Em coluna publicada nesta Folha na segunda-feira (5), o professor Marcus André Melo ressaltou a necessidade de olhar a onda conservadora ao redor do mundo a partir de lentes distintas.
Enquanto no Reino Unido ou nos EUA a perda de empregos industriais derivada da globalização poderia explicar o apelo do populismo de direita, o mesmo não valeria para países como o Brasil, que, ao contrário, surfaram na onda do forte crescimento chinês e do boom das commodities nos anos 2000.
“Não houve revolta de perdedores da globalização nem contra elites internacionalistas. Pelo contrário: foi sob a égide de um redistributivismo forte que sobreveio um desvario fiscal de amplas consequências. (...) Foi assim a frustração dos 'ganhadores da globalização', sua revolta contra a corrupção e a reversão brutal de expectativas que balançaram o pêndulo dos eleitores de média renda e baixa identidade programática. Não foram ameaças a seu status que geraram a reação”, conclui Melo.
Não há dúvidas de que o cenário externo favorável foi fundamental para que o país conseguisse combinar, nos anos 2000, crescimento econômico maior, equilíbrio fiscal e redução das desigualdades na base da pirâmide.
A universalização de benefícios sociais, a valorização do salário mínimo e a geração de empregos formais em setores de serviços e construção civil contribuíram para que a renda dos mais pobres crescesse em um ritmo maior do que a renda média.
O que não houve foi redistribuição do topo para a base. Os 10% mais ricos mantiveram sua alta parcela na renda nacional, causando o fenômeno que o pesquisador Marc Morgan, da Paris School of Economics, chamou de “classe média espremida”: as faixas intermediárias perderam participação na renda nacional entre 2002 e 2014.
Desde a desaceleração da economia e, sobretudo, na recessão de 2015 e 2016, esses trabalhadores viram sua situação econômica se deteriorar também em termos absolutos.
Como apontei na coluna “A escolha de Antônio”, publicada na quinta-feira (1º), os dados do Datafolha sugerem que a maior perda de votos do PT nessas eleições presidenciais em relação a 2014 se deu justamente entre os trabalhadores com diploma de ensino médio e renda familiar mensal entre dois e cinco salários mínimos, cujos domicílios estão situados na faixa entre os 40% mais pobres e os 20% mais ricos.
Não é possível, portanto, afastar a hipótese de que, assim como no caso dos perdedores da globalização nos países ricos, a insegurança econômica pesou para a migração de votos de trabalhadores de classe média baixa no Brasil.
Diante do desemprego crescente e da estagnação de salários, o discurso que direciona a culpa a algum grupo da sociedade —o imigrante, as minorias, os comunistas ou os “corruptos do PT”— pode ter ganho apelo.
Em artigo recente intitulado “Brazil Divided: Hindsights on the Growing Politicisation of Inequality”, Morgan e Gethin mostram, a partir de dados do Datafolha, que a faixa dos 40% intermediários na distribuição de renda atribui maior peso na escolha de seu candidato à corrupção e à segurança do que os 50% mais pobres e para emprego e saúde do que os 10% mais ricos.
Quando se emplaca o discurso de que a falta de emprego, renda e saúde pública de qualidade é culpa da “roubalheira do PT”, fica um pouco mais difícil separar as coisas. Aqui, como lá fora, é tarefa do pesquisador se debruçar sobre tais fenômenos sem perder de vista a sua complexidade, identificando tanto os traços comuns quanto os particulares. Dados não faltam.
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