Não foi sem assombro que o jovem Aécio Neves viu sua rotina pacata mudar de um dia para outro. O deputado levava uma vida tranquila e infalível como Rivotril quando Ramiro Madeira, o estagiário do Jornal do Almoxarifado, lhe perguntou:
— E o Gabigol com a camisa do Corinthians, hein?
Aécio arqueou as sobrancelhas, ergueu os ombros e murmurou:
— É… eu vi. Difícil, né?
Os pelos da nuca de Ramiro se eriçaram. O estagiário sentia o arrepio jornalístico que acomete aqueles que presenciam um acontecimento de vulto histórico.
No dia seguinte, as tiragens do Jornal do Almoxarifado bateram recordes com a manchete "Aécio faz duras críticas ao futebol brasileiro".
A partir de então, a vida invisível de Aécio mudou radicalmente.
Nas primeiras horas da manhã, seus primeiros bocejos matinais foram interrompidos por um jornalista ávido por uma opinião sobre dados divulgados pelo governo Lula.
Ainda sem tempo para concluir a resposta, Aécio expunha sua hipótese sobre o sumiço das joias de Eliane Cantanhêde, a tomada de Constantinopla e a tradução para o inglês de Flora Thomson-DeVeaux para "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Ao meio-dia, o jovem deputado havia opinado sobre Lula, Bolsonaro, Tabata, Tarcísio, air fryer, Renoir, bitcoin, Anitta, macarronese, harmonização facial, sobre a topografia de Ouro Preto e a ousadia estética do último filme de Jacques Audiard.
"O equilíbrio ecológico é fundamental. Até mesmo tucanos criados em cativeiro e alimentados com suplementos artificiais podem ajudar a restabelecer a equidade no Brasil", ele pontificou para a Folha de Saracura.
Alçado repentinamente ao cargo de opinador-geral da República, Aécio presenciou um milagre: assim que sua milésima opinião foi publicada pela imprensa, as avenidas do Eixo Monumental se moveram para formar uma terceira via. No dia seguinte, as primeiras páginas de todos os jornais estampavam as interjeições de espanto do deputado.
Depois de sete dias, o jovem Aécio descansou. Em abstinência, um editor de política mandou um WhatsApp implorando por uma opinião qualquer sobre um assunto à escolha do deputado. Foi quando, acometido pelo bom senso que lhe é peculiar, o jovem Aécio respondeu: "Tô um pouco cansado de dar opinião".
No dia seguinte, os leitores foram agraciados com a manchete "Aécio opina sobre opinião de Aécio".
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