Michael França

Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Michael França
Descrição de chapéu Herança

Angústia de ser um herdeiro?

Ausência de privação material não significa liberdade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Herdeiros de grandes fortunas vivem sobre a sombra das altas expectativas. Eles tendem a ser pressionados a preservar o status familiar, e muitos ao seu redor esperam grandes feitos deles, visto todo o privilégio que lhes foi dado.

Essa pressão costuma gerar uma dúvida interna sobre seu senso de valor e se eles merecem todas as vantagens que ganharam na loteria do nascimento. É um fardo psicológico bem diferente daqueles que precisam lutar pela sobrevivência, mas isso não significa que é uma carga leve de ser carregada.

Cenas da quarta temporada da série Succession, que aborda a sucessão de um conglomerado de mídia familiar - Divulgação/HBO

Conforme argumentei em minha última coluna dessa sequência que tenho feito sobre legado ("Filhos dos ricos merecem herança?"), mesmo sem limitações econômicas, é relativamente comum herdeiros enfrentarem o vazio de uma falta de propósito.

Eles precisam justificar todo seu privilégio e ainda encontrar um significado genuíno para suas vidas para além daquilo que ganharam através de suas famílias. Esse temor está frequentemente associado à ausência de desafios reais e à sensação de que tudo o que possuem não teve mérito próprio.

Além disso, em vez de enxergarem sua herança como uma oportunidade para contribuir de forma significativa à sociedade, muitos acabam presos em uma busca incessante por validação e em uma vida superficial, onde o consumo e o status substituem a busca por propósito.

Muitos acabam se tornando escravos do consumo, pois associam seu valor pessoal à posse de objetos, status ou a qualquer símbolo de sucesso. Mesmo aqueles que desfrutam de um grande patrimônio material, também não estão livres do aprisionamento gerado pelas expectativas sociais, do sentimento de inadequação e dos traumas não resolvidos.

Há ainda o isolamento social. Eles crescem em ilhas de privilégio que limitam suas interações com o restante da sociedade. Essas ilhas não só criam barreiras para adentrar um mundo de perspectivas diferentes, como também podem levar a uma expressiva dificuldade de confiar nos outros. É um mundo com muitos recursos, mas que costuma ser repleto de futilidades e com o comum inconveniente de ter pessoas se aproximando a todo momento somente por interesse.

Apesar de suas vidas já estarem garantidas do ponto de vista material, a ausência de uma direção clara e o isolamento tendem a gerar em muitos uma angústia existencial que acaba sendo mal compreendida tanto pelos próprios herdeiros quanto por quem está fora desse círculo.

Em diversos casos, o cárcere mais opressivo não é aquele feito pelas grades de uma prisão, mas pelas barreiras que erguemos dentro de nossas próprias mentes. Entretanto, prezados leitores, a verdadeira liberdade é algo intrínseco. Ela está presente na capacidade de viver em paz consigo mesmo, independentemente do que se possui ou deixa de possuir.

As inseguranças não desaparecem diante do conforto gerado pela posse de um alto patrimônio. Em muitos casos, algumas delas se intensificam, visto que a abundância de recursos também fornece abundância de distrações. E, distraídos, não enfrentamos as causas profundas de nossos sofrimentos psíquicos. Nesses casos, a liberdade material não liberta, mas aprisiona de várias formas.

O texto é uma homenagem à música "Terra de Gigantes", composta por Humberto Gessinger e interpretada por Engenheiros do Hawai.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.