João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Palavras lunáticas de Trump sobre a Groenlândia lembram Putin sobre a Ucrânia

A defesa de um mundo livre se faz com amigos e aliados, não com inimigos e escravos

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Nosso tempo é marxista. Falo de Groucho Marx, não do tio Karl. "Esses são meus princípios, mas se você não gosta deles eu tenho outros"? Precisamente.

Donald Trump é o grande inspirador dessa moda. Ainda não está na Casa Branca, mas o mundo ao redor já marcha ao som da música.

Avião azul e vermelho com a inscrição TRUMP e uma bandeira americana na cauda em pista cheia de gelo de aeroporto
O Boeing-757 particular de Trump pousa com seu filho, Donald Jr., na capital da Groenlândia, Nuuk - Emil Stach - 7.jan.2025/Ritzau Scanpix/Reuters

Mark Zuckerberg é um caso: antes da eleição de Trump, a defesa da democracia implicava moderação de conteúdos "problemáticos" no Facebook.

Agora, com a eleição de Trump, a democracia se defende com o fim da moderação —ou, melhor ainda, entregando essa moderação aos usuários, como acontece no X de Elon Musk.

Se, por hipótese, os democratas retornarem em 2028, é provável que Zuckerberg imponha a censura mais uma vez, em nome do mesmo conceito elástico de democracia que ele tem na cabeça.

Mas notável é a reação do auditório à ambição do Donald de comprar, ou até conquistar, o território autônomo da Groenlândia, atualmente parte da Dinamarca. É uma questão de segurança nacional, disse ele. Uma "necessidade absoluta".

Entendo. A importância geoestratégica, comercial e energética do território é imensa, sobretudo quando a China e a Rússia andam a rondar por aquelas bandas.

Se, e quando, a Groenlândia se tornar independente da Dinamarca, Trump quer ser o primeiro da fila a espetar a sua bandeira, deixando a concorrência chinesa e russa a distância.

Mas como explicar as suas ameaças sobre o assunto?

Os opositores da invasão russa da Ucrânia têm aqui um problema de coerência: os argumentos usados por Trump são semelhantes aos usados por Putin para justificar a sua "operação militar especial" na Ucrânia.

Se Washington não quer a Rússia ou a China na vizinhança, por que motivo Moscou toleraria a Otan?

Para os apoiantes da invasão russa da Ucrânia, outro problema de coerência: como tolerar Putin e criticar Trump quando ambos falam a mesma linguagem?

Perante tanto marxismo de tendência Groucho, talvez o melhor seja não mudar de princípios.

Defender a liberdade de expressão implica defender essa liberdade para opiniões contrárias, absurdas ou até tóxicas, não um convite à censura prévia de "moderadores" ideologicamente motivados.

Naturalmente que há conteúdos inegavelmente criminosos, que cumpre às plataformas excluir (ameaças terroristas, pornografia infantil etc.). Como cumpre ao sistema judicial investigar e punir delitos cometidos online (calúnias, crimes contra a honra etc.).

Mas o ponto de partida da discussão sobre a liberdade de expressão deve ser o mais neutro possível, precisamente para evitar o contorcionismo deprimente e cínico de figuras como Zuckerberg.

O mesmo vale para ambições militares que desrespeitam a soberania e a integridade territorial de outros estados. O futuro da Groenlândia, tal como o futuro da Ucrânia, deve depender da vontade do seu povo, não de ocupações criminosas de outras potências.

As palavras mais lunáticas de Trump sobre a Groenlândia são tão repugnantes como as de Putin sobre a Ucrânia. A defesa de um mundo livre se faz com amigos e aliados, não com inimigos e escravos.

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