das normas de base internacionalmente aceites (5). Os projetos apoiados devem ser monitorizados e incluídos em registos ou plataformas centrais. O CESE insta a uma colaboração ainda mais estreita com as organizações da sociedade civil (em particular o CESE) no que se refere aos valores éticos perseguidos no quadro dos projetos apoiados. |
1.11. |
O CESE apela à aplicação de uma abordagem «da ajuda ao investimento», o que significa deixar de dar prioridade à oferta de benefícios e passar a apoiar e a trabalhar com intervenientes económicos autossuficientes e autónomos e projetos económicos intercontinentais assentes na cooperação em condições equitativas. |
1.12. |
As próprias estruturas financeiras em África devem ser reforçadas por forma a apoiarem o financiamento a longo prazo, tanto para investimentos públicos como privados. Trata-se de um requisito prévio importante para um desenvolvimento sustentável e duradouro. As experiências europeias em matéria de bancos cooperativos e de bancos de desenvolvimento nacionais, que servem especialmente os municípios, poderão servir de modelo. Em especial, o microcrédito e o investimento poderão ser um elemento essencial para o futuro da economia africana. O desenvolvimento sustentável apenas poderá ser concretizado quando forem apoiadas cadeias de valor e mercados de consumo regionais para a classe média (6). |
1.13. |
O CESE considera que a cooperação da UE para o desenvolvimento deve colocar a tónica na construção de parcerias centradas nas pessoas, na garantia da participação da sociedade civil, dos sindicatos e do setor privado, bem como na geração de benefícios diretos para os cidadãos africanos e europeus. |
1.14. |
O CESE salienta que a sociedade civil organizada poderá ajudar a construir um clima de confiança ao dotar a sociedade civil africana de instrumentos de acesso à justiça, garantia da segurança e luta contra a corrupção, em parceria com estruturas africanas. Deverá ser este o valor acrescentado que a sociedade civil europeia traz ao desenvolvimento africano, assente em valores comuns como a democracia, o Estado de direito e os direitos políticos e de cidadania. |
1.15. |
Os acordos de comércio livre (ACL) e os acordos de parceria económica (APE) entre a UE e países africanos não possuem qualquer mecanismo de diálogo com a sociedade civil organizada. A UE deve procurar criar, no âmbito da revisão destes acordos, esses mecanismos de diálogo para intervenientes não estatais. |
1.16. |
Aproveitando a abordagem e a experiência crescente das plataformas de empresas sustentáveis em África («Sustainable Business for Africa» — SB4A), direcionadas principalmente para a participação do setor privado, a UE deveria reservar uma maior quota-parte dos seus auxílios e promover uma iniciativa análoga para a sociedade civil em geral, quer no quadro da SB4A, quer em complemento ou ainda em paralelo à mesma. Estas poderiam tornar-se plataformas com diversas partes interessadas em matéria de comércio e investimento sustentáveis em África. |
1.17. |
O CESE considera que a UE deve reservar alguns dos seus recursos de ajuda ao comércio para o apoio à participação e ao reforço das capacidades das organizações da sociedade civil, no que se refere aos esforços em matéria de comércio e investimento sustentáveis. |
1.18. |
Através de uma abordagem com diversas partes interessadas que também envolve as organizações da sociedade civil, o CESE promove iniciativas e ajustamentos aos regimes de política comercial previstos pelos ACL, pelos APE e pelo Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) conducentes à execução eficaz e sustentável da Zona de Comércio Livre Continental (ZCLC) e à integração do mercado africano. Esta abordagem deve, nomeadamente, reforçar o comércio intra-africano e a integração regional e continental, bem como desenvolver setores importantes da economia em todo o continente africano. |
1.19. |
Na Europa, o investimento em infraestruturas públicas, especialmente na educação, tem estado na base da melhoria das condições de vida. Um dos principais objetivos da nossa política de desenvolvimento em África deve consistir em melhorar o seu nível de ensino, nomeadamente entre os grupos economicamente vulneráveis. |
1.20. |
O CESE congratula-se com o aumento previsto do financiamento da UE a África para 40 mil milhões de euros (46,5 mil milhões de dólares) no próximo período orçamental e espera que este seja significativamente impulsionado por investidores privados. |
2. Contexto
2.1. |
A Europa, líder em matéria de cooperação para o desenvolvimento, é o maior doador mundial de ajuda pública ao desenvolvimento. Proporcionando mais de 50 % de toda a ajuda ao desenvolvimento prestada a nível mundial, a UE e os seus Estados-Membros são, no seu conjunto, o principal doador do planeta. |
2.2. |
De acordo com o Banco Mundial (7), as remessas enviadas pelos expatriados para países em desenvolvimento ascendia, em 2016, a cerca de 426 mil milhões de dólares, o que representa o triplo da ajuda pública ao desenvolvimento a nível mundial. O facto de se garantir aos migrantes africanos na Europa oportunidades legais de emprego e se assegurar infraestruturas seguras de transferência de dinheiro contribuirá muito para o desenvolvimento de África. |
2.3. |
África e a Europa são vizinhos próximos, ligados por uma história comum, e partilham valores e interesses comuns que guiarão a sua cooperação no futuro. Atualmente, procuram responder em conjunto a desafios mundiais comuns, como as alterações climáticas e a paz e segurança. África estará especialmente vulnerável às alterações climáticas, apesar de contribuir menos de 4 % para as emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial. Dos 33 países mais ameaçados pelas alterações climáticas, 27 situam-se em África. |
2.4. |
A cooperação a nível continental entre África e a União Europeia é orientada por uma parceria estratégica, que assenta em valores partilhados e interesses comuns. Em 2007, África e a UE adotaram a Estratégia Conjunta África-UE, a fim de estreitar laços entre os dois continentes em domínios de cooperação essenciais, aprofundar o diálogo político e fornecer um roteiro concreto para o futuro trabalho conjunto. |
2.5. |
É com o Grupo dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) que a UE mantém a cooperação mais duradoura, consagrada desde 1975 na Convenção de Lomé e atualizada desde 2000 no Acordo de Cotonu. São partes neste acordo 48 Estados da África Subsariana. |
2.6. |
A UE encontra-se atualmente a negociar com os Estados ACP um sucessor do Acordo de Cotonu, que abrange o período de 2000 a 2020. O contexto político e económico sofreu enormes mudanças durante as duas últimas décadas: as relações comerciais entre a UE e os países ACP são agora, em grande medida, reguladas por acordos de parceria económica bilaterais e regionais, e a estrutura da União Africana (UA) ganhou relevância, pondo em causa a coerência, a complementaridade e a sinergia entre as estruturas dos ACP e da UA. |
2.7. |
Um sucessor do Acordo de Cotonu proporciona a oportunidade de modernizar as regras sobre questões como investimento, serviços, comércio justo, direitos humanos, condições de trabalho dignas e migração. No entanto, a cooperação tem de assentar em novos pressupostos, baseados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e os países africanos terão de decidir se pretendem negociar em conjunto como um continente. |
2.8. |
Estes factos levam o CESE a insistir na necessidade de uma estratégia socioeconómica coerente nas relações UE-África e a apontar o papel que a participação da sociedade civil e dos parceiros sociais deve desempenhar nas negociações pós-Cotonu. |
2.9. |
O CESE chegou à conclusão de que não há uma supervisão ou registo centralizados de todas as iniciativas, programas e parcerias a nível nacional ou da UE. Além disso, não se dispõe de informações completas sobre o montante dos fundos que têm como destino África. |
3. Estrangulamentos
3.1. |
Importa realçar a heterogeneidade crescente do continente africano e que a UE deve adaptar as suas políticas às realidades. É necessária uma abordagem muito mais pragmática e realista no desenvolvimento das relações UE-África. |
3.2. |
A relação direta entre a UE e a União Africana (UA) alcançou maior proeminência desde o lançamento da Estratégia Conjunta África-UE, em 2007. A UE também impulsionou outras iniciativas, como o Fundo Fiduciário de Emergência da União Europeia para África, o Mecanismo de Investimento para África, o Plano de Investimento Externo e uma série de acordos infrarregionais. A multiplicidade de modalidades nas relações UE-África produz uma arquitetura complexa e por vezes incoerente, em que elementos de outras políticas se misturam com a cooperação para o desenvolvimento. A esta confusão soma-se os interesses divergentes dos Estados-Membros. |
3.3. |
O aumento do investimento do setor privado exige paz, segurança e estabilidade, bem como um ambiente favorável ao investimento e às empresas. Inquéritos realizados a investidores (8) indicam claramente que é necessário fazer muito mais neste domínio para melhorar a capacidade de África para competir a nível mundial pela captação de capital de investimento. O Estado de direito, o combate à corrupção, a independência do sistema judiciário e a previsibilidade das políticas fiscais, bem como a paz e a estabilidade, são fatores determinantes que influenciam as decisões dos investidores nacionais e estrangeiros. Pensa-se que o custo da criação de uma empresa é cerca de três vezes superior nos Estados frágeis, o que desencoraja significativamente o investimento privado (9). |
3.4. |
No seu parecer sobre o papel do comércio na implementação dos ODS (10), o CESE afirmou que «[a] implementação dos ODS necessitará do envolvimento direto da sociedade civil, designadamente porque tal promoverá o Estado de direito e contribuirá para combater a corrupção». Este parecer sublinhou igualmente a necessidade de construir infraestruturas em África, o que está atualmente a ser feito pelos chineses. O comércio interno em África é limitado, especialmente no que se refere aos produtos agrícolas; representa entre 10 % e 15 % de todo o comércio africano, o que se espera venha a melhorar com a aplicação do Acordo de Facilitação do Comércio da OMC, de 2017. |
3.5. |
De acordo com as projeções, são necessários anualmente cerca de 600 mil milhões de dólares para executar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em África (11). Mesmo com a participação de investimento estrangeiro e de ajuda pública ao desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável em África dependerá da mobilização e da geração de recursos internos. Esses recursos têm por base investimento e criação de valor a longo prazo, por forma a gerar emprego de qualidade e cadeias de valor locais e regionais. A melhoria da educação e o consumo privado são fatores importante do crescimento em África, o que significa que o fomento do desenvolvimento neste continente tem de passar, em grande medida, pela criação de mercados (ou seja, consumidores) para os seus próprios produtos. As infraestruturas públicas são igualmente fundamentais para permitir um investimento privado a longo prazo. |
3.6. |
O CESE chama a atenção para o papel importante que o Programa Erasmus+ desempenha no acesso dos jovens africanos a uma educação avançada. |
3.7. |
A ligação entre desenvolvimento económico e migração não deve ser negligenciada. Alguns estudos demonstram (12) que as necessidades de migração diminuem assim que é atingido um determinado rendimento per capita (dependendo do estudo, os valores variam entre 6 000 e 10 000 dólares per capita por ano). Não obstante o facto de a maior parte da migração em África ocorrer no interior do continente, estes valores apontam para a necessidade de uma política de desenvolvimento que vise dar às pessoas uma vida digna, emprego e perspetivas nos seus próprios países. Concretizá-lo constituirá um enorme desafio, pois, segundo as projeções demográficas, viverão em África 2,5 mil milhões de pessoas em 2050 (13). |
3.8. |
Os ODS estabelecem a necessidade de alcançar a igualdade de género e de capacitar as raparigas e as mulheres para que se tornem autossuficientes; os desafios ao desenvolvimento que enfrentamos atualmente contêm um aspeto de género que se distingue e que tem de ser avaliado na elaboração das políticas e tido em conta na sua execução. |
3.9. |
A corrupção é um problema de grandes proporções, não só em África. É necessário promover uma boa governação económica e financeira mediante o reforço da gestão transparente das finanças públicas, a criação de um sistema credível de luta contra a corrupção assente na independência do sistema judiciário e a melhoria do ambiente empresarial e das circunstâncias que favorecem o progresso social. |
3.10. |
A sociedade civil organizada pode desempenhar uma função de supervisão importante. O reforço do papel das organizações não governamentais (ONG), dos sindicatos e das associações empresariais, bem como o apoio a estas iniciativas nos países parceiros, ajuda a promover a boa governação, a justiça e a democratização. |
3.11. |
A Europa está a perder terreno em África, em comparação com outros intervenientes mundiais, como a China, que está a investir somas avultadíssimas no continente. Os Estados-Membros da UE receiam ser relegados para a «segunda divisão». Se a participação da Europa, bem como a da China, não se centrar exclusivamente nos lucros, mas também no desenvolvimento sustentável de África, promovendo níveis de vida dignos, a necessidade de migrar pode ser reduzida. |
3.12. |
O CESE apela à aplicação de uma abordagem «da ajuda ao investimento», o que significa deixar de dar prioridade à oferta de benefícios e passar a apoiar e a trabalhar com intervenientes económicos autossuficientes e autónomos e projetos económicos intercontinentais assentes na cooperação em condições equitativas. |
3.13. |
A relutância de estruturas conservadoras (por exemplo, igrejas) em matéria de gestão do crescimento demográfico reduz as hipóteses de elaboração de uma estratégia para um crescimento económico e social sustentável. |
4. Investimento
4.1. |
Durante muitos anos, a política da UE para África caracterizou-se por boas intenções e promessas por cumprir. Contudo, desde a crise dos refugiados, aumentou acentuadamente o interesse numa nova estratégia para a cooperação com o continente. A UE prevê investir mais em África e pretende intensificar as relações comerciais, pois o próximo passo que é necessário dar é tornarem-se verdadeiros parceiros económicos. Essa parceria deve assentar numa perspetiva de igualdade de oportunidades, tendo em consideração as assimetrias evidentes que existem entre África e a Europa. |
4.2. |
Os investimentos em África mostram uma situação pouco homogénea, que reflete as incertezas a nível mundial, com os fluxos de investimento direto estrangeiro a sofrerem flutuações e a não registarem a forte tendência ascendente necessária. Em 2016, a África do Sul, a Nigéria, o Quénia, o Egito e Marrocos atraíram coletivamente 58 % do total do investimento direto estrangeiro, enquanto os países menos avançados e mais frágeis enfrentam desafios sistémicos para atrair o investimento privado. |
4.3. |
A UE é o maior investidor em África, com os seus Estados-Membros a deterem, em 2016, cerca de 40 % do investimento direto estrangeiro no valor de 291 mil milhões de euros (14). O forte progresso económico de África nas duas últimas décadas e o potencial do próprio continente indiciam uma grande oportunidade para fazer mais. As projeções demográficas para África mostram claramente que é também necessário criar milhões de novos postos de trabalho de qualidade, especialmente para os jovens que entram no mercado de trabalho. Os indicadores macroeconómicos não se traduzem, por si só, num melhor nível de vida para todos. As políticas têm de garantir que o desenvolvimento económico beneficia o nível de vida da população em geral. |
4.4. |
Para atingir um desenvolvimento sustentável e criar postos de trabalho de qualidade para a população africana, que se prevê que duplicará até 2050, é necessário aumentar, em especial, o investimento público e privado. |
4.5. |
O investimento tornou-se uma questão essencial para o futuro desenvolvimento de África e será tema das negociações sobre um sucessor do Acordo de Cotonu. Tendo em conta a multiplicidade de instrumentos existentes, as negociações sobre um regime de investimento que combine, em pé de igualdade, a proteção adequada dos investidores com compromissos em matéria de sustentabilidade, principalmente no que se refere aos direitos humanos, à proteção do ambiente e à criação de níveis de vida dignos, deixam antever um valor acrescentado especialmente elevado. |
4.6. |
No próximo período orçamental, a UE prevê aumentar o financiamento concedido a África para 40 mil milhões de euros (46,5 mil milhões de dólares). Espera-se que este montante seja depois multiplicado por investidores privados. A UE pretende conceder garantias de cobertura de riscos, a fim de incentivar o setor privado a assumir compromissos e a investir em países africanos. Os investimentos que cumpram claramente e visem os objetivos de sustentabilidade definidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável devem ter prioridade na concessão de apoio. Além do sistema de garantias de cobertura de riscos, é necessário também um sistema adequado de verificação e monitorização para assegurar o cumprimento dos ODS. O CESE recomenda vivamente que as organizações da sociedade civil contribuam para a luta contra a utilização abusiva dos fundos europeus. |
4.7. |
Os potenciais investidores, principalmente pertencentes a pequenas e médias empresas (PME), referem que há falta de confiança no ambiente de investimento no que se refere à estabilidade política, à justiça, aos direitos de propriedade intelectual, ao acesso aos mercados e ao nível de aplicação dos acordos comerciais. |
4.8. |
O CESE recomenda a criação de um fundo de investimento, semelhante ao FSE, que se associe enquanto coinvestidor a investimentos públicos e privados. Este fundo deve assentar nos critérios e princípios da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e no reconhecimento das normas de base internacionalmente aceites (15). Os projetos apoiados devem ser monitorizados e incluídos em registos ou plataformas centrais. O CESE destaca que é necessária uma colaboração ainda mais intensa com as organizações da sociedade civil (em particular o CESE) no que se refere aos valores éticos perseguidos no quadro dos projetos apoiados. |
4.9. |
O CESE apoia a criação de um ambiente em que seja facilitado o acesso ao financiamento para as micro, pequenas e médias empresas africanas e europeias, seja melhorado o quadro jurídico para o investimento público e privado, e em que os sistemas de contratação pública se tornem mais eficientes, os investimentos beneficiem as pessoas nas economias locais e promovam a criação de postos de trabalho de qualidade a nível nacional, bem como sejam promovidas as normas internacionais necessárias. |
4.10. |
As estruturas financeiras em África devem igualmente ser reforçadas para apoiar o financiamento a longo prazo. Trata-se de um requisito prévio importante para um desenvolvimento sustentável e duradouro. Além disso, os bancos cooperativos, por exemplo, foram um pilar do desenvolvimento em inúmeros países europeus, e os bancos de desenvolvimento nacionais, que servem especialmente os municípios, fomentaram o investimento na Europa. Recorrendo a estas medidas, os países europeus financiaram, nomeadamente, infraestruturas públicas sociais e locais, que além de terem sido uma base importante para os investimentos privados e para o crescimento económico duradouro, foram igualmente importantes para o desenvolvimento dos Estados-providência europeus. |
4.11. |
A UE e os respetivos Estados-Membros devem concentrar os seus instrumentos financeiros em instituições e objetivos específicos, a fim de evitar uma concorrência destrutiva. A concorrência entre diferentes instituições europeias e internacionais provocou mal-entendidos e dificuldades no acesso aos mercados africanos. É necessário haver mais compromisso conjunto e direto, controlo e transparência. A sociedade civil pode desempenhar um papel institucional neste contexto, enquanto supervisores independentes. |
4.12. |
Uma política de investimento que promova investimentos privados europeus em África deve ser direcionada sobretudo para a criação de cadeias de valor regionais que produzam bens que possam ser consumidos principalmente em África, criando, desta forma, mercados internos. Poderia ser reproduzido o modelo de crescimento europeu aplicado nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, no qual o desenvolvimento da sua indústria estava fortemente dependente dos seus mercados internos. |
4.13. |
As ONG africanas e europeias, principalmente as que possuem raízes africanas, podem desempenhar uma função de criação de pontes para o desenvolvimento económico e intervir no apoio ao desenvolvimento económico sustentável nos seus países de origem. |
5. Comércio
5.1. |
A UE continua a ser o maior parceiro comercial de África, sendo o destino de 36 % de todas as suas exportações, à frente da China e dos EUA. O objetivo da Comissão Europeia é intensificar esta cooperação e enquadrá-la numa nova base contratual. |
5.2. |
Na qualidade de principal parceiro comercial de África, a UE procurou oferecer aos países africanos as suas preferências comerciais mais generosas, através do seu SPG (e do princípio «Tudo Menos Armas» para os países menos avançados, a maioria dos quais se situa em África) ou de ACL, nomeadamente acordos de parceria económica, que têm como principal objetivo o desenvolvimento. |
5.3. |
No entanto, ao contrário do previsto na nova geração de ACL da UE e nos APE com os Estados das Caraíbas, os ACL e os APE da UE com países africanos não contemplam qualquer mecanismo de diálogo com as organizações da sociedade civil. Os ACL com países do Norte de África ainda não possuem cláusulas relativas a grupos consultivos internos nem um capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Além disso, os APE, que dizem respeito ao desenvolvimento, não preveem uma cláusula relativa a um comité consultivo destinado a fomentar o diálogo com intervenientes não estatais sobre a aplicação sustentável e o impacto do APE. |
5.4. |
A participação e o diálogo com as organizações da sociedade civil podem também ocorrer fora dos (ou em paralelo aos) acordos de comércio. Uma vez que as relações comerciais e de investimento entre a UE e África deverão fomentar o desenvolvimento sustentável, devem participar todas as partes interessadas e não apenas os intervenientes estatais. |
5.5. |
Existem desafios em matéria de desenvolvimento que decorrem da estrutura atual do comércio entre África e a Europa. Mesmo depois de ratificados, nem todos os APE são de facto aplicados pelos países parceiros. Este facto não é de todo injustificado, pois tem havido inúmeros relatos de situações em que as exportações europeias impedem o desenvolvimento das indústrias e dos setores locais (16). O comércio livre alargado constitui uma mudança estrutural inegável para os países parceiros, que anteriormente poderiam regular os respetivos setores económicos através de sistemas preferenciais. Além disso, os APE são negociados com blocos económicos, cujos membros se encontram frequentemente em situações diferentes, e esse facto pode merecer abordagens diferentes em relação à política comercial. Por último, mas não menos importante, acordos comerciais exaustivos podem em si mesmos constituir um desafio organizacional no âmbito das negociações para os países em desenvolvimento e para os novos países industrializados. |
5.6. |
Uma maior participação da sociedade civil tem algumas implicações em termos de custos e de reforço das capacidades, que devem ser resolvidas por forma a serem aplicados mecanismos de participação eficazes. A UE deve reservar alguma da sua ajuda ao comércio (pode ser identificada uma percentagem) para o apoio à participação, ao diálogo social e ao reforço das capacidades da sociedade civil, no que se refere aos esforços em matéria de comércio e investimento sustentáveis. |
5.7. |
África está igualmente empenhada no estabelecimento de uma Zona de Comércio Livre Continental (ZCLC), rumo a um mercado único africano. A ZCLC tem, até à data, mais de quarenta signatários e é considerada muito relevante por muitos intervenientes estatais e não estatais em África. Deve reforçar o comércio intra-africano e a integração regional e continental, bem como desenvolver setores importantes da economia em todo o continente africano. A UE pode apoiar efetivamente este esforço e ajudar a assegurar que os seus regimes comerciais preferenciais com regiões e países africanos (ACL da UE com o Norte de África, APE e regime de SPG) contribuem para apoiar a integração do comércio continental, avançando no sentido de um acordo comercial entre os dois continentes. |
6. Rumo a uma nova «Aliança África — Europa»
6.1. |
África não precisa de caridade: precisa de uma parceria genuína e justa em conformidade com a Aliança África — Europa para Investimentos e Empregos Sustentáveis, proposta em setembro de 2018. A proposta afirma que ajudaria a criar até dez milhões de postos de trabalho em África apenas nos próximos cinco anos. Deve estar implícito que estes postos de trabalho têm de garantir um rendimento que permita um nível de vida digno. A aliança propõe-se desbloquear investimento privado e explorar as enormes oportunidades que poderão gerar benefícios para as pessoas e para as economias tanto africanas como europeias. A UE deve considerar a possibilidade de transformar os inúmeros acordos de comércio entre a UE e países africanos num acordo de comércio livre entre os dois continentes, enquanto parceria económica entre iguais. Como tal, a aliança constitui um sinal político importante. Uma parceria deste tipo deve assentar na igualdade de condições, ter presente as assimetrias e tomar em conta as respetivas capacidades. |
6.2. |
Por forma a tornar-se uma verdadeira aliança, é necessário haver uma reflexão de ambas as partes, uma maior compreensão, coordenação e cooperação entre ambas as partes; além disso é necessário:
|
7. A agenda pós-Cotonu e o papel da sociedade civil
7.1. |
A Comissão Europeia encetou negociações para uma nova parceria ambiciosa com 79 países ACP. Tanto a ACP como a UE valorizam a «dimensão política» como uma conquista do Acordo de Cotonu e pretendem mantê-la. Esta dimensão centra-se no diálogo político sobre questões nacionais, regionais e mundiais de interesse mútuo, bem como no compromisso com os direitos humanos, a boa governação e a paz e estabilidade. |
7.2. |
Uma nova relação de comércio justo deste tipo com os países africanos deverá promover o trabalho digno e a defesa dos serviços públicos. A política comercial deve assegurar o pleno respeito e a proteção dos direitos humanos, do emprego de qualidade e do ambiente e deve também ter em conta as necessidades de desenvolvimento dos países em desenvolvimento. O comércio só pode ser uma grande oportunidade se criar empregos de qualidade e impulsionar o crescimento sustentável. Todos os acordos comerciais devem assegurar a participação da sociedade civil organizada, a boa governação e a transparência. |
7.3. |
O CESE desempenhou um papel importante na promoção das relações com a sociedade civil no âmbito do Acordo de Cotonu. Importa agora que uma participação reforçada e continuada do CESE e das suas estruturas se torne um elemento substancial do acordo que suceder ao Acordo de Cotonu. Desta forma, a sociedade civil da UE poderá ajudar a sociedade civil dos países africanos a tornar-se um parceiro fiável e credível dos investidores. |
Bruxelas, 12 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) JO C 246 de 28.7.2017, p. 71.
