Os colonizadores da América talvez sejam incapazes de ver o que aconteceu no estádio Defensores del Chaco quando o Flamengo foi eliminado pelo Olimpia. A integração catártica entre torcida e jogadores é um fenômeno humano impressionante. Cada suor ganha contornos épicos de sangue derramado —mesmo que nenhum sangue seja derramado. Bandeiras, fogos, cantos das multidões unificam 11 homens num só corpo e cria-se uma entidade imbatível. Pois é. Nesse sentido, não há nada igual ao futebol sul-americano.
Vamos aos resultados: o Olimpia passou de fase, mas foi multado porque sua torcida usou objetos pirotécnicos.
Existe algo sagrado e profundamente cultural em estádios como La Bombonera, Monumental de Núñez, Defensores del Chaco e no Estádio Centenário, no Uruguai. São templos em que multidões se unem em torno de uma fé. E produzem uma força coletiva palpável e colossal que opera milagres em campo (muitos deles amplamente documentados). Ao mesmo tempo, o futebol ajuda a criar os símbolos e a identidade de um país. São roupas, cantos de torcida, cores, hábitos, memórias coletivas que unem pais, mães, filhos e filhas por gerações.
Os colonizadores da América não enxergam nada além dos balancetes trimestrais. Entre outras medidas inspiradas nos rentáveis campeonatos europeus e nos pasteurizados "padrões Fifa", criaram as regras abaixo para os jogos da Libertadores:
- É PROIBIDA a entrada no estádio com bandeirões, bandeiras em hastes de qualquer tipo, pau de selfie e guarda-chuva;
- É PROIBIDO entrar com camisa, bandeira e acessórios de qualquer outro time ou seleção da América do Sul.
- Final em jogo único disputada num país aleatório escolhido previamente.
Por isso, faço um apelo. Há que se chegar a um meio-termo, em que se valorize a segurança sem abafar a poesia das arquibancadas. Entre modernização e tradição. Entre os perigosos rojões nas mãos dos torcedores e as festas pirotécnicas que podem ser organizadas com responsabilidade e planejamento. Entre as hastes de bandeiras com mais de um metro que podem servir como armas brancas e suportes menores e mais modernos para os torcedores levarem as cores de seu clube em pavilhões aos milhares. Entre as finais distantes e as decisões de título que trazem para o estádio a cultura, a atmosfera e o calor dos países envolvidos na partida.
E que fechem um patrocínio com fabricante de Vitamina C para ajudar na imunidade dos torcedores que sequer puderam levar guarda-chuvas para os estádios.
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