Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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A pobreza maior do Brasil tem cara de criança

Na média do país, 27,4% são pobres; entre as crianças, até 14 anos, 44,8% do total

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Mais de um quarto dos brasileiros são pobres. Na média. Para ser preciso, 27,4% das pessoas, em 2023. Entre as crianças, quem tem até 14 anos, essa taxa deprimente é de 44,8%. Entre quem tem mais de 60 anos, 11,3%. São dados do IBGE.

Não é o único dos grandes desvios da média que explicitam discriminações crônicas e de causas profundas, "estruturais". Por exemplo, 21,2% das pessoas entre 15 e 29 anos são "nem-nem" (não está em escola, não trabalha). Mas qual é o rosto típico dos "nem-nem"? Mais de 45% dessas pessoas são mulheres pretas e pardas.

A imagem mostra duas crianças caminhando em uma rua de terra. Uma criança está vestindo um short azul e a outra está sem camisa, com um short de estampas. O céu está limpo e azul, e ao fundo há casas e vegetação. A iluminação é natural e a cena transmite um ambiente tranquilo.
Crianças caminhando em rua da Ocupação Morumbizinho no bairro Jardim Rodolfo Pirani, na zona leste de São Paulo - Zanone Fraissat - 7.jun.24/Folhapress

A diferença brutal da pobreza infantil se repete faz tempo nas estatísticas. Os cientistas sociais e quem se ocupe do assunto sabem muito bem disso. Não têm sucesso bastante nem ao menos para colocar o assunto na conversa nacional.

Crianças mais pobres são mais comuns em famílias monoparentais (na maioria, a cargo de mulheres), em zonas rurais, em casas de mães e pais que têm mais filhos, são mais pretas e pardas.

Crianças mais pobres tendem a morrer mais, crescer menos; a se atrasar mais na escola e no desenvolvimento cognitivo em geral. Adiante, tendem a ter salários menores, a engravidar cedo demais. Etc.

Temos benefícios sociais dirigidos para mais velhos, óbvio: Previdência, assistência social (como o BPC). O Bolsa Família serviria também para levar mais dinheiro para crianças e famílias com mais crianças. Não basta, para dizer o menos. Além do mais, o problema não se limita à pobreza dita "monetária" (de renda) e apenas vai ser atenuado com transferências sociais dirigidas para crianças mais pobres. A discussão de alternativas entre o público geral e na política mal existe. Faz pouco que se começou a falar de creche.

O Bolsa Família teve peso na redução significativa da pobreza de 2022 para 2023, primeiro de Lula 3. De 2022 para 2023, o aumento da despesa com o programa foi de mais de 80%, em termos reais (além da inflação), acréscimo de R$ 78 bilhões, para R$ 175 bilhões anuais. A massa salarial, a soma de todos os rendimentos do trabalho, cresceu bem, mas cerca de 5%, por exemplo.

Graças aos benefícios do Bolsa Família, mas não apenas, a participação da renda do trabalho na renda total dos mais pobres passou a ser bem menor. Para famílias com renda domiciliar per capita abaixo de um quarto de salário mínimo, os rendimentos do trabalho eram 34,6% da renda total em 2023 (benefícios sociais, 57,1%). Em 2019, pré-pandemia, sob Jair Bolsonaro, o trabalho era 59,9% da renda desse grupo mais pobre. Em 2013, pico da renda do país, auge dos anos petistas, 59,7%.

Na média nacional, o rendimento do trabalho equivalia a 74,2% do rendimento total em 2023. Entre aqueles que ganhavam entre 1 e 2 salários mínimos, por exemplo, o trabalho contribuía com 76% da renda total, em média.

E daí? Primeiro, os mais pobres são, literalmente, excluídos: não têm trabalho ou vivem de bicos precaríssimos. Segundo, dificilmente será possível conseguir grandes reduções adicionais de pobreza à base de aumento de despesa com benefícios sociais.

Não se trata aqui daquela conversa de arrumar "porta de saída" para beneficiários do Bolsa Família (que de resto vivem em uma porta giratória de entradas e saídas da pobreza). O problema é como fechar essa porta de entrada na pior dureza da vida. Para começar, poderíamos tratar bem das crianças.

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