(2) https://www.africa-eu-partnership.org//sites/default/files/documents/eas2007_joint_strategy_en.pdf.
(3) JO C 81 de 2.3.2018, p. 29.
(4) Entendida como ajuda humanitária e auxílio em situações de catástrofe, prevenção de conflitos, democratização e cooperação para o desenvolvimento, mas não como apoio e cooperação militar e no âmbito da polícia de fronteiras.
(5) Como a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social.
(6) Vários estudos demonstram que um determinado rendimento mínimo conduz a uma diminuição das pressões migratórias, nomeadamente Clemens, Does Development Reduce Migration? [O desenvolvimento reduz a migração?] (2014) (http://ftp.iza.org/dp8592.pdf).
(7) http://pubdocs.worldbank.org/en/992371492706371662/MigrationandDevelopmentBrief27.pdf.
(8) Nomeadamente, o relatório Doing Business 2017: Igualdade de Oportunidade Para Todos, do Banco Mundial.
(9) Nota estratégica do Centro Europeu de Estratégia Política, The Makings of an African Century [A construção de um século africano] (2017).
(10) JO C 129 de 11.4.2018, p. 27.
(11) Ministério do Desenvolvimento alemão, Afrika und Europa — Neue Partnerschaft für Entwicklung, Frieden und Zukunft — Eckpunkte für einen Marshallplan mit Afrika [África e Europa — Uma nova parceria para o desenvolvimento, a paz e o futuro — elementos principais para um Plano Marshall com África], e CNUCED, Economic Development in Africa Report 2016 [Relatório sobre o desenvolvimento económico em África de 2016].
(12) Nomeadamente, Clemens, Does Development Reduce Migration? [O desenvolvimento reduz a migração?] (2014) (http://ftp.iza.org/dp8592.pdf).
(13) Africa's Development Dynamics 2018: Growth, Jobs and Inequalities [Dinâmicas do Desenvolvimento em África 2018: Crescimento, emprego e desigualdades], Comissão da União Africana/OCDE 2018.
(14) Eurostat 2018.
(15) Como a Declaração de Princípios Tripartida sobre as empresas multinacionais e a política social.
(16) Por exemplo, https://www.deutschlandfunk.de/das-globale-huhn-ghanas-bauern-leiden-unter-gefluegel.766.de.html?dram:article_id=433177; https://www.wienerzeitung.at/nachrichten/wirtschaft/international/835163_Was-Altkleider-fuer-Afrikas-Wirtschaft-bedeuten.html; https://www.dialog-milch.de/im-fokus-eu-milchpulver-und-der-milchmarkt-in-afrika/.
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/27 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O “valor de uso” está de volta: novas perspetivas e desafios para os produtos e serviços europeus»
[parecer de iniciativa]
(2020/C 97/04)
Relator:
Dimitris DIMITRIADIS
Decisão da Plenária |
24.1.2019 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
Competência |
Secção do Mercado Único, Produção e Consumo |
Adoção em secção |
19.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
191/3/4 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) considera que a oferta de produtos e serviços que sejam inovadores, altamente especializados e detentores de características essenciais certificadas e amplamente reconhecidas e que satisfaçam as necessidades dos clientes, bem como os requisitos em matéria de sustentabilidade social e ambiental, pode tornar-se a essência e a prioridade da competitividade europeia moderna. O presente parecer visa definir uma identidade europeia que esteja em consonância com as mudanças socioeconómicas sistémicas e mundiais. |
1.2. |
O CESE defende que a recente evolução coloca o «valor de uso» na linha da frente da concorrência atual, contribuindo, assim, para uma retoma sustentável da produção europeia em todos os setores e indústrias. As pequenas e médias empresas (PME) europeias, para além do impacto socioeconómico bem documentado que têm, podem tornar-se num fator importante na redefinição da posição da Europa na distribuição atual do trabalho, respondendo à procura de variedade em todo o mundo. |
1.3. |
O «regresso do valor de uso» é um dos atributos básicos da Europa, que apresenta uma diversidade sociocultural, geológica e climática significativa. Este facto realça a importância de procurar obter produtos e serviços altamente especializados: no interesse da competitividade, os processos de produção devem igualmente estar em conformidade com as políticas de sustentabilidade social e ambiental. |
1.4. |
Tendo em conta as enormes economias de escala nas economias emergentes e em desenvolvimento, bem como a negação da responsabilidade social e ambiental, aliada ao regresso do protecionismo agressivo em muitos dos países desenvolvidos, a adoção de padrões de produção especializados, de qualidade e sustentáveis é provavelmente a melhor (se não a única) solução, não só para a Europa como também para o resto do mundo. |
1.5. |
Para o efeito, o CESE recomenda intervenções estratégicas nos seguintes domínios: i) a governação nacional e da UE deve aplicar políticas articuladas orientadas para o «valor de uso», adaptadas em termos territoriais, que atendam às características e necessidades locais; ii) o desenvolvimento de uma política industrial igualmente ambiciosa para a Europa e a promoção dos agrupamentos e do cooperativismo de produtores (semi)autónomos, através da qual a preservação da variedade conduz a benefícios de escala em segmentos específicos do ciclo de vida dos produtos; iii) a generalização da simbiose industrial, a fim de promover a economia circular; iv) a melhoria do acesso aos recursos financeiros através da execução do Plano de Ação para a União dos Mercados de Capitais e da sua promoção de instrumentos de microfinanciamento, bem como através de abordagens bancárias ecológicas e baseadas no «valor de uso». |
1.6. |
O ensino e formação profissionais e a aprendizagem ao longo da vida constituem uma excelente oportunidade para a ligação em rede e a constituição de agrupamentos, a fim de reduzir os custos do desenvolvimento humano e reforçar as competências transversais fundamentais. |
1.7. |
Um outro domínio de intervenção estratégica é constituído pelas competências em matéria de acesso a dados e gestão de dados. Não obstante, assegurar a soberania digital e a privacidade das pessoas singulares e coletivas pode revelar-se uma tarefa técnica e juridicamente difícil. Por outro lado, os produtores e os prestadores de serviços precisam de ter igualmente a possibilidade e a capacidade de utilizar os métodos e os processos necessários, quer sejam digitalizados ou não. Além do fornecimento de software de código aberto, este debate remete-nos novamente para a necessidade do ensino e formação profissionais, bem como da aprendizagem ao longo da vida. |
2. Antecedentes do presente parecer
2.1. |
O «valor de uso» é a resposta à pergunta «Qual a utilidade de um produto ou serviço?». Numa abordagem mais alargada e holística, inclui todas as utilizações positivas ou negativas diretamente relacionadas ou induzidas de forma indireta. O «valor de uso» refere-se a todos os atributos reais, objetivos e/ou previstos de forma subjetiva de um produto ou serviço durante a totalidade do seu ciclo de vida («do berço ao túmulo»). Tudo, quer seja material, quer não, que tenha um «valor de uso» é um «bem económico». Numa era de «economia comercializada», o valor de troca (o preço) afastou o «valor de uso» das operações do mercado, pelo que o segundo uso, na melhor das hipóteses, era supostamente indicado pelo primeiro uso. |
2.2. |
Hoje em dia, com a produtividade do trabalho a aumentar a um ritmo acelerado, verifica-se uma mudança nas necessidades das pessoas, que cada vez mais desejam variedade na medida em que o desejo de quantidade há muito se encontra satisfeito nos principais mercados mundiais. De um modo geral, as preferências dos consumidores estão a deslocar-se para produtos e serviços com qualidade especializada, diferenciada e certificada, mesmo nos mercados emergentes, destinados a segmentos especiais da procura local de acordo com a idade, o nível de escolaridade, o tipo de ocupação, o nível de urbanização, etc. |
2.3. |
Como era previsível, as inovações tecnológicas e processuais mais recentes visam expandir a produtividade, não só em termos de produção de quantidades em massa, mas, sobretudo, em termos de produção de qualidades diferenciadas, melhorando, desta forma, a correspondência direta entre produção e preferências existentes. |
2.4. |
Além disso, a aceleração da evolução técnica também faz com que os bens percam o seu caráter comercial típico, desencadeando um processo de «descomercialização» gradual, ainda que com graus de intensidade que variam consoante os setores. Tudo isto coloca o «valor de uso» na linha da frente da concorrência atual, o que pode servir de base para uma retoma sustentável da produção europeia em todos os setores. |
2.5. |
As instituições da UE parecem ter compreendido estas alterações estruturais. A Comunicação COM/2017/0479 da Comissão incide na necessidade de investir numa indústria europeia inteligente, inovadora e sustentável. O CESE respondeu elaborando um parecer (1) em que destaca a necessidade de desenvolver as PME e de promover a inovação pertinente. |
2.6. |
Num parecer exploratório mais recente, o CESE apelou para a adoção de uma abordagem holística que permita conciliar o crescimento, o clima, os desafios ambientais e os problemas sociais no quadro de uma transição justa. Nesta base, o Comité exortou a Comissão e os Estados-Membros «a adotar uma estratégia abrangente de longo prazo, com uma visão global», em que «a capacidade de atração da Europa deve ser uma prioridade para qualquer política industrial assente na inovação e na competitividade» (2). |
2.7. |
Mais recentemente, tendo em conta o dilema «custos elevados vs. enfrentar o efeito de estufa», o parecer de iniciativa do CESE sobre a perspetiva da indústria em relação à reconciliação das políticas climática e energética (3) analisa a viabilidade técnica e legal da aplicação de medidas de ajustamento nas fronteiras ao preço interno das emissões de gases com efeito de estufa. Nesse documento, o CESE recomendou à Comissão que analisasse mais atentamente esta e outras opções estratégicas, como a reforma do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (CELE), o ajustamento de carbono nas fronteiras e uma taxa do IVA ajustada à intensidade carbónica. |
2.8. |
O presente parecer de iniciativa vai mais longe, referindo o que deve incluir uma abordagem global da política industrial para reposicionar a produção europeia de bens e serviços no contexto global, com base num modelo de mercado ecossocial aberto que responda à tradição e ao futuro da UE. |
3. O nível micro
3.1. |
As transformações estruturais referidas atualizam a «utilidade» das PME: para além do seu impacto socioeconómico bem documentado (impulsionando significativamente o valor acrescentado numa sociedade moderna e criando novos postos de trabalho), as PME podem tornar-se no principal fator de reposicionamento da produção europeia, dada a sua capacidade para responder às necessidades específicas dos nichos de mercado e à procura crescente de variedade em todo o mundo. |
3.2. |
O reconhecimento da importância que as PME revestem atualmente não as torna automaticamente menos vulneráveis. Como tal, um dos objetivos do presente parecer é ajudar a procurar novas formas de apoiar os pequenos e médios produtores europeus para superarem as desvantagens em termos de escala. O CESE reitera o seu apelo para a promoção de novos métodos de ligação em rede, de agrupamentos e de cooperativismo, preservando a autonomia dos produtores em prol da produção de bens de qualidade diferenciada, enquanto alguns segmentos do ciclo de vida da produção gerada serão satisfeitos em conjunto recorrendo às economias de escala. Tal poderá aplicar-se, por exemplo, na conceção e na promoção de bens, na criação de incubadoras e pré-incubadoras de empresas, nos domínios do transporte e logística, no acesso a recursos financeiros, no acesso e utilização de megadados e de bases de dados especializadas, bem como na interligação no contexto da economia circular. |
3.3. |
A melhoria do acesso a recursos e serviços financeiros é fundamental para as empresas europeias e, em especial para as PME. A aplicação do Plano de Ação para a União dos Mercados de Capitais é essencial, pois apresenta instrumentos de microfinanciamento para inovação, empresas em fase de arranque e empresas não cotadas, bem como métodos para, nomeadamente, facilitar a entrada e a obtenção de capitais em mercados públicos. Além disso, tendo em conta a importância dos aspetos ambientais e sociais relacionados com os bens e serviços (quer direta, quer indiretamente), deve haver uma maior promoção das abordagens bancárias ecológicas e baseadas no «valor de uso». A existência de centros de competências adequados poderia revelar-se de grande utilidade para a inclusão dos princípios de sustentabilidade nas operações das PME. |
3.4. |
Deve ser igualmente conferida especial atenção à transição para uma economia circular, incentivando os produtores a colaborarem e a partilharem recursos de forma eficiente. Para o efeito, e salientando a importância de fornecer aos consumidores europeus as informações mais objetivas, o CESE insiste na criação de parques e distritos ecoindustriais. Uma comunidade de empresas de produção e de serviços pode melhorar o desempenho ambiental e económico através da colaboração na gestão de questões ambientais e de recursos, incluindo energéticos, hídricos e de materiais. Esta «simbiose» territorial promove a partilha de recursos entre entidades no mesmo setor ou até em setores diferentes. |
3.5. |
Os benefícios da simbiose industrial podem sentir-se em todos os níveis de sustentabilidade: o alargamento das ligações a montante e a jusante nos parques industriais e nos distritos de produção converte o custo da eliminação e do tratamento de resíduos num centro de rendibilidade, ao reduzir o custo das matérias-primas, maximizar o uso de instalações e recursos subutilizados, repartir o custo de novas infraestruturas e investir na colaboração com partes interessadas do mesmo setor ou até de outros setores. |
3.6. |
Além disso, a gestão de recursos torna-se uma fonte de inovação, acrescentando valor a recursos «inúteis» ou «inexploráveis», proporcionando novas oportunidades de negócio, permitindo simultaneamente o cumprimento da regulamentação e eliminando o risco de incorrer em penalizações financeiras. Igualmente importantes são os benefícios ambientais: através da simbiose industrial, a utilização de matérias-primas, a produção líquida de resíduos e as emissões de carbono são reduzidas sem comprometer a atividade económica. Estes fatores podem servir de base para uma certificação mundialmente reconhecida da produção final, tendo em vista conferir maior destaque à qualidade dos produtos e serviços europeus. |
3.7. |
Melhorar a capacidade das empresas europeias e, em especial, dos pequenos e médios produtores, de gerir eficazmente eventuais dados e informações pertinentes (a «inteligência empresarial» é uma nova expressão pertinente) aumenta as suas hipóteses de sobrevivência, mas também a sua capacidade de adaptação a um mercado mundial em mutação:
|
3.8. |
Por último, mas não menos importante, a questão da ligação em rede e da constituição de agrupamentos também se aplica ao desenvolvimento das competências necessárias entre os trabalhadores. O Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop) realçou a necessidade de intensificar a cooperação, especialmente em matéria de aprendizagem em contexto de trabalho, entre instituições de ensino e formação profissionais, universidades, centros de investigação e empresas. As competências transversais devem ser reforçadas através de processos de formação inicial e também de aprendizagem ao longo da vida, por forma a criar processos de produção mais flexíveis e impulsionar a criatividade e a inovação, incluindo, nomeadamente, no que se refere à transformação digital. |
4. O nível macro
4.1. |
A reindustrialização no sentido da reconstrução de uma estrutura de produção multissetorial na Europa surgiu de uma forma categórica, na sequência de um período de desindustrialização e do aumento da externalização, principalmente para regiões não europeias. É reconhecido que a recuperação de um «ecossistema» diverso, produtivo e sustentável tem múltiplos efeitos positivos no desenvolvimento socioeconómico. Tal acontece porque: i) cria ligações produtivas a montante e a jusante; ii) reforça os mercados locais; iii) reduz o nível de dependência produtiva, fomentando, desta forma, a resiliência da economia local; e iv) desencadeia atividades de I&D interdisciplinares que impulsionam a inovação no que se refere aos processos de produção e às características dos produtos e serviços oferecidos. |
4.2. |
A fim de promover uma retoma da produção europeia e aproveitar a tendência mundial atual de relocalização, a competitividade europeia deve ser reafirmada no âmbito dos mercados internacionais atuais. As cadeias de valor mundiais enfrentam transformações significativas: i) contração contínua desde a crise financeira mundial; ii) «regionalização» como estratégia de aproximação aos principais mercados de consumo; iii) restruturação da rutura territorial das cadeias de produção. |
4.3. |
A atribuição de mais prioridade à qualidade do que ao preço e a perda do caráter tipicamente comercial dos bens coadunam-se com os atributos básicos da Europa: uma área de grande diversidade sociocultural, geológica e climática, em que, simultaneamente, ou talvez precisamente por isso, as PME continuam a desempenhar um papel significativo enquanto «intensificadores» da economia. Por conseguinte, a oferta de produtos e serviços inovadores, altamente especializados e detentores de características essenciais certificadas e amplamente reconhecidas, que satisfaçam as necessidades dos clientes e respeitem a sustentabilidade social e ambiental, pode tornar-se na essência e na prioridade da competitividade europeia moderna. |
4.4. |
Este argumento é ainda mais convincente se considerarmos que nos últimos tempos o mundo passou a ser bipolar: enormes economias de escala nas economias emergentes e em desenvolvimento e a negação da responsabilidade social e ambiental, aliada ao regresso do protecionismo agressivo em muitos dos países desenvolvidos, com a Europa apanhada no meio (por exemplo, afetada pela guerra comercial entre os Estados Unidos da América e a China). Transformações tecnológicas, sociais e demográficas incríveis estão a desencadear alterações drásticas na natureza e na estrutura da economia mundial, com a emergência de novos mercados locais e de novas necessidades. A adaptação a evoluções sistémicas e a adoção das características supramencionadas de uma produção especializada, de qualidade e sustentável podem ser uma solução não só para a Europa como também para o resto do mundo. |
5. Proposta política pertinente nos níveis local, nacional e da UE
5.1. |
A fim de superar todos os desafios associados à definição de uma identidade europeia e à reafirmação do papel dos produtos e serviços europeus na economia mundial, a UE e os respetivos Estados-Membros têm de reforçar significativamente o investimento em investigação e desenvolvimento, educação, infraestruturas, comercialização e tecnologias inovadoras. Para o efeito, conforme defendido pelos parceiros sociais europeus, pela sociedade civil e por outras partes interessadas, é necessária uma política industrial ambiciosa para a Europa, centrada na inovação, na regulamentação inteligente, nas parcerias sociais, no comércio livre e na responsabilidade social e ambiental. |
5.2. |
Tendo em conta a concorrência mundial em rápida mutação e intensificação, é inevitável uma política comercial, essencial para combater lacunas do mercado geradas internamente. Não obstante, em vez de se deixar apanhar numa espiral protecionista, a governação nacional e da UE deve elaborar e aplicar políticas articuladas orientadas para o «valor de uso», adaptadas em termos territoriais, que atendam às características e necessidades locais: i) medidas de normalização e de certificação para proteção interna e para promoção das marcas europeias no estrangeiro; ii) diplomacia económica (pró-)ativa que explore laços políticos, culturais e socioeconómicos internacionais; iii) utilização da celebração de contratos públicos como instrumento para o cumprimento das normas de qualidade nos mercados europeus; iv) promoção dos investimentos necessários em infraestruturas e de acordos institucionais que continuem a reforçar a competitividade da produção local. |
5.3. |
A regulamentação inteligente em matéria de comércio supramencionada deve ser acompanhada de políticas industriais nacionais e da UE inteligentes: i) digitalização, «ciberização» e aplicações de inteligência artificial na produção; ii) investimento na criação de produtos e serviços mais diferenciados e altamente especializados; iii) investimento na capacidade técnica, a fim de produzir de forma eficiente variedades diferenciadas; iv) promoção da constituição de agrupamentos e do cooperativismo de produtores (semi)autónomos, através da qual a preservação da variedade conduz a benefícios de escala em segmentos específicos e cuidadosamente escolhidos do ciclo de vida dos produtos; v) generalização do sistema de simbiose industrial para promover a economia circular; vi) maior reforço das ligações entre produção e I&D, também em domínios científicos menos aplicados (consultar o debate pertinente para o novo Horizonte Europa 2020-2025). |
5.4. |
Especialmente no que se refere à promoção supramencionada da constituição direcionada de agrupamentos e da simbiose industrial, serão necessários estudos regionais e setoriais para revelar os segmentos de produção local nos quais poderiam ser criados os diferentes tipos de ligação em rede e de cooperativismo. |
5.5. |
Conforme já referido, o ensino e a formação profissionais e a aprendizagem ao longo da vida constituem uma ferramenta para ligação em rede e constituição de agrupamentos que permite alcançar benefícios de escala no que se refere aos custos do desenvolvimento humano que os empregadores têm de suportar, bem como uma forma de reforçar capacidades fundamentais para impulsionar a criatividade, a inovação e a adaptabilidade no processo de produção. A futura política europeia em matéria de ensino e formação profissionais e de aprendizagem ao longo da vida deverá atribuir prioridade a estas competências transversais a todos os níveis e de várias formas, incluindo novos métodos de aprendizagem, utilizando tecnologia moderna e novos mecanismos de financiamento, o que ajudará as unidades de produção a adotar os progressos mais recentes e a utilizá-los no desenvolvimento de novos produtos diferenciados. |
5.6. |
Um outro domínio de intervenção estratégica é constituído pelas competências em matéria de acesso a dados e gestão de dados, o que remete para o objetivo de ajudar os produtores e prestadores de serviços europeus a responder à atual evolução dos mercados globalizados e a utilizar a sua vantagem comparativa em bens e serviços altamente especializados. Isto é especialmente importante para as PME. Não obstante, a liberalização do acesso aos dados acarreta um maior risco de utilização abusiva dos mesmos. Assegurar a soberania digital e a privacidade de pessoas singulares e coletivas pode revelar-se uma tarefa técnica e juridicamente difícil, mas, ao mesmo tempo, essencial. |
5.7. |
Por último, além do acesso já mais fácil a uma quantidade exponencialmente crescente de dados, os produtores e os prestadores de serviços precisam de ter igualmente a possibilidade e a capacidade de utilizar o necessário «conjunto de ferramentas» de gestão de dados, constituído por métodos e processos, quer sejam digitalizados, quer não. A «inteligência empresarial» é uma expressão relativamente nova na literatura pertinente e descreve exatamente a capacidade de utilizar informação e conjuntos de dados. Além das intervenções técnicas e jurídicas para o fornecimento de software de código aberto, este debate remete-nos novamente para a necessidade de desenvolver competências transversais pertinentes através do ensino e da formação profissionais e da aprendizagem ao longo da vida. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) JO C 227 de 28.6.2018, p. 70.
