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Moda

Oliviero Toscani, da Benetton, usou a moda para escancarar crises

Publicitário, morto aos 82 anos, tornou marca conhecida com fotos provocativas de doentes de Aids e condenados à morte

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Campanha publicitária da United Colors of Benetton assinada por Oliviero Toscani - Divulgação

João Perassolo
João Perassolo

Repórter da Ilustrada

São Paulo

Um presidiário condenado à pena de morte por assassinato nos Estados Unidos e um paciente terminal de Aids com as feições de Jesus Cristo não são personagens que esperamos encontrar em propagandas de marcas de roupa. No entanto, eles estamparam anúncios que rodaram o mundo em revistas e outdoors em criações de Oliviero Toscani, publicitário morto nesta segunda que, com seus trabalhos provocadores, tornou a United Colors of Benetton conhecida dentro e fora do mundo da moda nas décadas de 1980 e 1990.

Em outras campanhas para a grife italiana, o fotógrafo estampou uma modelo com anorexia, uma nádega carimbada com o dizer "HIV positivo" e três corações humanos, sobre os quais escreveu "branco, preto, amarelo", como quem afirma que as raças são todas iguais. As propagandas não mostravam bolsas, camisetas ou blusões, nem pareciam tentar incutir nos consumidores o desejo de compra por produtos da Benetton, à época uma marca relevante nas conversas de moda e que tinha várias lojas no Brasil.

Campanha publicitária da Benetton assinada por Oliviero Toscani - Divulgação

Esses exemplos ilustram por que o trabalho de Toscani, morto aos 82 anos, foi tão relevante. O profissional usava a propaganda de moda, em geral considerada não mais do que uma imagem bonita, para debater questões sociais importantes do momento, como os direitos humanos, a Aids na sua fase mais mortal e a representação de corpos nas passarelas. As polêmicas e os comentários gerados por seus trabalhos, por consequência, tornavam o logotipo verde e branco da Benetton cada vez mais conhecido.

"Mediocridade suficiente é produzida todos os dias, particularmente no mundo da propaganda. As agências de propaganda gastam milhões repetindo as mesmas coisas velhas. Elas gastam bilhões e bilhões e no fim não há diferença entre a Coca e a Pepsi, a American Express e a Visa. Tentamos ir por outro caminho", disse Toscani, numa entrevista de 1995 ao jornal The New York Times.

Se esse tipo de anúncio de choque é impensável na nossa época politicamente correta da cultura do cancelamento, na década de 1990 e na virada para os anos 2000 o cenário era mais favorável. A Gucci, por exemplo, é outra marca frequentemente lembrada pelas provocações, como quando estampou numa propaganda de Mario Testino um trio de duas mulheres e um homem se agarrando na cama, e em outra do mesmo fotógrafo uma vagina de pelos raspados no formato da letra "G" do logotipo da marca.

Fazer os consumidores pensarem enquanto estetiza tragédias, como mostrou Toscani, era também uma maneira de vender roupas muito diferente de como os grandes conglomerados de moda estão acostumados a agir. Uma das campanhas mais comentadas do ano passado, a do ator Daniel Craig vestindo um pulôver colorido para a Loewe enquanto olha para a câmera com uma expressão divertida, exemplifica a fórmula rasa empregada pelos departamentos de marketing —celebridades usando peças-desejo e o logotipo da marca aplicado na imagem. Tudo o mais inofensivo possível.

Esta equação é hoje repetida à exaustão, de modo que pouco distingue uma propaganda da Louis Vuitton de uma da Saint Laurent de uma da Balenciaga. Todas têm personalidades da cultura pop agarrando produtos em fundo neutro.

Pode ser porque, com os justiceiros das redes sociais sempre à espreita, nem as marcas nem as agências de propaganda parecem mais querer bancar anúncios com potencial de gerar controvérsia. Associar uma etiqueta de moda a causas progressistas, como Toscani fez por anos com a Benetton, pode vir ao custo de milhões de dólares a menos em vendas e do ostracismo virtual.

Toscani sempre duvidou do simulacro de beleza da indústria da moda. "A propaganda tradicional diz que, se você comprar certo produto, você será bonito, sexualmente poderoso e bem-sucedido", afirmou o publicitário à agência de notícias Reuters em 2000. "Isso é tudo o que, na prática, não existe."

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