Descrição de chapéu The New York Times

Aquecimento global torna mais estratégicos Groenlândia e Canal do Panamá, cobiçados por Trump

Com mudanças climáticas, ambas as regiões passam a ter papel maior no transporte marítimo e no comércio mundial

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Lisa Friedman
The New York Times

Para imaginar o tipo de futuro que um clima mais quente e seco pode trazer, e os desafios geopolíticos que irá criar, não é preciso procurar mais do que duas partes do mundo que o presidente eleito, Donald Trump, quer que os Estados Unidos controlem: Groenlândia e o Canal do Panamá.

Trump tem reiterado que ambos os lugares são cruciais para a segurança nacional dos EUA. Ele pediu para retomar o controle do Canal do Panamá e adquirir a Groenlândia da Dinamarca, ambos territórios soberanos com seus próprios governos.

Esses dois lugares têm algo mais em comum: são significativamente afetados pelas mudanças climáticas, de forma que apresentam desafios iminentes para o transporte marítimo e o comércio global.

A imagem mostra uma vista panorâmica de uma vila na Groenlândia, com várias casas coloridas, predominantemente vermelhas, azuis e amarelas, situadas em uma área rochosa. No fundo, há grandes blocos de gelo flutuando em um mar calmo, refletindo o céu claro. Uma igreja com uma torre se destaca entre as construções. Ao longe, montanhas podem ser vistas sob um céu azul.
A cidade de Ilulisat, na Groenlândia - Carsten Snejbjerg - 2.set.21/The New York Times

Devido ao aquecimento das temperaturas, estima-se que cerca de 28, 5 mil km² (quase 20 vezes a área do município de São Paulo) das camadas de gelo e geleiras da Groenlândia derreteram ao longo das últimas três décadas. Isso tem grandes implicações para o mundo inteiro. Se o gelo se desfizer completamente, a Groenlândia poderia fazer o nível do mar subir até 7 metros, de acordo com a agência espacial Nasa.

O recuo do gelo da Groenlândia poderia abrir áreas para perfuração de petróleo e gás e locais para exploração de minerais críticos, um fato que já atraiu interesse internacional e levantou preocupações sobre danos ambientais. Além disso, o tráfego de navios no Ártico aumentou 37% na última década, de acordo com um relatório recente do Conselho Ártico, à medida que o gelo marinho diminuiu. Mais derretimento poderia abrir ainda mais rotas comerciais.

Amanda Lynch, professora da Universidade Brown que estudou as mudanças climáticas no Ártico por quase 30 anos, disse que as novas rotas comerciais criadas pelo derretimento do gelo também poderiam aumentar o risco de desastres ambientais. Navios de alguns países, segundo ela, não são projetados para resistir às condições do Ártico. "Um vazamento de óleo ou outro acidente tóxico nessa rota é inevitável. Poderia já ter acontecido, e nós simplesmente não sabemos."

Os chineses mostraram interesse significativo em uma nova rota através do Ártico. Em novembro, a China e a Rússia concordaram em trabalhar juntas para desenvolver rotas de navegação na região congelada.

"As rotas de tráfego no Ártico estão mudando por causa das mudanças climáticas", disse Jose W. Fernandez, subsecretário de Estado para crescimento econômico, energia e meio ambiente. "É algo a que estamos dedicando cada vez mais atenção, e qualquer novo governo terá que lidar com isso no futuro."

Um homem com cabelo loiro e pele bronzeada está falando em um microfone, gesticulando com a mão direita. Ele usa um terno azul e uma gravata vermelha. Ao fundo, há bandeiras dos Estados Unidos. Um outro homem está parcialmente visível atrás dele.
Donald Trump busca o controle da Groelândia e do Canal do Panamá, apesar de negar as mudanças climáticas - David Dee Delgado - 6.set.24/Reuters

Trump chama as mudanças climáticas de fraude. A equipe de transição do republicano não respondeu a um pedido de comentário. Mas seu ex-conselheiro de segurança nacional Robert C. O'Brien sugeriu que as mudanças climáticas foram um fator no interesse de Trump em adquirir a Groenlândia.

"A Groenlândia é uma rodovia do Ártico até a América do Norte, até os Estados Unidos", disse ele à Fox News. "À medida que o clima esquenta, o Ártico será um caminho que talvez reduza o uso do Canal do Panamá."

O que nos leva ao Canal do Panamá. Com mais de 82 km atravessando o meio do Panamá, a via navegável vital usa uma série de eclusas e reservatórios para conectar o Atlântico e o Pacífico. O canal poupa os navios de terem que percorrer aproximadamente 11,2 mil km adicionais para navegar ao redor do Cabo Horn, na ponta sul da América do Sul.

Em 2023, uma longa seca causou ampla interrupção no canal. Os níveis de água no lago Gatún, a principal reserva hidrológica do canal, caíram para níveis historicamente baixos, e as autoridades reduziram o tráfego de navios para conservar a água doce do lago. As filas resultantes de embarcações esperando semanas para cruzar o canal ameaçaram desencadear um efeito dominó nas cadeias de suprimentos.

Os cientistas descobriram que a causa imediata era o El Niño, um fenômeno natural que pode durar vários anos. Mas, descobriram, as mudanças climáticas também podem estar prolongando períodos secos e elevando as temperaturas na região. A autoridade do canal propôs um projeto de US$ 1,6 bilhão (R$ 9,7 bilhões) para represar o rio Indio e garantir água doce.

As mudanças climáticas estão afetando o canal de várias maneiras, disse Kevin Trenberth, ex-chefe de análise climática no Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica. Seu sistema de eclusas também está enfrentando ameaças crescentes devido ao aumento dos níveis do mar.

Chris Field, diretor do Instituto Woods para o Meio Ambiente da Universidade Stanford, disse que o interesse de Trump tanto no Canal do Panamá quanto na Groenlândia é "uma espécie de reconhecimento indireto" de que as mudanças climáticas são reais.

"É interessante que a narrativa de Trump seja a de que, se controlarmos esses lugares, seria de alguma forma melhor. Mas o desafio é que o componente das mudanças climáticas não desaparece."

As aspirações de Trump enfrentam alguns grandes obstáculos. O presidente panamenho, José Raúl Mulino, descartou discutir o controle do canal com ele. E o primeiro-ministro da Groenlândia, Mute Egede, disse que o controle da ilha, que é um território autônomo da Dinamarca, "não está à venda e nunca estará à venda".

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