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/32 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as «Normas mínimas comuns no domínio do seguro de desemprego nos Estados-Membros da UE — Um passo concreto no sentido de uma aplicação efetiva do Pilar Europeu dos Direitos Sociais»
(parecer de iniciativa)
(2020/C 97/05)
Relator:
Oliver RÖPKE
Decisão da Plenária |
15.3.2018 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
|
Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania |
Adoção em secção |
15.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
141/65/14 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
Na Cimeira Social da UE, que decorreu em 17 de novembro de 2017 em Gotemburgo, foi solenemente proclamado o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Para dar corpo ao pilar, são necessários passos concretos para a sua aplicação eficaz por parte da UE e dos Estados-Membros. |
1.2. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) remete para o princípio 13 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (Prestações por desemprego), segundo o qual os desempregados têm direito a um apoio adequado à ativação por parte dos serviços públicos de emprego para (re)integrar o mercado de trabalho, bem como a prestações por desemprego adequadas, durante um período razoável, em função das suas contribuições e das regras de elegibilidade nacionais. Essas prestações não devem constituir um desincentivo a um rápido regresso ao mundo do trabalho. |
1.3. |
Apesar de assumir formas diferentes em cada país, o seguro de desemprego é um elemento central dos sistemas sociais de todos os Estados-Membros. O CESE subscreve a opinião da Comissão de que uma melhoria das normas no âmbito dos regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros permite um melhor funcionamento dos mercados de trabalho e de que os Estados-Membros com regimes de seguro de desemprego mais generosos e despesas mais elevadas com políticas e medidas ativas do mercado de trabalho têm uma maior capacidade de reintegrar os desempregados a longo prazo no mercado de trabalho (1). Simultaneamente, o CESE realça a função importante do seguro de desemprego enquanto estabilizador automático. |
1.4. |
Atualmente, há grandes disparidades entre os Estados-Membros no que respeita às prestações por desemprego. O CESE chama a atenção para o Relatório Conjunto sobre o Emprego de 2019, segundo o qual a concessão de prestações por desemprego adequadas durante um período de tempo razoável, a que todos os trabalhadores tenham acesso e que sejam acompanhadas de medidas eficazes do mercado de trabalho, é essencial para apoiar os candidatos a emprego na transição para o mercado de trabalho (2). |
1.5. |
O CESE reitera o seu apelo para normas sociais e laborais elevadas (3) e defende, por isso, que sejam definidas metas para as prestações por desemprego dos Estados-Membros. Devem ser definidas metas para a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura. O CESE também recomenda metas em matéria de formação contínua e ativação. |
1.6. |
Numa primeira fase, as metas para as prestações por desemprego devem ser definidas e acompanhadas mediante um processo de avaliação comparativa no âmbito do Semestre Europeu. O CESE reitera a sua recomendação de que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais tenha também um impacto na governação económica na UE (4). No entender do CESE, as recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu devem incluir metas concretas no que diz respeito à taxa de substituição líquida, ao período de direito às prestações e à taxa de cobertura das prestações por desemprego, bem como para a formação contínua e a ativação. As recomendações específicas por país são elaboradas pela Comissão, adotadas pelo Conselho e aprovadas pelo Conselho Europeu. |
1.7. |
As recomendações específicas por país devem basear-se nas orientações integradas (5). De acordo com a orientação n.o 7 das Orientações para as Políticas de Emprego dos Estados-Membros de 2018 (6) , que continuam a ser válidas em 2019 (7), os Estados-Membros devem garantir aos desempregados prestações por desemprego adequadas, por um período razoável, em função das respetivas contribuições e das regras de elegibilidade nacionais. No entanto, essas prestações não devem desincentivar os beneficiários de regressarem rapidamente à vida ativa. |
1.8. |
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais está associado a um painel de indicadores sociais, que acompanha a aplicação do Pilar, seguindo as tendências e os progressos realizados nos Estados-Membros e utilizando-os para alimentar os debates no âmbito do Semestre Europeu. O CESE recomenda que, futuramente, as prestações por desemprego sejam também acompanhadas no âmbito do painel de indicadores sociais. Recomenda ainda um processo de avaliação comparativa das prestações por desemprego em complemento do painel de indicadores sociais. O CESE saúda vivamente os esforços que a Comissão está a envidar no sentido de desenvolver um processo de avaliação comparativa das prestações dos seguros de desemprego nacionais, devendo tais esforços ser reforçados e combinados com um processo de monitorização a longo prazo. |
1.9. |
O objetivo do processo de avaliação comparativa proposto para as prestações por desemprego é promover a convergência social ascendente entre os Estados-Membros e melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho. O processo de avaliação comparativa deve basear-se numa análise do statu quo, que não pode ser limitativa ou cosmética. O processo não deve limitar-se ao acompanhamento e à avaliação. Os Estados-Membros devem aprender uns com os outros através da análise dos melhores desempenhos (aprendizagem comparativa) e da aplicação de melhorias (ação comparativa). |
1.10. |
O processo de avaliação comparativa das prestações por desemprego deve ser gerido pela Comissão. A definição de parâmetros de referência deve contar com a intensiva participação dos parceiros sociais numa base regular. |
1.11. |
As metas sociais devem conduzir, com o tempo, a uma convergência social. Os cidadãos devem poder constatar que os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais não são apenas letra morta, mas são igualmente aplicados na prática e melhoram gradualmente a sua qualidade de vida. |
1.12. |
O CESE recomenda que os resultados do processo de avaliação comparativa sejam acompanhados de perto e avaliados. Caso não se verifiquem progressos suficientes na realização dos objetivos desejados, haverá que introduzir um instrumento juridicamente vinculativo destinado a apoiar e a complementar a ação dos Estados-Membros no sentido de modernizar os regimes de seguro de desemprego. Para além de uma recomendação do Conselho para orientar os Estados-Membros, o CESE recomenda a adoção de uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal diretiva deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego. |
1.13. |
Gradualmente, seriam aplicadas normas mínimas juridicamente vinculativas, sendo estabelecido um prazo razoável para que todos os Estados-Membros possam cumprir as normas comuns. |
1.14. |
Como disposto no artigo 153.o do TFUE, a faculdade de os Estados-Membros definirem os princípios fundamentais dos seus sistemas de segurança social não deve afetar substancialmente o equilíbrio financeiro desses sistemas. Este princípio deve ser respeitado independentemente da forma ou do conteúdo do sistema no Estado-Membro. Tais medidas não devem obstar a que os Estados-Membros exerçam o direito previsto no Tratado de manter ou introduzir medidas de proteção mais estritas. A este respeito, deve ser tida em particular consideração a organização distinta dos regimes de seguro nacionais, a participação dos parceiros sociais, bem como o financiamento. |
2. Situação atual e contexto do parecer
2.1. |
Após as experiências dolorosas da crise económica e financeira a partir de 2008 e a subsequente instabilidade, a economia encontra-se novamente em crescimento e as taxas de desemprego apresentam uma tendência descendente. No entanto, a recuperação recente dos mercados de trabalho não tem decorrido ao mesmo ritmo para todos os Estados-Membros, regiões e populações. O CESE remete, a este respeito, para o Relatório Conjunto sobre o Emprego de 2019 (8). |
2.2. |
O CESE partilha da opinião do Conselho de que os Estados-Membros e a UE devem fazer face às consequências sociais da crise económica e financeira e procurar construir uma sociedade integradora. Importa combater a desigualdade e a discriminação. Há que assegurar o acesso e as oportunidades para todos e reduzir a pobreza e a exclusão social, nomeadamente promovendo o bom funcionamento dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social (9). |
2.3. |
A UE estabeleceu, no quadro da estratégia Europa 2020, o objetivo de reduzir até 2020 em 20 milhões o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social. Tal objetivo está longe de ser alcançado. Apesar das melhorias contínuas que se têm vindo a evidenciar desde 2012 (quando quase 25 % da população total da UE enfrentava o risco de pobreza e de exclusão social), a Europa permanece confrontada com imensos desafios. Em 2018, quase 22 % da população da UE encontrava-se em risco de pobreza ou exclusão social (10). |
2.4. |
O seguro de desemprego é um elemento central dos sistemas sociais de todos os Estados-Membros, oferecendo uma rede de proteção para trabalhadores em caso de perda do emprego e protegendo-os da pobreza. Simultaneamente, os subsídios de desemprego são estabilizadores automáticos, ao evitarem que os rendimentos e o consumo diminuam de modo acentuado quando se dá um aumento geral do desemprego. Além disso, prestações por desemprego eficazes e adequadas permitem aos trabalhadores encontrarem empregos que correspondem às suas expectativas e qualificações ou procederem a uma reorientação profissional no quadro de uma política ativa de mercado de trabalho. |
2.5. |
A proteção social tem vindo a deteriorar-se nos últimos anos, devido à política de austeridade levada a cabo por alguns Estados-Membros. Muitas pessoas consideram cada vez mais que os seus interesses e exigências sociais na UE não são assegurados. O Brexit marcou pela primeira vez a inversão do processo de integração europeia. Esta evolução deve ser entendida como um sinal de alarme. O CESE considera que é necessário reforçar a dimensão social da UE, o que passa também por fazer face a outros desafios que se colocam atualmente, como as alterações climáticas e a digitalização, a fim de assegurar a sustentabilidade da UE e recuperar a confiança dos cidadãos. Tal exige um empenho a todos os níveis, incluindo os Estados-Membros, os parceiros sociais e os intervenientes da sociedade civil, com base numa economia estável, sustentável e inclusiva (11). |
2.6. |
O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão Europeia proclamaram solenemente o Pilar Europeu dos Direitos Sociais na Cimeira Social da UE, que teve lugar em 17 de novembro de 2017, em Gotemburgo. Para dar corpo ao pilar, são necessários passos concretos para a sua aplicação eficaz por parte da UE e dos Estados-Membros. A nova presidente eleita da Comissão, Ursula von der Leyen, anunciou nas Orientações Políticas para a Comissão Europeia 2019-2024 um plano de ação para a aplicação plena do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. O CESE pretende contribuir para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais com a sua proposta de metas para os regimes de seguro de desemprego nos Estados-Membros. |
2.7. |
O CESE remete para o princípio 13 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (Prestações por desemprego): os desempregados têm direito a um apoio adequado à ativação por parte dos serviços públicos de emprego para (re)integrar o mercado de trabalho, bem como a prestações por desemprego adequadas, durante um período razoável, em função das suas contribuições e das regras de elegibilidade nacionais. As referidas prestações não devem desincentivar os beneficiários de regressarem rapidamente à vida ativa. |
2.8. |
Neste contexto, o CESE remete igualmente para o princípio 17 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, segundo o qual as pessoas com deficiência têm direito a um apoio ao rendimento que lhes garanta uma vida digna, bem como a serviços que lhes permitam participar no mercado de trabalho e na sociedade. Para a definição do período de direito ao seguro de desemprego deve ser tido em conta que a procura de um novo posto de trabalho ou de ações de reconversão profissional é significativamente mais difícil e morosa para as pessoas com deficiência. |
2.9. |
O seguro de desemprego é um elemento central dos sistemas sociais de todos os Estados-Membros. As disposições nacionais no âmbito dos regimes de seguro de desemprego variam muito entre si, tanto no que respeita à elegibilidade quanto ao valor, à duração e ao método de cálculo. O CESE recomenda a fixação de metas para as prestações por desemprego no âmbito do Semestre Europeu. Além disso, o CESE considera necessário garantir prestações sociais de base assentes em regras comuns a toda a UE (12). Recomenda ainda um processo contínuo de avaliação comparativa. Uma recomendação do Conselho permitiria aos Estados-Membros não só lançar debates e reformas com vista à introdução de normas mínimas comuns, como também cooperar entre si neste domínio. |
2.10. |
Caso não se verifiquem progressos suficientes na realização dos objetivos desejados, o CESE recomenda a adoção de uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal diretiva deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego. As prescrições mínimas não devem impedir os Estados-Membros de definirem normas mais ambiciosas (ver o ponto 16 do preâmbulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais). As normas já em vigor nos Estados-Membros não devem ser afrouxadas. O CESE recomenda a definição de prescrições mínimas para os regimes de seguro de desemprego nos Estados-Membros, em combinação com a aplicação adequada de uma cláusula de não regressão (proibição de um retrocesso devido à introdução de normas mínimas), o que reflete o objetivo da UE de melhorar as condições de vida e de trabalho entre os Estados-Membros, com vista a uma harmonização ascendente (artigo 151.o do TFUE). |
2.11. |
No apoio às pessoas desempregadas, é necessário distinguir entre prestações da segurança social (prestações de seguro) e assistência social. As prestações de seguro dependem, por norma, das contribuições e pressupõem um determinado tempo de serviço. A assistência social é uma prestação previdencial de caráter não contributivo e financiada pelos impostos, que visa apoiar as pessoas que não podem assegurar o seu sustento por meios próprios e que é sujeita a uma avaliação das necessidades. No presente parecer de iniciativa, o CESE debruça-se sobre as prestações da segurança social. |
2.12. |
No âmbito do debate sobre o aprofundamento da União Económica e Monetária, a Comissão sugere a criação de uma função de estabilização para a área do euro (com a possibilidade de participação de Estados-Membros que não pertencem à área do euro) que deverá permitir, no futuro, reagir melhor aos choques assimétricos. A Comissão Europeia refere a criação de um resseguro de desemprego europeu que funcione como «fundo de resseguro» para os regimes de seguro de desemprego nacionais como opção possível para uma função de estabilização (13). Esta proposta fiscal, que tem sido objeto de controvérsia, não tem qualquer relação com o presente parecer de iniciativa, que constitui uma proposta para fortalecer a dimensão social da UE. |
2.13. |
Recentemente, o CESE manifestou-se a favor de avaliar a possibilidade de introduzir normas mínimas nos regimes nacionais de desemprego à escala da UE, por forma a assegurar, entre outras coisas, que cada candidato a emprego possa ser beneficiário (14). Com o atual parecer, o Comité pretende ir ao encontro de tal tarefa. |
3. Observações na generalidade
3.1. |
De acordo com a orientação n.o 7 das Orientações para as Políticas de Emprego dos Estados-Membros de 2018 (15), que continuam a ser válidas em 2019 (16), os Estados-Membros devem garantir aos desempregados prestações por desemprego adequadas, por um período razoável, em função das respetivas contribuições e das regras de elegibilidade nacionais. Com essa recomendação, as orientações para as políticas de emprego passam a refletir os princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. |
3.2. |
A diminuição do número de pessoas em situação ou em risco de pobreza e exclusão social é um dos cinco objetivos da estratégia Europa 2020 e um dos 17 objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O painel de indicadores sociais introduzido no contexto do Pilar Europeu dos Direitos Sociais acompanha igualmente as tendências e os progressos realizados nos Estados-Membros em relação às pessoas afetadas ou ameaçadas pela pobreza ou pela exclusão social. |
3.3. |
O CESE remete para a conclusão da Comissão de que o período de direito ao seguro de desemprego tem um impacto direto no risco de pobreza dos desempregados. Os Estados-Membros com regimes de seguro de desemprego mais generosos e despesas mais elevadas com políticas e medidas ativas do mercado de trabalho têm mais facilidade em integrar os desempregados no mercado do emprego a longo prazo (17). Há grandes diferenças entre os Estados-Membros. O período máximo de direito às prestações de desemprego varia entre 90 dias na Hungria e um período de direito permanente na Bélgica (18). |
3.4. |
O CESE considera que as prestações de segurança social devem ser concebidas de modo a assegurarem um nível de vida adequado quando ocorre uma situação de risco, como o desemprego. Por conseguinte, o valor da prestação de seguro de desemprego, ou seja, a taxa de substituição líquida, deve ser adequado. Também a este nível se verificam grandes diferenças na UE. As taxas de substituição líquidas referentes a trabalhadores com salários baixos com um historial de trabalho curto (um ano) variam entre menos de 20 % dos anteriores rendimentos (líquidos) na Hungria e cerca de 90 % no Luxemburgo (19). |
3.5. |
O número dos desempregados que beneficiam de prestações de seguro de desemprego em relação ao número total dos desempregados constitui a taxa de cobertura. A taxa de cobertura é expressa em termos de uma determinada duração do desemprego (por exemplo, a percentagem de desempregados que recebem uma prestação após um ano de desemprego). Mais uma vez, há também aqui grandes divergências entre os Estados-Membros. Em média, a percentagem de desempregados de curta duração (pessoas desempregadas há menos de um ano) que recebem subsídio de desemprego representa apenas um terço dos desempregados. A Alemanha tem a taxa de cobertura mais elevada, com cerca de 63 %. Em contrapartida, as taxas de cobertura são bastante inferiores a 15 % em Malta, na Croácia, na Polónia, na Roménia e na Bulgária (20). |
3.6. |
Pode haver várias causas para uma taxa de cobertura reduzida num Estado-Membro. Uma delas é o desemprego dos jovens. Por um lado, são afetados os jovens desempregados que não conseguem entrar no mercado de trabalho e não têm direito a prestações por não terem trabalhado durante um período suficiente. Por conseguinte, os jovens desempregados não recebem, em muitos casos, prestações. |
3.7. |
O CESE salienta uma vez mais que a transição dos jovens da formação (escolar) para o mercado de trabalho reveste uma importância fundamental. Os jovens devem beneficiar do máximo apoio, por forma a assegurar a sua integração o mais célere possível no mercado de trabalho. |
3.8. |
A duração do desemprego também determina a taxa de cobertura. Enquanto a taxa de cobertura média dos desempregados de curta duração é de cerca de um terço na UE, diminui substancialmente para o desemprego de longa duração, uma vez que a duração das prestações por desemprego é limitada no tempo na maioria dos Estados-Membros. O CESE recomenda a fixação de um objetivo para a taxa de cobertura dos desempregados de curta duração (pessoas desempregadas há menos de um ano). |
3.9. |
Uma outra razão para uma taxa de cobertura reduzida são as novas formas de emprego, bem como o emprego atípico ou precário, que dificultam a elegibilidade para as prestações. Tendo em conta o acordo político no Conselho sobre uma recomendação relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores assalariados e não assalariados, o CESE é a favor de uma solução global que permita o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores em matéria de segurança social nas novas formas de emprego (21). |
3.10. |
De acordo com o princípio 1 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, todas as pessoas têm direito a uma educação integradora e de qualidade, a formação e aprendizagem ao longo da vida, a fim de manter e adquirir competências que lhes permitam participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho. Por conseguinte, o CESE apoia a adoção de metas para a formação contínua e a ativação e reitera a sua opinião de que a garantia do direito à aprendizagem ao longo da vida para todos deve figurar na agenda da UE (22). |
3.11. |
O CESE concorda com o ponto de vista da Comissão de que uma melhoria das normas no âmbito dos regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros permite melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho. Em contrapartida, a existência de normas menos elevadas não se traduz necessariamente numa redução da despesa pública, uma vez que os desempregados que não beneficiam de prestações do seguro de desemprego auferem, na maioria dos casos, outras formas de auxílio estatal (por exemplo, assistência aos desempregados ou rendimento mínimo). O CESE concorda com a Comissão que é legítimo pressupor que as despesas adicionais decorrentes de uma melhoria das normas no âmbito do seguro de desemprego — associada a um política ativa de mercado de trabalho — seriam rapidamente compensadas por um aumento da taxa de emprego, pelo resultante aumento da receita fiscal e por um ritmo mais rápido de crescimento económico (23). |
4. Observações na especialidade
4.1. |
Atualmente, há grandes disparidades entre os Estados-Membros no que respeita às prestações por desemprego. O CESE chama a atenção para o Relatório Conjunto sobre o Emprego de 2019, segundo o qual a concessão de prestações por desemprego adequadas durante um período de tempo razoável, a que todos os trabalhadores tenham acesso e que sejam acompanhadas de medidas eficazes do mercado de trabalho, é essencial para apoiar os candidatos a emprego na transição para o mercado de trabalho (24). |
4.2. |
Por conseguinte, o CESE recomenda a adoção de metas para as prestações por desemprego nos Estados-Membros. Devem ser definidas metas para a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura. O CESE também recomenda metas em matéria de formação contínua e ativação. |
4.3. |
O CESE saúda vivamente os esforços da Comissão no sentido de aplicar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais nomeadamente no âmbito do Semestre Europeu e de promover um processo de avaliação comparativa das prestações dos seguros de desemprego nacionais (entre outros, através do Relatório Conjunto sobre o Emprego). O processo de avaliação comparativa é encarado, acertadamente, como um instrumento importante para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Os esforços devem ser intensificados e associados a um processo de monitorização a longo prazo. O processo de avaliação comparativa das prestações por desemprego deve ter como objetivo contribuir para uma convergência social ascendente na UE e um melhor funcionamento dos mercados de trabalho. |
4.4. |
Na opinião do CESE, as recomendações específicas por país devem incluir metas concretas para a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura, bem como para a formação contínua e a ativação; a esse respeito, apoia a abordagem da Comissão de que prestações mais generosas devem ser acompanhadas da correspondente ativação das pessoas desempregadas. |
4.5. |
O êxito do mercado interno depende, em grande medida, da eficiência dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, bem como da capacidade das economias europeias de se adaptarem aos choques. De acordo com esta premissa, a estratégia Europa 2020 foi concebida como uma estratégia para transformar a UE numa economia inteligente, sustentável e inclusiva, com vista a proporcionar níveis elevados de emprego, de produtividade e de coesão social (25). O CESE assinala que a UE não conseguirá cumprir o objetivo da estratégia Europa 2020 de diminuir em 20 milhões o número de pessoas em risco ou em situação de pobreza e exclusão social. |
4.6. |
Na opinião do CESE, após as eleições para o Parlamento Europeu de 23 a 26 de maio de 2019, uma tarefa urgente da nova Comissão deve ser propor medidas para melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho e promover uma convergência social ascendente nos Estados-Membros. É necessária também uma nova estratégia para a dimensão social da Europa após 2020. |
4.7. |
Os Estados-Membros estão atualmente a debater a dimensão social da Europa após 2020. Uma das questões é a de saber quais os aspetos fundamentais que devem orientar a futura dimensão social (26). O CESE considera que a melhoria do funcionamento dos mercados de trabalho e a luta contra a pobreza e a exclusão social são aspetos fundamentais da dimensão social da Europa após 2020. As metas para as prestações por desemprego dos Estados-Membros podem dar um contributo significativo nesse sentido. |
4.8. |
As metas sociais devem conduzir, com o tempo, a uma convergência social. Os cidadãos devem poder constatar que direitos e princípios como os consagrados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais não são apenas letra morta, mas são igualmente aplicados na prática e melhoram gradualmente a sua qualidade de vida. |
4.9. |
Caso as metas no Semestre Europeu não produzam efeitos suficientes, o CESE recomenda, tendo em vista a dimensão social da Europa após 2020, a adoção de uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal diretiva deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida, o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) Semestre Europeu — Ficha Temática — Prestações de desemprego — 2017.
