Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

O primeiro assassinato de um homem branco em São Paulo

Crime ocorreu em 1583 na beira de um riacho perto do que hoje é a estação da Luz

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São Paulo

Em 1583, São Paulo tinha cerca de 1,5 mil habitantes de origem europeia, principalmente portuguesa, mas também espanhóis e holandeses, e outros milhares de índios escravizados. Era uma vila ainda em construção onde aconteciam poucos crimes contra os conquistadores. Em compensação, indígenas eram mortos em abundância.

No começo de novembro daquele ano, porém, ocorreu o primeiro assassinato de um homem branco do qual se tem notícia na cidade. Está documentado. Foi um crime cometido com arma branca e o nome do autor era Pero Dias. A vítima se chamava frei Diogo, um franciscano. O que atesta a documentação é que ambos eram súditos de Espanha. O assassino era um militar coxo e o morto um frade que pedia esmola pelas ruas de São Paulo.

O evento está registrado no livro "Novo Orbe Serafico Brazilico", do frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, lançado em 1761, em Lisboa, e também consta em uma ata da Câmara Municipal de São Paulo de 9 de novembro de 1583. O caso foi levantado pelo PET (Programa de Educação Tutorial) da faculdade de História da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A vítima havia chegado na vila de Piratininga naquele ano num barco comandado pelo general Diogo de Flores Valdés que havia chegado da Espanha e iria em direção ao estreito de Magalhães. Vinha junto com outros três frades castelhanos, que decidiram saltar em São Vicente, subir a serra do Mar e se dirigir para São Paulo a fim de se dedicar ao trabalho de conversão dos indígenas.

Quadro Fundação de São Paulo produzido em 1909 por Oscar Pereira da Silva.
Quadro "Fundação de São Paulo" produzido em 1909 por Oscar Pereira da Silva.

Ao final de sua jornada pela serra, os cristãos fizeram pouso na pequena ermida da Senhora da Luz, nas imediações do que é hoje a estação da Luz, próxima a um riacho chamado Guaré, onde se instalaram.

Frei Diogo, classificado por Jaboatão como um homem de vida exemplar e de "santa simplicidade" no cumprimento de sua missão, passou a pregar a palavra de Deus e a pedir esmolas para sustentar a si e aos seus companheiros.

Neste trabalho lhe veio de encontro um homem chamado Pero Dias, um soldado raso, tido por blasfemo e difamador do estado eclesiástico. Era um sujeito que escandalizava o povo com suas ofensas a Deus e era temido por todos devido à sua agressividade.

No começo daquele mês de novembro, o frei se encontrou com o soldado e com palavras humildes, mas profundas, advertiu o blasfemo sobre o mal que fazia e pediu que não ofendesse a Deus tão gravemente e que se livrasse do seu enorme defeito.

O Mosteiro da Luz, em fotografia de 1867.
Foto do Mosteiro da Luz do século 19: local próximo ao do primeiro homicídio na cidade

Mas Pero Dias, tomado de um furor infernal e cheio de ira de vingança, segundo Jaboatão, não só persistiu em seu erro como também ameaçou frei Diogo, que em seguida se recolheu em sua igreja levando a esmola que havia coletado.

No dia seguinte, os dois se encontraram novamente e o militar voltou a afrontar o religioso. Diogo ouvia as injúrias "com os joelhos em terra e as mãos levantadas para o céu". Pero Dias, porém, tomado de raiva e se sentindo ofendido pelas admoestações deu várias punhaladas no frei e lhe tirou a vida.

O crime causou comoção pública e corpo de frei Diogo, acompanhado pelos habitantes da vila, foi conduzido para o Pátio do Colégio, onde foi sepultado. Ele acabou virando milagreiro.

Não se sabe o destino do homicida, mas possivelmente ficou solto porque não havia cadeia em São Paulo. A ata da Câmara Municipal confirma a ocorrência e o escrivão requereu à sua majestade que instalasse prisões com carcereiros na cidade para castigar devidamente os malfeitores.

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