Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Trama golpista mostra que ainda somos católicos

Se fosse um pastor aparecendo no relatório da PF, poderíamos dizer que a paisagem religiosa mudou no Brasil

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Após a derrota de Bolsonaro em 2022, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva pediu orações por generais, para que tivessem coragem de agir "em defesa do Brasil". Apenas católicos aparecem nas 850 páginas do relatório da PF sobre a trama golpista. Onde estão os evangélicos, tão próximos de Bolsonaro, e o que isso nos ensina sobre o Brasil?

Há alguns anos, o antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, e outros estudiosos têm chamado a atenção para o modo como o catolicismo vem sendo desconsiderado no debate público. Segundo ele, "se há duas instituições no país que historicamente são católicas, essas são o Judiciário e o Exército". E são justamente esses os pontos de atrito na tentativa de golpe.

Antes de prosseguir, Toniol explica que o catolicismo é maior que a Igreja Católica. "Essa é a aula zero sobre o tema. O catolicismo engloba desde Olavo de Carvalho até as celebrações de são Jorge no Rio de Janeiro, uma festa que, aliás, reúne policiais e traficantes, com muita gente ‘pegando santo’. O catolicismo do padre mencionado é apenas uma vertente entre muitas."

Outro ponto importante: desta vez, o envolvimento da Igreja Católica foi muito menor. Em 1964, a CNBB apoiou abertamente o golpe. Agora, uma semana após a divulgação do relatório da PF, seu advogado, dr. Miguel Vidigal, presidente da União Brasileira de Juristas Católicos, declarou em entrevista que a CNBB ainda não havia se manifestado sobre o caso.

Segundo o relatório da PF, o padre José Eduardo instruiu seu interlocutor a repassar o pedido de orações pelos generais "somente para pessoas de estrita confiança". De quais setores do catolicismo seriam elas?
Toniol explica que esse catolicismo tem duas influências principais. Uma é a do ultraconservadorismo da Opus Dei, tão tradicional que apresenta até reticências com as posições do papa. A deputada Bia Kicis (PL-DF) é uma das suas representantes na arena política. A outra influência é o catolicismo gerado a partir de influenciadores católicos com milhões de seguidores na internet.

Crucifixo no Plenário do Supremo Tribunal Federal - Divulgação/STF

Além de Olavo de Carvalho, o nome mais conhecido dessa vertente é o do padre Paulo Ricardo. Em seu perfil no Instagram, conservadorismo e tradicionalismo caminham lado a lado com a sofisticação e o profissionalismo com que ele se comunica e vende cursos e livros para seus 2,3 milhões de seguidores.

Há um último aspecto no pedido de oração feito pelo padre José Eduardo. Chama a atenção a escolha das palavras: ele falou em "oração" em vez de "reza". E, na sequência, instruiu o interlocutor para encaminhá-la para católicos e evangélicos. Os objetivos políticos e os valores compartilhados são mais fortes que as diferenças entre essas tradições.

O crescimento do secularismo e dos evangélicos pode sugerir que o catolicismo está moribundo. Errado. "Se fosse um pastor aparecendo nesse relatório da PF, poderíamos dizer que a paisagem religiosa mudou", diz Toniol. "Mas enquanto os golpes forem tramados pelo Exército com o apoio de sacerdotes, os católicos podem afirmar: ainda somos um país católico."

Há muito a ser dito sobre o tema. Por enquanto, vale refletir sobre a relação entre elite, religião e leis que levou o STF a manter crucifixos nas repartições públicas do país.

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