(2) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(3) JO C 62 de 15.2.2019, p. 165.
(4) JO C 81 de 2.3.2018, p. 145.
(5) JO L 224 de 5.9.2018, p. 4.
(6) JO L 224 de 5.9.2018, p. 4.
(7) JO L 185 de 11.7.2019, p. 44.
(8) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(9) JO L 224 de 5.9.2018, p. 4.
(10) Eurostat, 16.10.2019.
(11) JO C 262 de 25.7.2018, p. 1.
(12) JO C 13 de 15.1.2016, p. 40.
(13) COM(2017) 822 final, 6.12.2017.
(14) JO C 129 de 11.4.2018, p. 7.
(15) JO L 224 de 5.9.2018, p. 4.
(16) JO L 185 de 11.7.2019, p. 44.
(17) Semestre Europeu — Ficha Temática — Prestações de desemprego — 2017.
(18) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(19) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(20) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(21) JO C 129 de 11.4.2018, p. 7.
(22) JO C 237 de 6.7.2018, p. 8, e pareceres do CESE JO C 14 de 15.1.2020, p. 1, e JO C 14 de 15.1.2020, p. 46.
(23) Semestre Europeu — Ficha Temática — Prestações de desemprego — 2017.
(24) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(25) COM(2018) 761 final de 21.11.2018, Conselho EPSCO ST 7619/2019 INIT de 15.3.2019.
(26) Conselho EPSCO ST 6622/2019 INIT de 27.2.2019.
ANEXO
As seguintes propostas de alteração foram rejeitadas durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 59.o, n.o 3, do Regimento):
1. Ponto 1.12
Alterar.
O CESE recomenda que os resultados do processo de avaliação comparativa sejam acompanhados de perto e avaliados. O CESE recomenda que os resultados do processo de avaliação comparativa sejam acompanhados de perto e avaliados. Caso não se verifiquem progressos suficientes na realização dos objetivos desejados, haverá que ponderar introduzir um quadro jurídico instrumento juridicamente vinculativo destinado a apoiar e a complementar a ação dos Estados-Membros no sentido de modernizar os regimes de seguro de desemprego. Para além de uma recomendação do Conselho para orientar os Estados-Membros, o CESE recomenda que se pondere um quadro jurídico vinculativo a adoção de uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal quadro jurídico diretiva deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida , o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego.
Resultado da votação
Votos a favor: |
64 |
Votos contra: |
119 |
Abstenções: |
19 |
2. Ponto 2.10
Caso, após um acompanhamento de perto e uma avaliação dos resultados, não se verifiquem progressos suficientes na realização dos objetivos desejados, o CESE recomenda a adoção de que se pondere um quadro jurídico vinculativo uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal diretiva quadro jurídico deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida , o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego. As prescrições mínimas não devem impedir os Estados-Membros de definirem normas mais ambiciosas (ver o ponto 16 do preâmbulo do Pilar Europeu dos Direitos Sociais). As normas já em vigor nos Estados-Membros não devem ser afrouxadas. O CESE recomenda a definição de prescrições mínimas para os regimes de seguro de desemprego nos Estados-Membros, em combinação com a aplicação adequada de uma cláusula de não regressão (proibição de um retrocesso devido à introdução de normas mínimas), o que reflete o objetivo da UE de melhorar as condições de vida e de trabalho entre os Estados-Membros, com vista a uma harmonização ascendente (artigo 151.o do TFUE).
Resultado da votação
Votos a favor: |
63 |
Votos contra: |
122 |
Abstenções: |
18 |
3. Ponto 4.9
Caso as metas no Semestre Europeu não produzam efeitos suficientes, após serem acompanhadas de perto e avaliadas, o CESE recomenda, tendo em vista a dimensão social da Europa após 2020, que se pondere a adoção de uma diretiva, em conformidade com o artigo 153.o do TFUE, um quadro jurídico vinculativo que estabeleça normas mínimas juridicamente vinculativas para os regimes de seguro de desemprego dos Estados-Membros. Tal diretiva Esse quadro jurídico deve estabelecer requisitos relativos a normas mínimas à escala da UE sobre a taxa de substituição líquida , o período de direito às prestações e a taxa de cobertura das prestações por desemprego. O CESE advoga igualmente o estabelecimento à escala da UE de normas mínimas aplicáveis à formação contínua e à ativação no contexto do seguro de desemprego.
Resultado da votação
Votos a favor: |
63 |
Votos contra: |
122 |
Abstenções: |
21 |
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/41 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Definição da agenda da UE relativa aos direitos das pessoas com deficiência 2020-2030: contributo do Comité Económico e Social Europeu
(parecer de iniciativa)
(2020/C 97/06)
Relator:
Ioannis VARDAKASTANIS
Decisão da Plenária |
24.1.2019 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
|
Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania |
Adoção em secção |
15.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
178/1/2 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) insta a Comissão Europeia (adiante designada «Comissão») a ter seriamente em conta as seguintes recomendações e conclusões aquando da elaboração da agenda relativa aos direitos das pessoas com deficiência 2020-2030 (adiante designada «Agenda»), a fim de aplicar de forma mais plena a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) e de cumprir os seus compromissos no âmbito da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nos quais a deficiência é mencionada 11 vezes. O CESE recomenda, em particular, o seguinte: |
1.2. |
A presença de pontos de contacto para a deficiência em todas as direções-gerais (DG) e agências da Comissão, bem como em todas as instituições da União Europeia (UE), estando o ponto de contacto central situado no Secretariado-Geral da Comissão, tendo em conta a transversalidade das questões relacionadas com a deficiência, e a supervisão da aplicação da Agenda por um Comité para os Direitos das Pessoas com Deficiência constituído por estes pontos de contacto. Uma vez que a nova Comissão contará com uma comissária responsável pela Igualdade, importa igualmente assegurar a existência de um ponto de contacto para a deficiência na DG Justiça. |
1.3. |
A instituição de um mecanismo interinstitucional entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho (1), no âmbito do qual os seus presidentes se reúnam no início de cada mandato. O CESE apela também para a criação de um grupo de trabalho para a deficiência, no âmbito do Conselho, que facilite este mecanismo. |
1.4. |
A disponibilização, pelas instituições da UE, de todos os meios, recursos humanos e apoio financeiro necessários ao quadro de acompanhamento da CNUDPD da UE, a fim de assegurar a sua capacidade para desempenhar as suas funções em conformidade com o artigo 33.o, n.o 2, da CNUDPD. |
1.5. |
A criação de um Comité Europeu para a Acessibilidade, que acompanhe a aplicação da legislação da UE em matéria de acessibilidade. |
1.6. |
A revisão, pela Comissão, das suas competências partilhadas com os Estados-Membros decorrentes da CNUDPD e do direito da UE, a fim de determinar em que domínios a UE pode trabalhar em conjunto com os Estados-Membros tendo em vista a execução. Tal deverá ser feito através da elaboração de uma declaração de competências que reveja a declaração de competências exclusivas da UE e da conclusão do Protocolo Opcional à CNUDPD. |
1.7. |
A integração, pela Comissão, dos princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais na Agenda, com propostas específicas para a aplicação do princípio n.o 17 relativo à inclusão das pessoas com deficiência. |
1.8. |
A adoção de medidas concretas para aplicar a Agenda. As medidas mais urgentes a tomar são as seguintes: a adoção de legislação destinada a combater todas as formas de discriminação em razão da deficiência (2), uma diretiva que harmonize o reconhecimento da avaliação da deficiência a nível da UE, a fim de facilitar a livre circulação das pessoas com deficiência, medidas que garantam os direitos das pessoas com deficiência à participação política a nível da UE e orientações dirigidas aos Estados-Membros para assegurar o mesmo a nível nacional, legislação vinculativa em matéria de harmonização das normas de acessibilidade para o ambiente construído, medidas de harmonização das normas mínimas em matéria de adaptações razoáveis no local de trabalho e a elaboração de orientações sobre normas mínimas aplicáveis aos níveis de prestações de invalidez e à prestação de serviços, incluindo apoio à vida autónoma e, se possível, à prestação de assistência pessoal nos Estados-Membros. |
1.9. |
A integração das questões da igualdade das pessoas com deficiência em todas as políticas económicas, sociais e ambientais da UE, nomeadamente na Estratégia para as questões de género, na Garantia para a Juventude, no Novo Pacto Ecológico, na Garantia para a Infância e no futuro Livro Verde sobre o envelhecimento. |
1.10. |
A introdução de uma garantia para os direitos das pessoas com deficiência, acordada entre as instituições da UE e os Estados-Membros, semelhante à Garantia para a Juventude, que assegure emprego, estágios, colocações no mercado de emprego e formação contínua às pessoas com deficiência. |
1.11. |
O reforço do orçamento da UE destinado às pessoas com deficiência, através do investimento na investigação para o desenvolvimento de novas tecnologias de apoio, da canalização de fundos para melhorar a acessibilidade dos programas Erasmus+, a fim de aumentar a participação das pessoas com deficiência, do financiamento da transição dos cuidados institucionais para os cuidados familiares e de proximidade e para a vida autónoma, juntamente com mecanismos sólidos de acompanhamento e de avaliação a nível dos Estados-Membros, e do investimento de fundos da UE de forma estratégica para aplicar a CNUDPD nos Estados-Membros, sobretudo em domínios que não sejam da competência exclusiva da UE. |
1.12. |
O desempenho pela Agenda de um papel na promoção dos direitos das pessoas com deficiência na ação externa da UE. |
1.13. |
A melhoria da recolha e publicação de dados sobre pessoas com deficiência no âmbito do trabalho do Eurostat deve ser um aspeto central da Agenda. |
1.14. |
A inclusão na Agenda de critérios de referência claros e concretos e de indicadores mensuráveis, nomeadamente para as pessoas com deficiência, sejam elas mulheres ou raparigas, jovens ou idosos, refugiados ou migrantes ou pessoas LGBTI. |
1.15. |
A Comissão, através do Semestre Europeu, deve exercer pressão sobre os Estados-Membros para que desenvolvam as suas próprias estratégias nacionais em matéria de deficiência a fim de promover a integração transversal da questão da igualdade das pessoas com deficiência, e para que abordem a aplicação da CNUDPD nos programas nacionais de reformas. |
1.16. |
A inclusão na Agenda de medidas de sensibilização para os direitos das pessoas com deficiência consagrados na CNUDPD. |
1.17. |
Durante os diálogos sociais a nível da UE e nacional e durante a negociação de convenções coletivas pelos parceiros sociais, os direitos das pessoas com deficiência e a aplicação da CNUDPD devem ser tidos devidamente em conta, com a plena consulta e participação das organizações de pessoas com deficiência. |
1.18. |
Deve ser assegurado o envolvimento pleno e ativo das organizações de pessoas com deficiência e das organizações da sociedade civil na elaboração, na aplicação e na governação da Agenda. |
2. Introdução
2.1. |
Enquanto estratégia que será elaborada e aplicada num contexto em que a UE e todos os Estados-Membros assinaram e ratificaram a CNUDPD, o CESE sublinha que a Agenda deve servir como meio para abordar todo o campo de aplicação da CNUDPD. |
2.2. |
Ao contrário da atual Estratégia para a Deficiência, a Agenda 2020-2030 também deve ter em conta a correlação indissociável entre as obrigações no âmbito da CNUDPD e o compromisso para com os ODS e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Por conseguinte, o CESE propõe que a Agenda se denomine «Agenda Europeia relativa aos Direitos das Pessoas com Deficiência 2020-2030». |
2.3. |
À luz da avaliação da UE realizada pela Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2015, o CESE salienta que a Agenda também se deve articular em torno das observações finais e recomendações. |
2.4. |
A nova Agenda deve assentar numa revisão transversal e abrangente de toda a legislação e das políticas da UE, em articulação com as outras iniciativas e estratégias da UE, a fim de assegurar a plena harmonização com a CNUDPD. Deve, além disso, refletir a abordagem da deficiência baseada nos direitos humanos e integrar os desenvolvimentos mais recentes nos domínios dos direitos sociais e digitais. |
2.5. |
Tendo em conta a vulnerabilidade de determinados grupos de pessoas com deficiência, todos os domínios da Agenda devem prestar especial atenção às mulheres, às crianças, aos jovens e aos idosos com deficiência, aos refugiados e migrantes com deficiência, às pessoas LGBTI com deficiência e aos sem-abrigo com deficiência. |
3. Princípios da Agenda Europeia relativa aos Direitos das Pessoas com Deficiência
3.1. |
Em consonância com os princípios gerais referidos no artigo 3.o da CNUDPD, o CESE entende que a Agenda deve integrar a temática da deficiência em todas as políticas e legislação da UE que tenham impacto na vida das pessoas com deficiência. Deve defender os princípios da não discriminação, da acessibilidade, da participação e da inclusão, da igualdade de oportunidades, da igualdade entre homens e mulheres, do respeito pela dignidade inerente à pessoa humana e pela autonomia individual, da aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade e do reconhecimento das capacidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência e do seu direito à preservação da respetiva identidade. |
4. Âmbito de aplicação da Agenda Europeia relativa aos Direitos das Pessoas com Deficiência
4.1. Combater a discriminação e as desigualdades (3)
4.1.1. |
Metade dos europeus consideram que a discriminação em razão da deficiência é um fenómeno generalizado na UE, e este número está a aumentar (4). O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.1.2. |
As instituições da UE devem tomar medidas para a adoção de uma diretiva horizontal relativa à luta contra a discriminação (deficiência), que proteja as pessoas com deficiência da discriminação em todos os aspetos da vida. Esta diretiva deve reconhecer a recusa de adaptações razoáveis em qualquer aspeto da vida como uma forma de discriminação em razão da deficiência e reconhecer também outras formas de discriminação, como a discriminação por associação e a discriminação múltipla e interseccional. |
4.1.3. |
As instituições da UE devem acelerar a adoção da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica (Convenção de Istambul), a par de medidas concretas para prevenir, combater e sancionar a violência de género. |
4.1.3.1. |
Todas as instituições da UE devem assegurar a acessibilidade no âmbito do seu papel de empregadores públicos, por exemplo disponibilizando sítios Web internos e externos acessíveis, adotando políticas e procedimentos de recursos humanos para aumentar a presença de pessoal com deficiência e assegurando a inclusividade nas Escolas Europeias. |
4.1.3.2. |
As instituições da UE devem assegurar as medidas necessárias para corrigir a falta de igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência através de fundos da UE. Há que prestar mais atenção às pessoas que são alvo de discriminação múltipla ou interseccional em razão da sua nacionalidade, idade, raça ou etnia, género, religião ou crença, identidade de género e orientação sexual. |
4.1.3.3. |
O artigo 7.o do Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (5) que estabelece Disposições Comuns (RDC 2014-2020) deve ser incorporado na nova proposta de RDC para o período 2021-2027, refletindo as recomendações anteriores do CESE, e esse princípio deve figurar diretamente no texto principal da proposta de Regulamento relativo ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). A acessibilidade das pessoas com deficiência também deve ser incluída como condição prévia para que os programas possam beneficiar dos fundos da UE. |
4.1.3.4. |
As instituições da UE devem integrar as questões da igualdade das pessoas com deficiência em todas as políticas económicas, sociais e ambientais da UE, nomeadamente na Estratégia para as questões de género, na Garantia para a Juventude, no Novo Pacto Ecológico, na Garantia para a Infância e no futuro Livro Verde sobre o envelhecimento. |
4.1.3.5. |
A Comissão deve promover a conformidade da legislação dos Estados-Membros em matéria de capacidade jurídica com a CNUDPD (6) e facilitar o intercâmbio de conhecimentos especializados entre Estados-Membros. |
4.2. Garantir a plena participação e a livre circulação
4.2.1. |
As pessoas com deficiência ainda são impedidas de exercer o seu direito à livre circulação na UE devido à falta de reconhecimento harmonizado da avaliação da deficiência e à impossibilidade de transferir o direito a serviços de apoio e a prestações aquando da mudança para outro Estado-Membro. A institucionalização permanente, a falta de investimento em serviços de proximidade e a inacessibilidade geral dos serviços de base também criam obstáculos à participação das pessoas com deficiência na sociedade. O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.2.2. |
A Comissão deve propor uma diretiva que harmonize o reconhecimento da avaliação da deficiência para pessoas que se desloquem entre Estados-Membros. Com esta diretiva, as instituições da UE devem defender o direito das pessoas com deficiência à liberdade de circulação garantindo a portabilidade das prestações de segurança social, quer através da manutenção da concessão pelo Estado-Membro de origem, da concessão pelo novo Estado-Membro de residência ou de uma transição gradual entre os dois. Importa garantir às pessoas com deficiência que se instalam noutro Estado-Membro direitos equivalentes e a elegibilidade para acesso a serviços. Tal deve ser feito de forma coordenada para facilitar a transferibilidade simples e rápida destes direitos (7), incluindo a assistência pessoal. |
4.2.2.1. |
As instituições da UE devem assegurar que os fundos da UE nunca são utilizados para perpetuar a institucionalização das pessoas com deficiência (8) e que são ativamente investidos em serviços de proximidade e de base familiar. É fundamental que os jovens que participam no Corpo Europeu de Solidariedade não sejam colocados em estabelecimentos de cuidados institucionais que perpetuam a segregação. Importa investir também na formação dos atuais trabalhadores das instituições para que ofereçam cuidados de proximidade, em conformidade com a CNUDPD e concebidos em colaboração com as pessoas com deficiência. A Comissão deve ainda sensibilizar para os efeitos negativos da institucionalização nas pessoas com deficiência, a fim de incentivar os Estados-Membros a privilegiar alternativas de proximidade. |
4.2.2.2. |
As instituições da UE devem dar prioridade ao acesso à cultura e ao lazer através do recurso aos fundos da UE, nomeadamente promovendo e formalizando a utilização do Cartão Europeu de Deficiente por todos os Estados-Membros, com o apoio do financiamento da UE. |
4.2.2.3. |
As instituições da UE devem assegurar a disponibilização de língua gestual, texto em Braille e texto de leitura fácil nos seus diálogos com os cidadãos, sempre que tal seja solicitado. |
4.2.2.4. |
As instituições da UE devem levar a cabo iniciativas políticas para eliminar todos os obstáculos que impeçam a participação das pessoas com deficiência na vida política e que as privem do direito de eleger e serem eleitas, em especial no que se refere a pessoas com deficiência intelectual e com problemas de saúde mental, que são particularmente afetadas pela discriminação. A Comissão também deve assegurar a plena acessibilidade no processo eleitoral. Para tal, a Comissão deve encorajar todos os Estados-Membros a assegurarem a participação cívica dos seus cidadãos com deficiência nos processos eleitorais nacionais, regionais e locais. |
4.2.2.5. |
As instituições da UE devem adotar medidas adequadas para assegurar que todas as pessoas com deficiência podem exercer todos os direitos consagrados nos Tratados e na legislação da UE, promover medidas não coercivas e o apoio à tomada de decisão das pessoas com deficiência e assegurar a liberdade e a segurança de todas as pessoas com deficiência. |
4.2.2.6. |
As instituições da UE devem promover o envolvimento estrutural das pessoas com deficiência e das organizações de pessoas com deficiência, incluindo as que trabalham com crianças com deficiência, em todos os processos de decisão, tanto a nível nacional como da UE, e financiar o reforço de capacidades das organizações de pessoas com deficiência. A Comissão e os outros órgãos da UE devem também assegurar que as pessoas com deficiência podem participar facilmente nas consultas públicas. |
4.3. Alcançar a acessibilidade em todos os contextos
4.3.1. |
Os espaços públicos, os edifícios, os transportes e as tecnologias inacessíveis ainda impedem demasiadas pessoas com deficiência de desempenhar um papel ativo na sociedade e põem em risco a sua segurança. O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.3.1.1. |
A Comissão deve adotar medidas concretas para criar um Comité Europeu para a Acessibilidade, semelhante ao homólogo norte-americano (United States Access Board), a fim de acompanhar a aplicação da respetiva legislação da UE e de facilitar a elaboração de normas e orientações em matéria de acessibilidade, o intercâmbio de boas práticas e a participação significativa das organizações representativas das pessoas com deficiência no domínio da acessibilidade. |
4.3.2. |
As próprias instituições da UE devem esforçar-se por alcançar os mais elevados padrões de acessibilidade em relação às infraestruturas físicas, aos serviços e ao meio digital e assegurar a plena acessibilidade das pessoas com deficiência a todos os sítios Web e formulários de contacto da administração da UE. |
4.3.2.1. |
As instituições da UE devem recorrer a instrumentos legislativos e outros, como a normalização, para colmatar as lacunas deixadas pela Lei Europeia da Acessibilidade, a fim de harmonizar as normas mínimas de acessibilidade de todo o ambiente construído (9), tanto nas zonas urbanas como nas zonas rurais, sem descurar as disposições aplicáveis às pessoas com deficiências intelectuais e/ou psicossociais. |
4.3.2.2. |
A Comissão deve rever, ampliar e reforçar os direitos dos passageiros com deficiência, por exemplo publicando uma nova proposta legislativa relativa aos transportes multimodais, revendo o Regulamento (CE) n.o 1107/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho (10) em vigor relativo aos direitos das pessoas com deficiência no transporte aéreo, eliminando, harmonizando e definindo pormenorizadamente os casos de «recusa de embarque» e melhorando outros regulamentos existentes. |
4.3.2.3. |
As instituições da UE devem adotar uma posição firme sobre a eliminação dos períodos de notificação prévia obrigatórios para a prestação de assistência ferroviária no novo regulamento da UE relativo aos direitos dos passageiros dos serviços ferroviários. |
4.3.2.4. |
A Comissão deve continuar a melhorar a acessibilidade dos transportes ferroviários para as pessoas com deficiência (11), certificando-se de que os Estados-Membros garantem a acessibilidade de todas as plataformas ferroviárias e facilitam o acesso às carruagens dos comboios, não só no que diz respeito a novas construções, mas também à adaptação das infraestruturas existentes. |
4.3.2.5. |
A Comissão deve fornecer orientações aos Estados-Membros sobre a forma de aplicar as diretivas da UE relativas às normas mínimas comuns em matéria de direitos processuais das vítimas de crime ou pessoas suspeitas ou acusadas de crimes no que diz respeito à deficiência (12), incluindo formação sobre os direitos das pessoas com deficiência para agentes envolvidos no acesso à justiça. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consideradas entidades colaboradoras e devem dispor de um estatuto específico que as legitime nos tribunais. |
4.3.2.6. |
A Comissão deve assegurar que a acessibilidade seja um critério de elegibilidade para o acesso aos fundos da UE (13). |
4.3.2.7. |
A Comissão deve investir na investigação para o desenvolvimento de novas tecnologias e dispositivos de apoio para as pessoas com deficiência. |
4.3.2.8. |
A acessibilidade deve ser vista como paralela à sustentabilidade, por exemplo na construção e nos transportes, e como condição indispensável para alcançar uma Europa mais verde para todos. |
4.3.2.9. |
A Comissão deve apoiar os Estados-Membros na melhoria da acessibilidade do ambiente construído novo e existente, em particular da habitação, e na melhoria da formação em assistência para a acessibilidade destinada ao pessoal de todas as redes de transporte. |
4.3.2.10. |
Os Estados-Membros devem ser apoiados pela Comissão para assegurar que as pessoas com deficiência têm acesso a dispositivos, tecnologias e serviços de assistência, e recebem ajuda para os adquirir, independentemente do país da UE no qual estes são oferecidos. |
4.3.2.11. |
A Comissão deve ajudar os Estados-Membros a assegurar que a contratação pública prevê o acesso às pessoas com deficiência enquanto cidadãos, beneficiários e funcionários públicos. |
4.3.2.12. |
A Comissão deve prestar aos Estados-Membros o apoio necessário para que transponham de forma correta e atempada a Diretiva Acessibilidade da Web. |
4.4. Promover o emprego de qualidade e a formação profissional
4.4.1. |
A taxa de emprego das pessoas com deficiência continua a ser desproporcionalmente baixa quando comparada com a das pessoas sem deficiência, ou seja, é de 48,1 % contra 73,9 %. A taxa de emprego das mulheres com deficiência é consideravelmente mais baixa (14). O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.4.2. |
A Comissão deve propor medidas destinadas a harmonizar os requisitos a nível da UE no que diz respeito ao que os empregadores são obrigados a oferecer e, por sua vez, ao apoio que os governos devem prestar aos empregadores, a fim de assegurar que são realizadas as adaptações razoáveis para os trabalhadores com deficiência (15). |
4.4.3. |
As instituições da UE devem tornar-se modelos a seguir no que diz respeito ao emprego de pessoas com deficiência, aumentando a percentagem de trabalhadores com deficiência nas suas instituições e na administração da UE. |
4.4.3.1. |
A Comissão deve estudar a eficácia dos sistemas de quotas que muitos Estados-Membros utilizam para fomentar o emprego das pessoas com deficiência, com vista a promover boas práticas e, possivelmente, introduzir um sistema deste tipo na administração da UE. |
4.4.3.2. |
As instituições da UE devem tomar medidas para investir fundos da UE em iniciativas de formação, emprego e mobilidade laboral para pessoas com deficiência, incluindo apoio ao empreendedorismo social e às empresas da economia social, promovendo todos os tipos de emprego inclusivo em consonância com a CNUDPD, com especial ênfase nos jovens, nas mulheres, nos migrantes e refugiados e nos trabalhadores mais velhos com deficiência (16). Deve ser dada ênfase ao apoio às pessoas com deficiência para que exerçam o direito de escolha da sua área de trabalho, devendo investir-se também nas políticas de reabilitação profissional, de manutenção do emprego, de progressão na carreira e de regresso ao trabalho, dedicando especial atenção ao desenvolvimento de competências para as profissões emergentes. |
4.4.3.3. |
As instituições da UE e os Estados-Membros devem chegar a acordo sobre uma garantia para os direitos das pessoas com deficiência, semelhante à Garantia para a Juventude, que assegure emprego, estágios, colocações no mercado de emprego e formação contínua às pessoas com deficiência. Uma iniciativa em prol do emprego das pessoas com deficiência deve prever recursos financeiros para apoiar este objetivo. |
4.4.3.4. |
A Comissão deve conceder aos Estados-Membros o apoio necessário para assegurar a plena aplicação da Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho (17) relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores, permitindo aos progenitores de pessoas com deficiência obter uma licença adequada e regimes de trabalho flexíveis, e deve insistir em que as próprias pessoas com deficiência tenham direito a esta mesma flexibilidade. |
4.4.3.5. |
O Semestre Europeu e a legislação devem ser utilizados como instrumentos para assegurar que os trabalhadores com deficiência recebem salários adequados/acordados ao mesmo nível que os trabalhadores sem deficiência, e nunca inferiores ao salário mínimo. A Comissão deve utilizar os fundos da UE para rever as boas práticas e a legislação em matéria de emprego no que diz respeito à reintegração e à reabilitação de trabalhadores após períodos prolongados de ausência por doença e em caso de deficiência adquirida. |
4.4.3.6. |
A Comissão deve apoiar os Estados-Membros na redução do risco envolvido na transição para o mercado de trabalho, oferecendo sistemas mais flexíveis de prestações sociais e prestações de invalidez para evitar a perda das redes de segurança contra a pobreza e incentivar o emprego. |
4.4.3.7. |
A Comissão deve instar os Estados-Membros a prestarem mais assistência aos empregadores na obtenção de informações sobre tecnologias de apoio e de financiamento para o efeito, bem como para tornar os locais de trabalho mais acessíveis e os horários de trabalho mais flexíveis em função das necessidades dos indivíduos. A Comissão deve, em particular, apoiar a investigação sobre o argumento económico a favor de locais de trabalho inclusivos. |
4.4.3.8. |
A Comissão deve prestar aos Estados-Membros o apoio necessário para assegurar a plena aplicação da Diretiva 2000/78/CE do Conselho (18) que proíbe a discriminação no emprego. A Comissão e os Estados-Membros também devem avançar com a adoção do projeto de diretiva horizontal relativa à luta contra a discriminação no que diz respeito ao acesso aos bens e serviços, uma vez que a discriminação neste domínio pode originar discriminação no mercado de trabalho. |
4.4.3.9. |
A Comissão deve apoiar os Estados-Membros na integração das políticas em matéria de responsabilidade social das empresas e de deficiência, a fim de incluir a temática da deficiência nas políticas de emprego das empresas. A Comissão também deve ajudar os Estados-Membros a promover a inclusão dos aspetos da deficiência e da acessibilidade nas informações não financeiras prestadas pelas empresas. |
4.4.3.10. |
A Comissão deve apoiar os direitos das pessoas com deficiência em toda a União, para que possam exercer os seus direitos laborais e sindicais em pé de igualdade com os restantes cidadãos. Tal deverá ser feito em cooperação com os parceiros sociais. Em particular, o processo das Cartas da Diversidade da UE deve centrar-se mais na promoção de uma mão de obra diversificada em termos de capacidades. |
4.4.3.11. |
Os parceiros sociais, quando realizarem diálogos sociais a nível da UE e na celebração de convenções coletivas, devem ter em conta a aplicação da CNUDPD e os direitos dos trabalhadores com deficiência, em consulta com as organizações de pessoas com deficiência a nível da UE. |
4.5. Oferecer educação e aprendizagem ao longo da vida de qualidade e inclusivas
4.5.1. |
O acesso das pessoas com deficiência ao ensino regular continua a ser difícil, resultando frequentemente em segregação no contexto educativo. As pessoas com deficiência na UE têm, em média, mais 13 % de probabilidade de virem a abandonar precocemente o ensino do que os seus pares sem deficiência e menos 14 % de probabilidade de acederem ao ensino superior (19). O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.5.2. |
As instituições da UE devem investir fundos da UE em contextos de aprendizagem, programas de intervenção na primeira infância, programas de aprendizagem ao longo da vida e programas de formação inclusivos, a fim de facilitar a transição das pessoas com deficiência do meio escolar para o mundo laboral. Importa igualmente facilitar a mobilidade profissional das pessoas com deficiência. |
4.5.2.1. |
As instituições da UE devem empreender ações específicas para garantir a inclusividade das crianças e dos jovens com deficiência no seu próprio sistema de Escolas Europeias para os filhos dos funcionários e outros agentes da UE. |
4.5.2.2. |
A Comissão deve adotar medidas concretas para aumentar a participação das pessoas com deficiência no ensino superior, prestando assistência para cobrir as necessidades e os custos de apoio durante o período de estudo ou de formação. |
4.5.2.3. |
A Comissão deve adotar medidas para aumentar a acessibilidade dos programas Erasmus+ e a participação das pessoas com deficiência nos mesmos, prestando assistência para cobrir as necessidades e os custos de apoio durante o período de estudo ou de formação no estrangeiro. |
4.5.2.4. |
A Comissão deve prestar aos Estados-Membros o apoio necessário para formar o pessoal das escolas regulares e para apoiar a formação de auxiliares escolares especializados na questão da deficiência, com o intuito de promover a inclusão das crianças com deficiência nas escolas regulares. A formação deve também centrar-se no modo como a tecnologia de apoio pode ser utilizada para facilitar a integração dos alunos com deficiência. Há igualmente que prestar atenção à criação de boas condições de trabalho na sala de aula e à redução da dimensão das turmas. |
4.6. Combater a precariedade, a pobreza e a exclusão social
4.6.1. |
As pessoas com deficiência na UE têm, em média, mais 9 % de probabilidade de passar por situações de pobreza e exclusão social do que as pessoas sem deficiência (20). O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.6.1.1. |
As instituições da UE devem assegurar que a nova Agenda inclui ações específicas para promover um sistema de proteção social inclusivo, e a Comissão deve elaborar orientações dirigidas aos Estados-Membros sobre um nível mínimo de proteção social para as pessoas com deficiência que lhes garanta um nível de vida adequado (21). A Comissão e os Estados-Membros devem assegurar que as pessoas com deficiência, em particular aquelas que adquiriram uma deficiência durante a sua carreira e que têm um período de contribuição para a reforma mais curto, sejam abrangidas por regimes de proteção social adequados antes e após a idade da reforma. |
4.6.1.2. |
A Comissão deve fornecer orientações sobre as reformas relativas aos subsídios para apoiar o custo suplementar dos dispositivos, das tecnologias de apoio, das adaptações, dos transportes, etc. relacionados com a deficiência. A Comissão deve instar os Estados-Membros a que sejam mais flexíveis, permitindo às pessoas com deficiência manter os subsídios quando entram no mercado de trabalho, a fim de equilibrar as despesas desproporcionadas, reduzir o risco de pobreza no trabalho e incentivar o emprego. |
4.6.1.3. |
A Comissão deve fornecer orientações aos Estados-Membros sobre os procedimentos de avaliação da deficiência, para assegurar que as pessoas com doenças raras ou com polideficiência não são ignoradas. A Comissão deve também dissuadir fortemente os Estados-Membros, através do Semestre Europeu, de reduzir as prestações de invalidez dos seus cidadãos e aumentar, assim, o risco de pobreza e exclusão social. A Comissão deve convidar os Estados-Membros a verificarem a equidade das respetivas prestações de invalidez ao longo da vida, a fim de assegurarem que as pessoas com deficiência que chegam a uma idade avançada e os idosos que adquirem uma deficiência não perdem o acesso aos seus direitos. |
4.6.1.4. |
O Painel de Indicadores Sociais deve ser adaptado de modo a integrar medições relacionadas especificamente com as pessoas com deficiência, a fim de complementar as ligações crescentes entre o Semestre Europeu e o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. |
4.6.1.5. |
A Comissão deve prestar aos Estados-Membros o apoio necessário para a correta aplicação da recomendação do Conselho sobre a segurança social para contratos de trabalho atípicos, e assegurar que nenhuma pessoa com deficiência, quer trabalhe quer não, veja negado o seu direito a uma cobertura adequada em termos de cuidados de saúde ou outros direitos. |
4.6.1.6. |
A Comissão deve apoiar os Estados-Membros na promoção do acesso aos cuidados de saúde pelas pessoas com deficiência em pé de igualdade com os restantes cidadãos (22). |
4.6.2. |
A Comissão deve assegurar que as pessoas com deficiência que trabalharam, trabalham ou trabalharão na administração da UE, ou os seus familiares dependentes afetados por uma deficiência, beneficiam de um seguro de saúde abrangente que lhes preste os melhores cuidados médicos possíveis e lhes proporcione a melhor qualidade de vida possível. |
4.7. Tornar a UE líder mundial em não deixar ninguém para trás além das suas fronteiras
4.7.1. |
A UE é o maior doador mundial de ajuda ao desenvolvimento. A UE e os seus Estados-Membros devem, enquanto Estados Partes na CNUDPD, promover os direitos das pessoas com deficiência no âmbito da sua ação externa. O CESE apela, por conseguinte, para que se tomem as seguintes medidas: |
4.7.2. |
As instituições da UE devem adotar medidas para assegurar que todas as ações financiadas pela UE em países terceiros respeitam os princípios gerais da CNUDPD, delineados no ponto 3.1. |
4.7.2.1. |
As instituições da UE devem adotar medidas para assegurar que os países candidatos e potenciais candidatos à adesão à UE demonstrem que possuem o mesmo nível de proteção dos direitos das pessoas com deficiência que os Estados-Membros da UE. O Comissão deve também assegurar que os instrumentos financeiros de assistência de pré-adesão são utilizados para melhorar a sua situação. |
4.7.2.2. |
A Comissão deve sensibilizar para a CNUDPD e para as necessidades das pessoas com deficiência, nomeadamente no que diz respeito à acessibilidade, no domínio da ajuda humanitária e de emergência, e deve sensibilizar as delegações da UE para as questões relacionadas com a deficiência. |
4.7.2.3. |
As instituições da UE devem assegurar um seguimento claro do Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento e apoiar a inclusão dos marcadores de deficiência do Comité de Ajuda para o Desenvolvimento da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) nos programas, projetos e atividades de cooperação da UE em todo o mundo. |
4.7.2.4. |
As instituições da UE devem assegurar a defesa dos direitos e a prestação de apoio suficiente e adequado às pessoas com deficiência que chegam à UE como requerentes de asilo ou refugiadas, ou o apoio às pessoas que adquiriram uma deficiência durante o processo de fuga do seu país. |
4.7.2.5. |
A Comissão deve ajudar os Estados-Membros a abordar a temática da deficiência nos diálogos com países terceiros. A Comissão também deve trabalhar no sentido de promover o consenso e o compromisso em matéria de deficiência em instâncias internacionais (Nações Unidas, Conselho da Europa, OCDE). |
4.7.2.6. |
A Comissão deve ajudar os Estados-Membros, no contexto do Brexit, a assegurar que os cidadãos da União Europeia que residem atualmente no Reino Unido, e vice-versa, continuam a receber a assistência que lhes é atualmente prestada pelo seu país de origem. |
5. Governação, aplicação e acompanhamento
5.1. |
Tendo em conta as observações finais da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência dirigidas à UE, o CESE recomenda vivamente que sejam designados pontos de contacto para a deficiência em todas as instituições, agências e órgãos da UE, nomeadamente o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia, o Serviço Europeu para a Ação Externa, o Comité das Regiões, etc., bem como em agências como a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Devem também ser criados pontos de contacto para a deficiência em todas as direções-gerais da Comissão. Dada a natureza transversal das questões relacionadas com a deficiência, o ponto de contacto central deve surgir sob a égide do Secretariado-Geral da Comissão Europeia. Tal será necessário para acompanhar a aplicação da CNUDPD e da Agenda pelas instituições da UE. O CESE, liderando pelo exemplo, possui o seu próprio ponto de contacto para a deficiência, bem como o Grupo de Estudo para os Direitos das Pessoas com Deficiência, apoiado pelo secretariado da Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania. O CESE apela ainda para que se tomem as seguintes medidas: |
5.2. |
Tendo em consideração que a nova Comissão contará com uma comissária responsável pela Igualdade, deve existir um ponto de contacto para a deficiência na DG Justiça, para a auxiliar na sua missão. Esta iniciativa é de importância fundamental. |
5.3. |
O atual sistema de um Grupo de Alto Nível para a Deficiência deve ser substituído por um «Comité para os Direitos das Pessoas com Deficiência», que sirva de plataforma para reuniões regulares entre todos os pontos de contacto para a deficiência das diferentes direções, instituições e agências, bem como dos diferentes Estados-Membros. Esse comité deve ter o direito de acompanhar a aplicação da Agenda a nível da UE e dos Estados-Membros, bem como de formular recomendações dirigidas à Comissão e aos governos nacionais. |
5.4. |
A Comissão deve rever as suas competências partilhadas com os Estados-Membros decorrentes da CNUDPD e do direito da UE, a fim de determinar em que domínios a UE pode trabalhar em conjunto com os Estados-Membros tendo em vista a execução. Tal deverá ser feito através da elaboração de uma declaração de competências. |
5.5. |
Deve ser instituído um mecanismo interinstitucional entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho (23). Os presidentes destas três instituições devem reunir-se no início de cada mandato para demonstrarem o seu empenho para com os direitos das pessoas com deficiência. Para facilitar este mecanismo, há que um grupo de trabalho para a deficiência, no âmbito do Conselho. |
5.6. |
As instituições da UE devem incluir na Agenda critérios de referência claros, concretos e específicos e indicadores mensuráveis que permitam acompanhar as lacunas na aplicação e avaliar eficazmente os progressos realizados. |
5.7. |
A Comissão deve assegurar o planeamento de mecanismos de acompanhamento eficazes durante a conceção de propostas e iniciativas legislativas e prever recursos e orçamentos suficientes para esses mecanismos. A Agenda deve incluir um compromisso claro em matéria de financiamento com uma indicação dos montantes a reservar para os mecanismos de acompanhamento. |
5.8. |
A Comissão deve dotar o quadro da CNUDPD da UE de recursos suficientes para assegurar o seu funcionamento independente e adequado. |
5.9. |
As instituições da UE devem envolver de forma ativa e plena as organizações de pessoas com deficiência e as organizações da sociedade civil na elaboração, na aplicação e na governação da Agenda (24). As organizações de pessoas com deficiência devem também ser continuamente consultadas e envolvidas na conceção, na adoção, na aplicação e no acompanhamento da legislação, das políticas e dos programas resultantes desta Agenda e devem ter acesso a recursos que apoiem a sua participação significativa. Os processos de consulta também devem ser compreensíveis e plenamente acessíveis para as pessoas com deficiência. |
5.10. |
A Comissão deve adotar medidas adequadas para assegurar que o Eurostat, em colaboração com as autoridades estatísticas nacionais e os representantes das organizações de pessoas com deficiência, desenvolve um sistema de indicadores baseado nos direitos humanos, bem como um sistema de recolha de dados abrangente e comparável sobre a situação das pessoas com deficiência na UE em matéria de igualdade, e que publique análises mais pertinentes e desagregadas sobre deficiência. Neste contexto, há que ter em conta a interseccionalidade dos problemas e das experiências das pessoas com deficiência, nomeadamente devido ao género, à idade, ao estatuto de refugiado, de requerente de asilo ou de migrante ou à pertença a uma minoria étnica, bem como a tipos diferentes de deficiência e ao modo como afetam o bem-estar e os resultados (25). Importa igualmente recolher dados sobre o número de pessoas com deficiência que vivem em instituições e de crianças com deficiência que não vivem no seio de uma família. |
5.11. |
A Comissão, através do Semestre Europeu, deve exercer pressão sobre os Estados-Membros para que desenvolvam as suas próprias estratégias nacionais em matéria de deficiência e abordem a aplicação da CNUDPD nos programas nacionais de reformas. |
5.12. |
A Comissão deve disponibilizar todos os meios, recursos humanos e apoio financeiro necessários ao quadro de acompanhamento da CNUDPD da UE, a fim de assegurar a sua capacidade para desempenhar as suas funções em conformidade com o artigo 33.o, n.o 2, da CNUDPD. |
6. Comunicação e divulgação (26)
6.1. |
As instituições da UE devem sensibilizar para os obstáculos que as pessoas com deficiência ainda têm de enfrentar, a fim de abolir estereótipos e trabalhar em conjunto com os governos nacionais e regionais para assegurar que estas informações chegam aos decisores políticos e a outras partes interessadas a todos os níveis. A Comissão deve apoiar o trabalho das organizações de pessoas com deficiência e das organizações não governamentais a nível da UE ativas neste domínio. |
6.2. |
A Comissão deve organizar campanhas e cursos de formação tendo em vista a sensibilização para os direitos das pessoas com deficiência, dirigidos ao público em geral, responsáveis e decisores políticos, funcionários de entidades públicas e privadas, pessoas com deficiência e respetivas famílias, etc., encorajando, simultaneamente, os Estados-Membros a realizarem campanhas semelhantes. |
6.3. |
A Comissão e os Estados-Membros devem centrar-se em salientar a discriminação múltipla e interseccional de que são vítimas determinados grupos de pessoas com deficiência, nomeadamente as mulheres e as raparigas, as pessoas LGBTI e as minorias étnicas. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) Recomendações da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência dirigidas à UE em 2015.
(2) Segundo o artigo 1.o da CNUDPD, as pessoas com deficiência incluem aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais que, em interação com várias barreiras, podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.
(3) Artigos 1.o, 21.o e 26.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE e artigos 10.o e 19.o do Tratado sobre o Funcionamento da UE.
(4) Eurobarómetro especial n.o 437. Disponível em: https://data.europa.eu/euodp/pt/data/dataset/S2077_83_4_437_ENG.
(5) Regulamento (UE) n. o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO L 347 de 20.12.2013, p. 320).
(6) Observação geral n.o 1 (2014) da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre o reconhecimento igual perante a lei.
(7) Recomendações da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência, artigo 18.o.
(8) CNUDPD, artigo 19.o e observação geral n.o 5.
(9) CNUDPD, artigos 9.o e 20.o.
(10) Regulamento (CE) n.o 1107/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida no transporte aéreo (JO L 204 de 26.7.2006, p. 1).
(11) Durante a próxima revisão do Regulamento (UE) n.o 1300/2014 da Comissão, de 18 de novembro de 2014, relativo à especificação técnica de interoperabilidade respeitante à acessibilidade do sistema ferroviário da União para as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida (JO L 356 de 12.12.2014, p. 110).
(12) CNUDPD, artigo 13.o.
(13) JO C 62 de 15.2.2019, p. 83.
(14) https://www.disability-europe.net/theme/employment.
(15) CNUDPD, artigos 5.o e 27.o.
(16) CNUDPD, artigo 27.o.
(17) Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho (JO L 188 de 12.7.2019, p. 79).
(18) Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303 de 2.12.2000, p. 16).
(19) ANED, com base em dados do Eurostat 2016, pessoas com e sem deficiência (idade: 30-34 anos), diferença em pontos percentuais.
(20) EU-SILC 2016.
(21) CNUDPD, artigo 28.o.
(22) Recomendações da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência, n.o 63.
(23) Recomendações da Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência dirigidas à UE em 2015.
(24) Observação geral da CNUDPD.
(25) CNUDPD, artigo 31.o.
(26) CNUDPD, artigo 8.o.
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/53 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Populismo e direitos fundamentais — zonas suburbanas e rurais
(parecer de iniciativa)
(2020/C 97/07)
Relatora:
Karolina DRESZER-SMALECCorrelator:
Jukka AHTELA
Decisão da Plenária |
20.2.2019 |
Base jurídica |
Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento |
|
Parecer de iniciativa |
Competência |
Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente |
Adoção em secção |
27.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
145/3/6 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
Os partidos populistas registaram avanços significativos nas eleições europeias de 2019. O populismo conduz a uma erosão da estabilidade das instituições políticas, a uma maior fragmentação e polarização das comunidades e a um ambiente cada vez mais arriscado para decisões de investimento pelas empresas. |
1.2. |
As causas subjacentes ao êxito dos movimentos e partidos populistas são múltiplas. Em termos muito gerais, é impulsionado por processos de globalização que afetam todos os tipos de países desenvolvidos. Mais especificamente, o populismo pode ser explicado por fatores culturais e identitários, bem como pela evolução socioeconómica. Por último, a ameaça populista é particularmente pronunciada nas «localidades sem importância» (1), independentemente do facto de se situarem na periferia ou no centro da União Europeia. |
1.3. |
Há que fazer uma distinção clara entre, por um lado, os receios, a ansiedade e a revolta que levam as pessoas a abraçar os partidos populistas e, por outro lado, os «empresários da política» que tentam deliberadamente converter esses receios em ganhos políticos. O descontentamento dos cidadãos, que amiúde tem motivos racionais, tem de ser levado a sério. Este aspeto é diferente da retórica dos líderes populistas que tentam tirar partido do descontentamento. |
1.4. |
A geografia do descontentamento combina a divisão do continente nos eixos Norte-Sul e Este-Oeste na UE com a divisão nacional centro-periferia no interior de cada Estado-Membro. Dependendo da localização, o descontentamento radica em diferentes formas de dificuldades. As estratégias de combate a este fenómeno devem ter em conta essa complexidade para que possam ter êxito. O CESE considera que a criação de alianças entre órgãos de poder local, organizações da sociedade civil, os parceiros sociais e outros intervenientes, por exemplo, líderes locais e movimentos sociais, é fundamental para combater as causas profundas do populismo. |
1.5. |
Quanto menos as pessoas beneficiam do êxito dos polos de crescimento dos seus países, mais pronunciadas tendem a ser as suas atitudes negativas face às elites dirigentes, aos sistemas partidários e aos estilos de vida pós-modernos. Os ativistas da sociedade civil são amiúde considerados como fazendo parte destes grupos, o que reforça as atitudes negativas em relação a eles. |
1.6. |
A situação torna-se particularmente grave para a sociedade civil nas localidades em que os populistas subiram ao poder e podem influenciar de forma vincada os programas de governo, que derrapam em direção ao autoritarismo. As organizações da sociedade civil estão fortemente ameaçadas quer pela redução do espaço disponível para exercerem as suas atividades, quer por ameaças e perseguições pessoais. |
1.7. |
O CESE considera que a educação cívica sobre os princípios da democracia, os direitos fundamentais e o Estado de direito deve ser reforçada para fazer face a esta evolução. Remete para a sua recomendação formulada no Parecer — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União (2) para que os Estados-Membros integrem estes temas nos currículos escolares e do ensino superior e para que a Comissão Europeia proponha uma estratégia ambiciosa de comunicação, educação e sensibilização do público para os direitos fundamentais, o Estado de direito e a democracia, bem como para o papel dos meios de comunicação social independentes. |
1.8. |
Uma vez que a população aspira por visões políticas ambiciosas e eficazes, o CESE está convicto de que a União Europeia deve propor narrativas sobre um futuro desejável e relançar os princípios fundamentais que desempenharam um papel proeminente no projeto europeu, como a parceria e a subsidiariedade. |
1.9. |
O CESE apoia a Resolução do Parlamento Europeu, de 3 de outubro de 2018, sobre dar resposta às necessidades específicas das zonas rurais, montanhosas e remotas (2018/2720(RSP)) (3), que apela para que se promova «o desenvolvimento socioeconómico, o crescimento e diversificação económica, o bem-estar social, a proteção da natureza e a cooperação e a interligação com as zonas urbanas, a fim de fomentar a coesão e evitar o risco de fragmentação territorial». Por conseguinte, o CESE associa-se ao Parlamento na defesa de um pacto para as aldeias inteligentes, que envolva todos os níveis de governo, em conformidade com o princípio da subsidiariedade. |
1.10. |
O CESE reitera a sua recomendação formulada no Parecer — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (4), com vista à «criação de um Painel de Avaliação da Democracia que […] analise o enquadramento jurídico da atividade da sociedade civil e formule recomendações específicas para a revisão do mesmo». |
1.11. |
As autoridades devem adotar uma abordagem assente nos direitos humanos (5) e aplicá-la nas suas políticas, em especial nas políticas de reforma económica, com base em avaliações sistemáticas do impacto nos direitos humanos (6), o que deve ser uma condição prévia para a realização de debates nacionais inclusivos e informados sobre a adequação das opções políticas, bem como para a aplicação harmoniosa das reformas. |
1.12. |
O CESE apela para que se coloque mais ênfase nas novas atividades económicas que estão a surgir nas zonas rurais, muitas das quais assentes nos princípios do mutualismo e da assistência. Encoraja a adoção de medidas destinadas a melhorar o apoio e a interligação entre essas iniciativas, de forma a ultrapassar as fases experimentais e isoladas rumo a alianças políticas e sociais de emancipação. |
1.13. |
O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a reforçarem as infraestruturas a nível infranacional. A suspensão das ligações de transporte público, juntamente com o encerramento de escolas e serviços de saúde foram claramente algumas das razões do protesto populista na Europa. |
1.14. |
As instituições da UE devem promover o reforço das capacidades das organizações da sociedade civil locais, nacionais e europeias e dotá-las dos recursos que as ajudem a melhorar o âmbito e a qualidade das suas ações. Essas organizações desempenham um papel importante no reconhecimento e na resposta a dar às necessidades das comunidades e são fortemente afetadas quando o Estado de direito, os direitos fundamentais e a democracia se deterioram. |
2. Observações gerais
2.1. |
Os partidos populistas registaram avanços significativos nas eleições europeias de 2019. O CESE está seriamente preocupado com esta evolução e apela para que sejam lançadas iniciativas de monta para abordar esta questão, começando por ações para compreender melhor as causas que lhe estão subjacentes. |
2.2. |
O CESE considera que se deve dar especial atenção à situação das organizações da sociedade civil, que são fortemente afetadas quando o Estado de direito, os direitos fundamentais e a democracia se deterioram. Atualmente, as organizações da sociedade civil veem-se confrontadas, em muitos países, com uma redução do espaço disponível para exercerem as suas atividades. A progressão da ascensão do populismo acarretará provavelmente uma menor estabilidade económica e agravará a ineficácia da governação e das políticas, o que terá um impacto negativo no investimento. |
2.3. |
O CESE já manifestou grande preocupação com a «degradação dos direitos humanos, a deriva populista e autoritária que se está a alastrar e o risco que isto representa para a qualidade da democracia e para a proteção dos direitos fundamentais» (7). Apelou para que as instituições europeias adotem «uma abordagem proativa e preventiva nas suas atividades políticas, de forma a antever e evitar problemas». |
2.4. |
No seu Parecer de Iniciativa — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (8), o CESE realçou que considera que a sociedade civil «desempenha um papel fundamental na preservação da democracia liberal na Europa» e que «[a]penas uma sociedade civil forte e diversa pode defender a democracia e a liberdade e proteger a Europa contra as tendências de autoritarismo». |
2.5. |
Há que ter em conta várias dimensões para compreender totalmente o fenómeno do populismo. Alguns observadores recorrem principalmente a fatores culturais para identificar a fonte do populismo. Não obstante reconhecerem a importância desses fatores, outros defendem que a causa primeira da progressão do populismo é socioeconómica e radica na complexidade do processo de globalização. |
2.6. |
Muitas das preocupações na base do descontentamento das pessoas são racionais e exigem soluções políticas. Há que distinguir essas preocupações legítimas das tentativas por parte de alguns «empresários da política» de tirarem partido do descontentamento e de convertê-lo em vitórias eleitorais através de propostas demagógicas mas pouco razoáveis. |
2.7. |
Entre os fatores mais importantes que explicam a recetividade ao populismo contam-se: a idade (avançada), o nível de ensino (baixo), a riqueza relativa (modesta), o desemprego (elevado) e o tipo de emprego (atípico e a termo). A prevalência destes fatores socioeconómicos é mais elevada nas zonas rurais e fora das grandes cidades. |
2.8. |
O voto no Brexit no Reino Unido, o movimento dos «coletes-amarelos» em França e o êxito da Alternativa para a Alemanha (AfD) no leste da Alemanha, da Liga Norte em Itália e do Partido «Direito e Justiça» (PiS) na Polónia diferem em muitos aspetos. No entanto, comum a todos esses fenómenos é apenas o facto de ilustrarem o declínio dramático da confiança nas instituições, nos representantes políticos e nos meios de comunicação social. |
2.9. |
Quanto menos as pessoas conseguem beneficiar do êxito dos polos de crescimento do seu país, mais pronunciadas tendem a ser as suas atitudes negativas face às elites dirigentes, aos sistemas partidários e aos estilos de vida pós-modernos. Os ativistas da sociedade civil são amiúde considerados como fazendo parte destes grupos, o que reforça as atitudes negativas em relação a eles e tem graves consequências para o funcionamento das organizações da sociedade civil. |
3. Fatores gerais e territoriais que explicam o populismo
3.1. |
A ascensão do populismo pode ser explicada sob dois prismas. Sob o primeiro, destacam-se os fatores culturais como a formação da identidade e mudanças de perceção resultantes das tendências da evolução ao longo das últimas duas a três décadas. Sob o segundo, realça-se a proeminência dos fatores socioeconómicos como causas principais que explicam o êxito do populismo. Embora ambas as explicações sejam pertinentes, os fatores de economia política são claramente mais importantes quando se trata de ter em conta o papel do espaço e do território (9). |
3.2. |
O populismo é uma expressão específica daquilo a que se convencionou chamar uma mudança de era, uma mudança de época ou uma viragem de época. Todos os países são afetados, em diferentes graus, pelas consequências dessa mudança, independentemente da região em causa. Todas as dimensões principais da ordem social tendem a ser objeto dessa mudança — o Estado, tal como o mercado e a comunidade, esta última no sentido de sociedade civil. |
3.3. |
Desencadeado por processos de mercantilização das relações sociais e políticas, o populismo começa a emergir primeiramente na dimensão comunitária. As comunidades que se formam com base numa escolha, como os grupos de interesse, os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, são sujeitas a uma desorganização crescente, lutando por sobreviver e manter os seus membros. As comunidades resultantes do destino, como as famílias, os vizinhos de bairro e os grupos locais, também sofrem de fragmentação, perda de solidariedade, alienação e dissolução. |
3.4. |
Num mundo cada vez mais complexo, este tipo de fragmentação social e política tende a causar insegurança e ansiedade e conduz à procura de respostas inequívocas. Amiúde, as comunidades tradicionais já não conseguem dar esse tipo de resposta. Independentemente da idade e da classe social, muitas pessoas buscam novas formas de pertença e identidades seguras. Os «empresários da política» populistas especializaram-se em dar esse tipo de respostas simples, frequentemente relacionadas com visões retrógradas de um passado glorioso que tem de ser reconstruído. |
3.5. |
Uma vez transpostas para programas políticos atrativos, estas respostas simples alimentam a realidade da política e do Estado — sistemas que são também eles afetados pela fragmentação dos sistemas partidários e por um declínio da confiança na governação. |
3.6. |
As causas gerais do populismo são ainda reforçadas pela fragmentação territorial que afeta as zonas rurais e suburbanas. As suas populações sentem-se isoladas do desenvolvimento económico e afastadas das infraestruturas públicas em matéria de transportes, saúde, cuidados aos idosos, educação e segurança, o que se converte numa prevalência elevada de um sentimento antielites e de preconceitos contra o que se entende ser um modo de vida cosmopolita. |
4. A globalização e a crise económica
4.1. |
A globalização trouxe oportunidades e ameaças, tendo estas últimas maior peso nas zonas suburbanas e rurais. Esta situação levou a um desinvestimento nessas zonas e a um sentimento justificado de insegurança face aos riscos de deslocalização das infraestruturas e dos empregos industriais, aliado a uma rejeição de políticas fiscais injustas, normalmente consideradas como insuficientemente equitativas. Determinados acordos comerciais, nomeadamente o celebrado recentemente com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), suscitaram preocupações em alguns Estados-Membros, por serem encarados como ameaças aos meios de subsistência dos agricultores europeus e ao modelo europeu de agricultura familiar. |
4.2. |
Esta «economia política do populismo» é estudada num relatório elaborado para o Grupo Diversidade Europa do CESE (10), em que se aponta que os níveis mais elevados de rendimento disponível, de taxa de emprego, das despesas com as prestações sociais e do PIB correspondem a uma percentagem inferior do voto populista a nível regional. A diminuição do rendimento disponível está associada a um aumento do apoio aos partidos populistas. |
4.3. |
Não obstante a evolução global positiva no domínio do emprego na Europa, o desemprego, o emprego atípico e a marginalização económica e social fazem-se sentir de forma particularmente grave nas camadas mais jovens da população em muitos Estados-Membros. As pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos podem ser a primeira geração, desde o nascimento da UE, a viver em condições financeiras piores do que a geração anterior. Os dados do Eurostat mostram que, na Europa, 44 % dos trabalhadores com idades compreendidas entre os 19 e os 24 anos têm apenas um contrato temporário, em comparação com 14 % da população no seu conjunto. |
4.4. |
As zonas rurais, suburbanas e periféricas estão, de um modo geral, mais expostas à influência do populismo, que propõe um modelo que põe em causa os próprios fatores em que se baseou o recente crescimento económico: mercados abertos, migração, integração económica e globalização (11). |
4.5. |
Num contexto de crescimento económico estruturalmente baixo, os Estados europeus tendem, em geral, a ter menos receitas e mais despesas. A pressão sobre a despesa decorre de vários fatores, incluindo o envelhecimento da população, o peso da dívida e o aumento dos custos com a segurança pública. Ao mesmo tempo, a pressão sobre a receita decorre de fatores como as opções de economia política, as políticas de austeridade e a evasão ou elisão fiscais. Consequentemente, a escassez de recursos públicos limita o papel dos Estados no dever que lhes incumbe no domínio das políticas redistributivas, essenciais ao exercício dos direitos sociais e económicos. Os investidores públicos e privados estão a perder interesse no tecido industrial, em particular nas zonas rurais e suburbanas, o que leva alguns setores da população a sentirem-se marginalizados e abandonados pelas estruturas estatais e pelos serviços públicos. |
4.6. |
O CESE apela às autoridades nacionais e europeias para que considerem a inclusão, o acesso aos direitos, assim como a preservação do tecido económico e industrial e de reservatórios de emprego como critérios fundamentais para as políticas económicas, territoriais e de coesão. |
5. O papel da migração
5.1. |
Tal como a globalização, a migração é um fenómeno que afeta todos os países, desenvolvidos ou menos desenvolvidos. Não é provável que desapareça, mas sim que cresça ao longo do tempo. A pressão crescente exercida pelos movimentos populistas torna difícil, mas não menos imperativo, que os Estados-Membros cheguem a acordo sobre uma — tão necessária — política europeia de migração e asilo responsável, humana e justa, que respeite o direito internacional em matéria de direitos humanos. |
5.2. |
A retórica populista não é direcionada de forma racional para os aspetos regulamentares das políticas de migração. Pelo contrário, estigmatiza diretamente os migrantes como criminosos, terroristas ou invasores, criando um ambiente que incentiva ataques diretos contra eles. |
5.3. |
No que diz respeito à migração, as divisões mais importantes em termos geográficos prendem-se com as diferenças nos sistemas de proteção social e nos mercados de trabalho. Os sistemas de proteção social e os mercados de trabalho podem ser relativamente abertos aos imigrantes em alguns países, mas fechados e restritivos noutros. Com a chegada de um vasto número de migrantes, as reações das partes da população local que são marginalizadas, ou que sofrem de ansiedade com a possibilidade de o virem a ser, são diferentes consoante os tipos de economia política. |
5.4. |
Em alguns países, e em zonas específicas desses países, receia-se que os sistemas de proteção social fiquem sobrecarregados, enquanto noutros os migrantes são vistos como concorrentes no mercado de trabalho. Subjetivamente, os migrantes podem representar um desafio no que diz respeito ao emprego estável ou ao benefício de prestações sociais. Esse tipo de receio pode ser particularmente pronunciado entre as pessoas que vivem em zonas rurais e suburbanas. |
5.5. |
Assim, há uma multiplicidade de causas potenciais que explicam a progressão dos movimentos populistas que devem ser tidas em conta pelos governos nacionais, as instituições da União Europeia e as organizações da sociedade civil quando da conceção de estratégias adequadas de natureza política e/ou económica para combater este fenómeno. Igualmente importante é o facto de que, em determinadas regiões da UE, o sentimento de declínio social e de marginalização económica não resulta da imigração, mas sim da emigração. Em especial em algumas regiões da Europa Oriental, a saída de profissionais altamente qualificados assumiu proporções dramáticas que perturbaram o tecido socioeconómico desses países. |
5.6. |
O CESE refuta a ideia de que há concorrência pelos recursos públicos entre os migrantes e as populações locais. Solicita que as organizações da sociedade civil intensifiquem as atividades destinadas a combater o medo e a ansiedade patentes em partes da população. Apela igualmente à criação de programas educativos e sociais que abordem os diversos motivos catalisadores do populismo, especialmente nas zonas ultraperiféricas da UE. Há que proporcionar mais apoio às plataformas e redes nacionais e europeias da sociedade civil, a fim de obter uma análise mais aprofundada do fenómeno e encorajar a disseminação de informações fidedignas e atividades educativas destinadas a obter uma melhor compreensão deste fenómeno. |
6. A geografia do descontentamento
6.1. |
Os partidos populistas registaram avanços acima da média nas zonas rurais e nas zonas periféricas pós-industriais da UE (12). Foi esse o caso do voto no Brexit no Reino Unido, assim como na Áustria, onde o candidato do FPÖ obteve 62 % dos votos rurais nas eleições presidenciais de maio de 2018. |
6.2. |
A geografia do descontentamento combina a divisão do continente nos eixos Norte-Sul e Este-Oeste na UE com a divisão nacional centro-periferia no interior de cada Estado-Membro. O populismo progrediu ao longo dos anos nesta fragmentação múltipla das sociedades e dos territórios. As infraestruturas e as políticas de transportes são, por conseguinte, de especial importância, uma vez que asseguram a continuidade territorial e constituem uma condição prévia material para que os cidadãos possam aceder aos seus direitos civis, políticos, económicos e sociais. |
6.3. |
O CESE recomenda que as autoridades europeias e nacionais considerem as políticas de transportes, infraestruturas e conectividade da Internet como um meio de combater o populismo. As autoridades devem configurar essas políticas, bem como políticas sociais, de coesão e de redução da pobreza, utilizando uma abordagem assente nos direitos humanos (13). Devem igualmente assegurar que as políticas, em especial as políticas de reforma económica, se baseiam em avaliações ex ante e ex post sistemáticas de impacto nos direitos humanos (14), por forma a facilitar a realização de debates nacionais inclusivos e informados sobre a arbitragem e a adequação das opções políticas. |
6.4. |
Uma das consequências da fragmentação social, económica e territorial é a crescente exclusão de grande parte da população nas zonas suburbanas e rurais dos direitos políticos, a qual se manifesta no elevado abstencionismo, na rejeição da democracia representativa e de órgãos intermediários, incluindo os partidos políticos e os sindicatos, e no apoio aos movimentos populistas radicais. O CESE considera que a educação cívica sobre os princípios da democracia, os direitos fundamentais e o Estado de direito deve ser reforçada de modo a fazer face a esta evolução. Remete para a sua recomendação formulada no Parecer — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União (15) para que os Estados-Membros integrem estes temas nos currículos escolares e do ensino superior e para que a Comissão Europeia proponha uma estratégia ambiciosa de comunicação, educação e sensibilização do público para os direitos fundamentais, o Estado de direito e a democracia. |
6.5. |
Precisamente porque as políticas de identidade, pertença, reconhecimento e redistribuição se cruzam, há que ter em conta que a religião, as dinâmicas de género e a identidade local e cultural são importantes, tal como os interesses das classes e a desigualdade. Encontrar alternativas para combater o enlevo fácil exercido pelas forças políticas retrógradas não é um processo simples. São necessárias novas campanhas e narrativas. Uma forma particularmente importante de atingir este objetivo é examinando as muitas atividades económicas novas que estão a surgir nas zonas rurais, assentes nos princípios da comunidade, do mutualismo e da assistência. A missão consiste, pois, em interligá-las, ultrapassando as fases experimentais e isoladas, e ligando-as umas às outras e a alianças políticas de emancipação. |
7. Modo como o populismo afeta a sociedade civil fora das grandes cidades
7.1. |
A sociedade civil é profundamente afetada pela ascensão dos movimentos e partidos populistas em diferentes níveis territoriais. O facto de o espaço político ser cada vez mais invadido por propaganda autoritária, atitudes xenófobas e racistas e violência fascista em muitas regiões da Europa afeta diretamente os movimentos sociais, os sindicatos e as associações empresariais, sem distinções. |
7.2. |
A situação tornou-se particularmente grave para a sociedade civil nas localidades em que os populistas subiram ao poder e podem influenciar de forma vincada os programas governamentais. Quando ocupam posições fulcrais nos parlamentos e nos executivos, os partidos populistas têm tendência a impelir sociedades antes liberais rumo a regimes autoritários. As organizações da sociedade civil estão fortemente ameaçadas pela redução do espaço disponível para exercerem as suas atividades. Simultaneamente, algumas pretensas ou falsas organizações não governamentais, que são criadas do topo para a base e muitas vezes se fazem passar por organizações radicalmente democráticas, complicam ainda mais a atividade livre das organizações da sociedade civil já existentes. |
7.3. |
Saber em que medida a sociedade civil é afetada pelo populismo nas zonas rurais e suburbanas é uma questão complexa. Os ativistas rurais carecem frequentemente dos recursos vitais para estabelecer tipos de alianças que são mais comuns nas áreas metropolitanas. Isto aplica-se, por exemplo, a alianças entre movimentos de consumidores e ativistas do setor alimentar radicados em zonas urbanas, que estão muitas vezes mais avançados no domínio da política alimentar sustentável. A ausência de movimentos sociais e de partidos políticos poderosos que possam representar os interesses dos habitantes das zonas rurais explica, em parte, as vitórias eleitorais dos partidos populistas de direita na Europa rural. |
8. Oportunidades para combater o populismo
8.1. |
Há dois conjuntos de políticas que são recomendados enquanto instrumentos de combate ao populismo. O primeiro prende-se com a ameaça populista em geral e os instrumentos que a União Europeia pode e deve utilizar. O segundo conjunto de recomendações refere-se mais diretamente a regiões específicas e zonas rurais e suburbanas. |
8.2. |
Há várias estratégias que podem ser adequadas para combater as causas do populismo. A primeira diz respeito à forma como os responsáveis políticos e as instituições abordam e dialogam com as pessoas que estão efetivamente a sofrer dificuldades socioeconómicas. A complexidade social, económica e política é tal que nenhuma instituição, incluindo a UE, pode encontrar sozinha respostas fáceis e inequívocas que reduzam essa complexidade, revertendo para um statu quo ante socioeconómico idealizado. Os responsáveis políticos e as instituições devem desconstruir a retórica que reivindica propor tais respostas imediatas e infalíveis para problemas complexos, ao mesmo tempo que se centram no combate às causas profundas do populismo. |
8.3. |
A segunda destas estratégias diz diretamente respeito à imagem e ao destino da União Europeia. Entre as muitas frustrações sentidas por aqueles que estão mais recetivos à propaganda populista está a ausência de projetos políticos verdadeiramente desejáveis, que proponham uma esperança credível num futuro melhor e medidas destinadas a melhorar as condições de vida quotidianas. Os populistas usaram esta frustração para propor uma visão retrógrada localizada num passado aparentemente glorioso. Para sobreviver, a União Europeia não tem outra alternativa senão reavivar o desejo popular pelo projeto europeu. |
8.4. |
O mito fundador da UE já não é suficiente, por si só, para atrair os cidadãos da Europa. A UE deve propor narrativas sobre um futuro desejável e relançar os princípios fundamentais que desempenharam um papel importante no projeto europeu, como a parceria e a subsidiariedade. |
8.5. |
O CESE exorta a UE, os Estados-Membros e todas as partes interessadas a reanimarem os princípios da subsidiariedade e da parceria. Como referido na recomendação do Grupo Diversidade Europa sobre a recuperação da confiança dos cidadãos na UE (16), o CESE considera que cabe envidar esforços para esclarecer junto dos cidadãos o princípio da subsidiariedade e explicar que a UE respeita quer a diversidade cultural, quer as tradições locais. A subsidiariedade funcional consiste numa maior participação das organizações da sociedade civil tanto no planeamento regional como nas políticas regionais da UE, assim como na defesa da democracia, da justiça e da igualdade de tratamento de todos os habitantes das zonas rurais e periféricas. A subsidiariedade territorial confere mais poderes aos órgãos de poder local e regional para assumirem a responsabilidade conjunta na conceção, execução e avaliação das políticas estruturais. |
8.6. |
O CESE recomenda que se reforce um instrumento aplicado no contexto da política de coesão europeia, nomeadamente o desenvolvimento local de base comunitária. Os intervenientes e os cidadãos ao nível local teriam assim a oportunidade de tomar decisões relativas a problemas que lhes dizem diretamente respeito e, consequentemente, contribuir de forma substancial para melhorar a sua qualidade de vida. |
8.7. |
A parceria é essencial, tanto no que diz respeito à comunicação como à solidariedade e à ajuda mútua entre as organizações da sociedade civil de diferentes países. A parceria é igualmente importante para a criação de alianças entre os poderes públicos e grupos da sociedade civil a nível local. |
8.8. |
A UE e os Estados-Membros devem melhorar as suas respostas às violações dos direitos fundamentais e do Estado de direito resultantes da ação de movimentos populistas, incluindo os que estão no poder. O CESE remete para a sua recomendação formulada no Parecer — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (17), com vista à «criação de um Painel de Avaliação da Democracia que […] analise o enquadramento jurídico da atividade da sociedade civil e formule recomendações específicas para a revisão do mesmo», bem como para as recomendações formuladas no Parecer — Prosseguir o reforço do Estado de direito (18). |
8.9. |
O CESE recomenda a integração das considerações do presente parecer no referido Painel de Avaliação da Democracia e num futuro mecanismo de controlo do Estado de direito. Importa deixar claro, através de uma comunicação cuidadosa, que a resposta da UE e dos Estados-Membros visa combater violações dos direitos fundamentais e do Estado de direito cometidas por certas políticas populistas, mas não tem por alvo as pessoas que votaram nos partidos populistas e cujas preocupações legítimas devem encontrar resposta através de políticas justas, não discriminatórias e eficazes. |
9. Apoio a uma resposta no terreno ao populismo
9.1. |
O problema que a sociedade civil enfrenta nas zonas rurais não se prende necessariamente com a «redução dos espaços». O problema é que os espaços ainda não foram criados. A resposta à ascensão do populismo passa por abordar as causas profundas do descontentamento e deve vir do terreno, tanto quanto possível. O CESE encoraja a adoção de medidas que criem um sentimento de interesses e objetivos partilhados entre vários grupos de produtores de géneros alimentícios e consumidores, que supere as divisões de classe, género e geração e ultrapasse a dicotomia urbano-rural. A soberania alimentar e as múltiplas questões em torno do direito à alimentação e a um ambiente saudável são exemplos de desafios específicos que seriam mais bem resolvidos reforçando a solidariedade, a identidade coletiva e a participação política na Europa rural. |
9.2. |
No que diz respeito ao aumento da participação dos cidadãos, os Estados-Membros que ponderam reforçar a democracia direta através de referendos locais devem ter consciência de que é precisamente esse o instrumento atualmente promovido pelos partidos populistas em toda a Europa. A democracia direta pode ser uma espada de dois gumes. Os órgãos de poder local e os intervenientes da sociedade civil devem tomar medidas adequadas para que a sua utilização seja limitada a situações em que possa proporcionar benefícios reais. |
9.3. |
O CESE considera que a criação de alianças entre órgãos de poder local, organizações da sociedade civil, os parceiros sociais e outros intervenientes, por exemplo, líderes locais e movimentos sociais, é fundamental para combater as causas profundas do populismo. Esta medida enquadrar-se-á nos esforços para dar resposta ao sentimento dos habitantes das zonas rurais e suburbanas de que estão a ser deixados para trás. Reforçará também o papel dos parceiros sociais que podem ajudar a reduzir as disparidades e atrair investimento e desenvolvimento económico através do seu diálogo e ação. |
9.4. |
Os interesses e as preocupações das associações de pequenas empresas, dos artesãos e dos agricultores são igualmente importantes. Os intervenientes económicos podem hesitar em investir nas zonas em que grupos autoritários chegaram ao poder no governo (local). Ademais, os migrantes que procuram emprego podem evitar essas localidades, embora existam oportunidades de emprego. Por conseguinte, é importante quebrar este círculo vicioso nas regiões suburbanas e rurais. |
9.5. |
A promoção do investimento público e privado no potencial inexplorado das regiões que se considera terem ficado para trás é uma abordagem que merece ser aprofundada. A tónica colocada nas transferências ou nos pagamentos das prestações sociais deve ser completada pelo reforço das oportunidades das regiões (atento o contexto local), através de medidas destinadas, por um lado, a combater as ineficiências e os estrangulamentos institucionais e, por outro, a impulsionar a formação, a promoção do empreendedorismo e a assimilação do conhecimento e da inovação (19). |
9.6. |
Para combater as causas profundas do populismo, há que ter mais em conta, juntamente com os fatores socioeconómicos, fatores como a religião, a dinâmica de género, o local de residência, a identidade cultural e a educação. Não é fácil encontrar alternativas às respostas fáceis dadas pelas forças políticas retrógradas. As respostas devem ser ajustadas ao conjunto específico de circunstâncias em que as dificuldades surgem em certos contextos locais. |
9.7. |
As novas narrativas podem também ajudar a combater o tipo de desinformação ampliada por campanhas nas redes sociais que visam pôr em causa os valores europeus e, dessa forma, apoiar o surgimento de reivindicações e atitudes separatistas e nacionalistas. É importante reforçar o papel dos meios de comunicação social tradicionais (televisão pública e jornais independentes), para que possam cumprir a sua função de prestar informação imparcial. Embora a Comissão já tenha atuado a este respeito (ver COM(2018) 236), recomenda-se um maior sentido de urgência. |
9.8. |
O CESE apela para que se coloque mais ênfase nas novas atividades económicas que estão a surgir nas zonas rurais, muitas das quais assentes nos princípios do mutualismo e da assistência. Incentiva medidas destinadas a melhorar o apoio e a interligação entre essas iniciativas, afastando-se das fases experimentais e isoladas rumo a alianças políticas e sociais de emancipação. |
9.9. |
O CESE exorta a UE e os Estados-Membros a reforçarem as infraestruturas a nível infranacional. A suspensão das ligações de transporte público, juntamente com o encerramento de escolas e serviços de saúde foram claramente algumas das razões do protesto populista na Europa. É necessária assistência financeira para melhorar as infraestruturas locais, tanto materiais (transportes e serviços públicos) como imateriais (redes transversais a vários tipos de localidades, instituições e organizações). |
9.10. |
O CESE, as organizações de que fazem parte os seus membros e outras instituições da UE devem promover o reforço das capacidades das organizações da sociedade civil locais e dotá-las de recursos para melhorar o âmbito e a qualidade das suas ações. Deve ser prestado mais apoio às organizações da sociedade civil e às suas redes europeias para formar os membros das organizações da sociedade civil locais. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) Andrés Rodríguez-Pose, 2018, «The revenge of places that don't matter» [A «vingança» das localidades sem importância (e o que fazer a seu respeito)], p. 32 (LSE Research online [Investigação em linha da London School of Economics]): http://eprints.lse.ac.uk/85888/1/Rodriguez-Pose_Revenge%20of%20Places.pdf.
(2) Parecer do CESE — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União — Ponto da situação e eventuais medidas futuras (JO C 282 de 20.8.2019, p. 39).
(3) Resolução do Parlamento Europeu, de 3 de outubro de 2018, sobre dar resposta às necessidades específicas das zonas rurais, montanhosas e remotas (JO C 11 de 13.1.2020, p. 15).
(4) Parecer do CESE — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (JO C 228 de 5.7.2019, p. 24).
(5) Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, «Principles and Guidelines for a Human Rights Approach to Poverty Reduction Strategies» [Princípios e orientações para uma abordagem das estratégias de redução da pobreza assente nos direitos humanos], https://www.ohchr.org/Documents/Publications/PovertyStrategiesen.pdf.
(6) Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, «Guiding Principles on human rights impact assessments of economic reforms [Princípios orientadores para avaliações de impacto nos direitos humanos das políticas de reforma económica], 19 de dezembro de 2018, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/443/52/PDF/G1844352.pdf.
(7) Parecer do CESE — Mecanismo europeu de controlo do Estado de direito e dos direitos fundamentais (JO C 34 de 2.2.2017, p. 8).
(8) Parecer do CESE — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (JO C 228 de 5.7.2019, p. 24).
(9) Sociedades fora das metrópoles: o papel das organizações da sociedade civil no combate ao populismo, CESE, Bruxelas, 2019: https://www.eesc.europa.eu/sites/default/files/files/qe-04-19-236-en-n.pdf.
(10) Sociedades fora das metrópoles: o papel das organizações da sociedade civil no combate ao populismo, CESE, Bruxelas, 2019: https://www.eesc.europa.eu/sites/default/files/files/qe-04-19-236-en-n.pdf [em inglês].
(11) Andrés Rodriguez-Pose, «The revenge of places that don't matter (and what to do about it)» [A «vingança» das localidades sem importância (e o que fazer a seu respeito)], p. 32 (LSE Research online [Investigação em linha da London School of Economics]): http://eprints.lse.ac.uk/85888/1/Rodriguez-Pose_Revenge%20of%20Places.pdf.
(12) Caroline de Gruyter, artigo de opinião: «The revenge of the countryside» [A «vingança» das zonas rurais], 21 de outubro de 2016.
(13) Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, «Principles and Guidelines for a Human Rights Approach to Poverty Reduction Strategies» [Princípios e orientações para uma abordagem das estratégias de redução da pobreza assente nos direitos humanos], https://www.ohchr.org/Documents/Publications/PovertyStrategiesen.pdf.
(14) Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, «Guiding Principles on human rights impact assessments of economic reforms [Princípios orientadores para avaliações de impacto nos direitos humanos das políticas de reforma económica], 19 de dezembro de 2018, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/443/52/PDF/G1844352.pdf.
(15) Parecer do CESE — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União — Ponto da situação e eventuais medidas futuras (JO C 282 de 20.8.2019, p. 39).
(16) «Regaining Citizens' Trust and Confidence in the EU: 7 priorities of the Diversity Europe Group» [Recuperar a confiança dos cidadãos na UE: 7 prioridades do Grupo Diversidade Europa], Grupo Diversidade Europa.
(17) Parecer do CESE — Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada (JO C 228 de 5.7.2019, p. 24).
(18) Parecer do CESE — Prosseguir o reforço do Estado de direito na União — Ponto da situação e eventuais medidas futuras (JO C 282 de 20.8.2019, p. 39).
(19) Andrés Rodriguez-Pose, «The revenge of places that don't matter (and what to do about it)» [A «vingança» das localidades sem importância (e o que fazer a seu respeito)], p. 32 (LSE Research online [Investigação em linha da London School of Economics]): http://eprints.lse.ac.uk/85888/1/Rodriguez-Pose_Revenge%20of%20Places.pdf.
III Atos preparatórios
Comité Económico e Social Europeu
548.a reunião plenária do CESE, 11.12.2019-12.12.2019
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/62 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — Relatório sobre a Política de Concorrência 2018
[COM(2019) 339 final]
(2020/C 97/08)
Relator:
Gerardo LARGHI
Consulta |
Comissão Europeia, 15.10.2019 |
Base jurídica |
Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia |
Competência |
Secção do Mercado Único, Produção e Consumo |
Adoção em secção |
19.11.2019 |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
197/0/1 |
1. Conclusões e recomendações
1.1. |
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) acolhe favoravelmente o relatório sobre a Política de Concorrência 2018, no qual a Comissão Europeia apresenta uma abordagem que visa o reforço do mercado único, do desenvolvimento económico e dos objetivos de política social. |
1.2. |
O CESE considera, como destacado noutros documentos, que uma política de concorrência eficaz e respeitadora de princípios é um dos pilares da União Europeia e um instrumento indispensável à realização de um mercado interno conforme previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que tenha em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a construção de uma economia social de mercado e o disposto no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (1). |
1.3. |
O CESE e a União Europeia devem manter um diálogo contínuo sobre esta questão com as outras instituições, a sociedade civil e, em especial, as associações de consumidores. |
1.4. |
Por essa razão, o CESE solicita que a concessão de auxílios seja sempre acompanhada da máxima transparência em matéria de repercussões dos custos nos consumidores e que estes sejam informados claramente desses custos nas faturas (2). O CESE acolhe favoravelmente a intenção da Comissão de intervir na luta contra as restrições verticais e horizontais da concorrência, em particular no âmbito do comércio eletrónico, em que os efeitos das práticas anticoncorrenciais se fazem sentir. |
1.5. |
No que diz respeito às práticas de discriminação, deve prestar-se especial atenção à inteligência artificial (IA). A legislação da UE deve ser adaptada a fim de proibir a discriminação resultante da definição de perfis de consumidores com a ajuda da IA. |
1.6. |
Os megadados podem ser utilizados contra os consumidores, em particular em detrimento do seu bem-estar, uma vez que a definição de perfis de consumidores reduz a sua liberdade de escolha. |
1.7. |
O CESE apela para que as autoridades da concorrência disponham dos conhecimentos especializados, das competências e dos recursos necessários para poderem aplicar legislação específica e resolver os graves problemas de concorrência que prejudicam os consumidores. |
1.8. |
No que diz respeito aos auxílios estatais, o CESE acolhe favoravelmente o facto de o processo de modernização dos controlos ter permitido às autoridades focar a atenção nos dossiês mais importantes e pertinentes, nomeadamente graças ao apoio da plataforma informática «Transparency Award Module». |
1.9. |
O CESE insiste na necessidade de assegurar a coerência entre as políticas ambientais e as de combate aos auxílios estatais, tomando nota da revisão em curso das orientações relativas aos auxílios estatais à proteção ambiental e à energia. |
1.10. |
O CESE saúda o facto de estas orientações da Comissão visarem garantir a liberdade de concorrência no mercado europeu da energia através de concursos tecnologicamente neutros, essenciais para o surgimento de diferentes tecnologias de energias renováveis e para um mercado europeu da energia resiliente e competitivo que garanta a segurança do aprovisionamento. O CESE insta a Comissão e os Estados-Membros a adotarem uma estratégia global de longo prazo por oposição a uma abordagem assente em medidas corretivas a curto prazo, as quais não permitem promover o crescimento e a criação de emprego de modo mais concreto e sustentável. Neste contexto, seria útil que a Comissão elaborasse um estudo comparativo sobre os diferentes planos de apoio à indústria transformadora recentemente adotados nos Estados Unidos, na China e na Coreia (3). |
1.11. |
No que se refere à concorrência com empresas de países terceiros, o CESE solicita que sejam garantidas as mesmas normas sociais e ambientais, a fim de assegurar condições de concorrência equitativas. |
1.12. |
O CESE salienta a importância, tendo em vista a realização de um mercado social livre, de uma política de concorrência que adeque o desenvolvimento dos objetivos sociais e económicos dos trabalhadores e consumidores à manutenção de uma estrutura de produção competitiva e eficaz. |
1.13. |
O CESE entende que as disposições do mercado interno relativas aos direitos à liberdade de circulação (em especial de pessoas, mas também de serviços, bens e capitais) são as bases fundamentais do direito da UE, e que o destacamento de trabalhadores e a livre circulação de serviços deveriam ser garantidos, de modo a evitar todas as formas de dumping social. |
1.14. |
Por fim, o CESE não pode deixar de estranhar a omissão, no relatório em apreço, de uma referência ao aparente impasse nas negociações entre o Conselho e o PE relativo às ações coletivas, no seguimento da proposta sobre o Novo Acordo para os Consumidores, atenta a sua essencialidade para completar o sistema de efetivo ressarcimento dos danos causados aos consumidores em caso de violação das medidas antitrust. |
2. Síntese do Relatório sobre a Política de Concorrência 2018
2.1. |
O relatório de 2018 aborda temas como a economia digital, os serviços financeiros, a energia e o ambiente, a agricultura e a alimentação, os transportes e a indústria transformadora, além de questões como a aplicação descentralizada das competências em matéria de antitrust nos Estados-Membros e uma ampla cooperação internacional. |
2.2. |
As práticas de execução quotidianas da Comissão assentam nos princípios seguintes: não discriminação, equidade, transparência, previsibilidade, direito a ser ouvido e proteção da confidencialidade. A «proteção do bem-estar dos consumidores» é um objetivo explícito das intervenções da Comissão no domínio do direito da concorrência. |
2.3. |
A era digital apresenta novos desafios neste domínio, como a utilização dos megadados, dos algoritmos e da inteligência artificial (IA). |
2.4. |
A Comissão, com o objetivo de «racionalizar os procedimentos nos processos de concorrência», publicou orientações atualizadas para as empresas sobre segredos comerciais e outras informações confidenciais durante os processos antitrust, bem como orientações sobre a utilização de anéis de confidencialidade. |
2.5. |
Premiar a cooperação das sociedades no âmbito dos processos antitrust relevou-se eficaz para ajudar a Comissão a aumentar a pertinência e o impacto das suas decisões, acelerando as investigações. |
2.6. |
A denominada Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho («Diretiva REC+» (4) habilita as autoridades da concorrência dos Estados-Membros a aplicarem as regras de concorrência da UE de forma mais eficaz. |
2.7. |
A modernização das regras em matéria de auxílios estatais veio simplificar a aplicação, pelos Estados-Membros, de medidas que promovam o investimento, o crescimento económico e a criação de emprego. Foi acompanhada de uma aplicação mais célere das medidas em matéria de auxílios estatais e resultou numa redução considerável dos custos para os auxílios estatais com menos efeitos de distorção da concorrência. |
2.8. |
O procedimento de resolução de conflitos da Comissão permitiu identificar mais rapidamente os cartéis, libertando recursos para outras investigações e reduzindo os custos das mesmas. Além disso, as empresas beneficiaram de decisões mais rápidas. |
2.9. |
O relatório de 2018 salienta as decisões adotadas nesse ano (e em anos anteriores) em relação aos cartéis no setor automóvel e o início de uma investigação aprofundada sobre a possível colusão de fabricantes de automóveis no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico de sistemas de limpeza de emissões para automóveis de passageiros. |
2.10. Economia digital
2.10.1. |
A política de concorrência é um dos elementos para a criação de um mercado único digital funcional. Neste contexto, há que impedir que os «gigantes da rede» utilizem o seu poder de mercado para enfraquecer a concorrência, comprometendo a inovação nos mercados digitais. |
2.10.2. |
A manutenção dos preços de revenda nas plataformas de comércio eletrónico é uma das restrições da concorrência mais generalizadas na economia digital. Para alcançar este fim, observa-se uma maior utilização de algoritmos de determinação do preço. |
2.11. |
Os auxílios estatais na economia verde apoiam os investimentos necessários para garantir a segurança do aprovisionamento e descarbonizar o sistema energético europeu. |
2.12. Setor da energia
2.12.1. |
As autorizações de auxílios estatais concedidas em 2018 no setor das energias renováveis permitiram aos Estados-Membros promover a energia sustentável e reduzir os custos da eletricidade para os consumidores no seu conjunto. |
2.12.2. |
A Comissão considerou que as medidas de auxílios estatais contribuíram para garantir a segurança do aprovisionamento sem provocar a subida dos preços para os consumidores ou impedir os fluxos de eletricidade para além das fronteiras da UE. |
2.12.3. |
A UE tem de aumentar a quota de energias renováveis no seu cabaz energético no que diz respeito à diversificação do abastecimento de gás, dotando-se de legislação, a nível nacional e da UE, bem direcionada em matéria de energia. |
2.13. Concorrência no mercado único
2.13.1. |
A Comissão proibiu a aquisição da Alstom proposta pela Siemens. Autorizou a fusão entre a Bayer e a Monsanto, no setor agroalimentar, mas subordinada à alienação de determinados ativos. No mercado siderúrgico, foi aprovada a aquisição da Ilva pela ArcelorMittal, subordinada à alienação de determinados ativos. A aquisição prevista da Alstom pela Siemens foi bloqueada por prejudicar a concorrência. |
2.14. Setor financeiro
2.14.1. |
A estabilização geral do setor reduziu as intervenções do orçamento público em matéria de auxílios estatais no setor. Contudo, em alguns Estados-Membros, os créditos não produtivos ainda não foram abatidos. |
2.15. Garantir condições de concorrência equitativas no domínio fiscal
2.15.1. |
É necessário criar condições de concorrência equitativas para as empresas com base no mérito. Os Estados-Membros não podem dar benefícios fiscais a grupos multinacionais em detrimento das pequenas e médias empresas (PME). |
3. Observações na generalidade
3.1. |
O relatório de 2018 apresenta uma abordagem que visa o reforço do mercado único, do desenvolvimento económico e dos objetivos de política social. |
3.2. |
A economia digital exigirá um investimento significativo — cerca de 500 mil milhões de euros — nos próximos dez anos para atingir os objetivos de conectividade. É essencial estabelecer uma política de concorrência séria, em especial nas zonas rurais e menos urbanizadas. |
3.3. |
A era digital apresenta novos desafios no domínio do direito da concorrência, como a utilização dos megadados, dos algoritmos e da inteligência artificial (IA). Importa, pois, zelar por que os gigantes tecnológicos não utilizem o seu poder de mercado para enfraquecer a concorrência. As autoridades da concorrência devem dispor dos conhecimentos especializados, das competências e dos recursos necessários para poderem aplicar legislação específica e resolver, antes que seja demasiado tarde, os graves problemas de concorrência que prejudicam os consumidores. |
3.4. |
A execução deve também basear-se numa utilização proativa dos instrumentos de recolha de informação e dos inquéritos setoriais. |
3.5. |
Importa evitar qualquer atraso na aplicação das regras, através de uma utilização proativa do conjunto de ferramentas em matéria de concorrência (por exemplo, medidas provisórias) nos casos em que exista um prejuízo evidente para a concorrência e os consumidores. |
3.6. |
É fundamental transferir o ónus da prova para as empresas que participam numa fusão nos mercados digitais, para que estas possam provar que os acordos não resultarão numa distorção da concorrência. |
3.7. |
Há que avaliar com maior rigor se os operadores podem bloquear a entrada no mercado e, deste modo, limitar as possibilidades de escolha dos consumidores e os fluxos de informação e manipular o comportamento dos utilizadores. |
3.8. |
A fim de chamar a atenção para os problemas de concorrência suscitados por determinadas práticas, seria importante fornecer orientações às empresas e ajudá-las a operar dentro dos limites da legislação. |
3.9. |
A IA afeta atualmente as políticas de fixação de preços ou a sua monitorização, com repercussões não isentas de perigos. Os algoritmos permitem às plataformas de comércio eletrónico controlar e limitar a liberdade dos retalhistas nas suas políticas de fixação de preços e a concorrência na grande distribuição (com práticas desleais que não poderão continuar no futuro). |
3.10. |
O mesmo fenómeno ocorre no setor do turismo, em que as plataformas de venda de produtos turísticos se caracterizam pelo abuso de posições dominantes. Existem quatro redes de vendas principais, que exercem um poder enorme sobre os hotéis, os pequenos operadores e as PME. |
3.11. |
No que diz respeito às práticas de discriminação, deve prestar-se especial atenção à IA. A legislação da UE deve ser adaptada a fim de proibir a discriminação resultante da definição de perfis com a ajuda da IA. |
3.12. |
O CESE aprova a opção da Comissão de considerar as empresas que utilizam algoritmos as únicas responsáveis pelas ações que deles dependem. Os megadados podem ser utilizados contra os consumidores, em particular em detrimento do seu bem-estar, uma vez que através de uma excessiva definição de perfis de consumidores as suas possibilidades de escolha são reduzidas. |
3.13. |
No entender do CESE, o impacto dos megadados na concorrência não deve ser ignorado e será cada vez mais importante. Uma política excessivamente intervencionista poderia, contudo, reduzir os incentivos à inovação (ou seja, melhores serviços e preços mais baixos, que poderiam depender da inovação em matéria de distribuição de produtos e de plataformas de compra). |
3.14. |
Uma vantagem sobre os concorrentes em termos de megadados pode permitir aos principais operadores deter uma posição dominante no mercado. As técnicas de análise massiva (comércio de dados, comercialização em linha, reconhecimento de padrões, estimativa da procura, otimização dos preços) podem dar lugar a práticas abusivas. |
3.15. |
No âmbito da estratégia para o mercado único digital, a investigação levada a cabo pela Comissão demonstrou que as restrições relacionadas com os preços de revenda são, de longe, as restrições de concorrência mais generalizadas nos mercados do comércio eletrónico. Em 2018, a Comissão emitiu uma série de decisões que preveem coimas para as empresas que imponham restrições aos preços de revenda em linha, em violação das normas da UE em matéria de concorrência. |
3.16. |
Dentro do tema da fiscalidade, o CESE congratula-se com as intervenções realizadas pela Comissão em 2018. Ao mesmo tempo, é importante, também neste domínio, assegurar uma concorrência leal entre os diferentes países. Importa, concretamente, reforçar a vigilância no domínio das decisões fiscais antecipadas (tax ruling) e das vantagens concorrenciais ilícitas obtidas através de acordos entre alguns países e os grandes operadores (big players), uma vez que são práticas que distorcem o mercado livre e prejudicam as PME, para além de gerarem concorrência desleal entre países. |
3.17. |
Em matéria de energia, o CESE constata que, em alguns países, ainda não é garantida a transparência total e geral das faturas domésticas. Sem transparência, reduz-se a possibilidade de os consumidores efetuarem uma escolha informada e fomenta-se o statu quo a favor dos grandes operadores. |
3.18. |
Agricultura e alimentação. Neste setor, afigura-se importante proteger a produção das denominações de origem europeia no domínio agroalimentar. O setor das sementes e dos pesticidas é essencial para os agricultores e para os consumidores, mas gera também preocupações que transcendem a defesa do consumidor, a segurança alimentar e a garantia do respeito pelas normas em matéria de ambiente e de clima. |
3.19. |
No que diz respeito aos transportes, propõe-se que a Comissão verifique se e em que medida a isenção do imposto sobre o querosene poderá constituir um auxílio indevido às companhias aéreas em relação ao transporte ferroviário. |
3.20. |
Para garantir o equilíbrio entre a liberdade do mercado e as concentrações, não parece suficiente evocar a concorrência de outros grandes operadores mundiais, sobretudo se provenientes de países fechados à concorrência de empresas estrangeiras. Neste contexto, propõe-se que, em alternativa a concentrações entre sociedades suscetíveis de enfraquecer a concorrência, se implementem ações destinadas a superar os obstáculos à entrada em mercados terceiros, incentivos fiscais mais robustos à investigação e ao desenvolvimento, e acordos entre produtores europeus para coordenar as estratégias de exportação e de investimento no estrangeiro. |
3.21. |
Em todo o caso, deve estabelecer-se um equilíbrio entre a defesa do consumidor e as medidas de apoio e promoção das empresas inovadoras e das PME (através de instrumentos que não prejudiquem a concorrência dinâmica no mercado), o que constitui a melhor via a seguir para criar emprego de qualidade e assegurar a sustentabilidade dinâmica do sistema de produção. |
3.22. |
No que toca ao mercado do trabalho e à proteção da concorrência, o CESE entende que, entre os aspetos em que é necessário intervir para assegurar uma verdadeira concorrência livre entre as empresas no mercado atual, deve constar também o aspeto relativo ao quadro jurídico em que se inscrevem o respeito pelos direitos sociais fundamentais e pela liberdade de circulação dos trabalhadores e serviços. |
3.23. |
Trata-se de prevenir todas as formas de «dumping social» (concorrência desleal em matéria de remuneração e condições de trabalho que provocam uma espiral descendente), para garantir a igualdade de tratamento dos trabalhadores, independentemente do local onde se encontrem e da sua origem, bem como a não discriminação dos trabalhadores e das empresas no local de execução do trabalho. |
3.24. |
Por fim o CESE não pode deixar de estranhar que a Comissão, ao contrário de todos os seus relatórios dos últimos anos, pela primeira vez, quer no relatório em apreço quer no documento de trabalho SWD(2019)297 final que o acompanha, tenha por completo omitido qualquer referência à ausência de progressos no que se refere às ações coletivas como forma de promover um efetivo ressarcimento de danos provocados aos consumidores pela violação das medidas antitrust, não contempladas na Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (5) sobre ações de indemnização por violação das normas antitrust, tendo especialmente em conta o Parecer do CESE (6) sobre a proposta da Comissão sobre o Novo Acordo para os Consumidores (7) e a decisão do Conselho de ter excluído da recente diretiva adotada toda a parte relativa às ações coletivas (8), a qual o CESE considera, contudo, manifestamente deficiente. |
4. Observações na especialidade
4.1. |
No que diz respeito à digitalização, o CESE concorda com a escolha da Comissão de conferir prioridade a este domínio e de centrar o programa relativo à concorrência para 2021-2027 nos desafios ligados aos megadados, aos algoritmos e à IA. O CESE insta a Comissão a dar seguimento ao conteúdo do relatório sobre a política de concorrência na era digital, de abril de 2019, nomeadamente no que diz respeito: |
4.1.1. |
à estratégia a aplicar para combater as restrições à concorrência e ao mercado livre impostas pelas plataformas digitais, incluindo nos setores do comércio e do turismo; |
4.1.2. |
ao conhecimento e à portabilidade, real e completa, dos dados pessoais em todas as plataformas por parte do utilizador-consumidor; |
4.1.3. |
ao combate a todas as formas de exclusão de empresas que algumas plataformas digitais consideram potencialmente perigosas para a sua posição dominante; |
4.1.4. |
à salvaguarda do mercado livre mediante a proteção das pequenas empresas em fase de arranque com potencial de mercado, frequentemente absorvidas pelos grandes operadores do setor digital, que as veem como futuros concorrentes perigosos. |
4.2. |
O CESE entende que as entidades que, a qualquer nível, tenham confiado às plataformas digitais funções de interesse público devem também dispor dos instrumentos legislativos necessários para aceder e controlar os algoritmos utilizados nessas plataformas. |
4.3. |
O CESE propõe que a Comissão reforce as medidas de controlo da aplicação dos acordos de comércio livre e proteja a liberdade de acesso das empresas europeias aos mercados mundiais. |
4.4. |
A este respeito, importa assegurar uma verdadeira reciprocidade nos mercados de contratos públicos mundiais. |
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER
(1) Artigos 7.o, 9.o, 11.o e 12.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
(2) Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de jnho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (JO L 158 de 14.6.2019, p. 125).
(3) JO C 197 de 8.6.2018, p. 10.
(4) Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno (JO L 11 de 14.1.2019, p. 3).
(5) Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014 , relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (JO L 349 de 5.12.2014, p. 1).
(6) JO C 440 de 6.12.2018, p. 66.
(7) Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a ações coletivas para proteger os interesses coletivos dos consumidores e que revoga a Diretiva 2009/22/CE, COM(2018) 184 final — 2018/0089 (COD).
(8) Ver documento PE-CONS 83/19 de 18 de outubro de 2019.
24.3.2020 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 97/69 |
Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 no que diz respeito à disciplina financeira a partir do exercício financeiro de 2021 e o Regulamento (UE) n.o 1307/2013 no que respeita à flexibilidade entre pilares em relação a 2020
[COM(2019) 580 — 2019/0253(COD)]
(2020/C 97/09)
Consulta |
Parlamento Europeu, 13.11.2019 Conselho da União Europeia, 15.11.2019 |
Base jurídica |
Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia |
Competência |
Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente |
Adoção em plenária |
11.12.2019 |
Reunião plenária n.o |
548 |
Resultado da votação (votos a favor/votos contra/abstenções) |
191/1/1 |
Considerando que o conteúdo da proposta é inteiramente satisfatório e não suscita quaisquer observações, o Comité, na 548.a reunião plenária de 11 e 12 de dezembro de 2019 (sessão de 11 de dezembro), decidiu, por 191 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, emitir parecer favorável ao texto proposto.
Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Luca JAHIER