O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, adiou sua promessa de campanha de acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas para vários meses, em uma mudança que os parceiros europeus interpretaram como um sinal de que seu governo não abandonará imediatamente o apoio a Kiev.
Duas autoridades europeias disseram ao jornal Financial Times que as discussões com a nova equipe de Trump nas últimas semanas revelaram que eles ainda não haviam decidido como resolver o conflito e que o apoio à Ucrânia continuaria após a posse do presidente dos EUA, em 20 de janeiro. "Toda a equipe [de Trump] é obcecada por força e por parecer forte, por isso estão recalibrando a abordagem em relação à Ucrânia", disse uma das autoridades.
O novo governo também estava preocupado com as comparações feitas com a calamitosa retirada dos EUA do Afeganistão por Joe Biden, algo que a equipe de Trump não gostaria de ver repetido na Ucrânia, acrescentou o funcionário.
No início desta semana, Trump sugeriu que seis meses fosse uma meta mais realista para acabar com a guerra. Seu nomeado como enviado especial para a guerra na Ucrânia, Keith Kellogg, disse à Fox News na quarta-feira que o objetivo era acabar com o conflito em 100 dias.
"Eu gostaria de estabelecer uma meta em nível pessoal e profissional —eu a estabeleceria em 100 dias e voltaria todo o caminho", disse Kellogg quando perguntado sobre um acordo de paz na Ucrânia. "E descobrir uma maneira de fazer isso em curto prazo, para garantir que a solução seja sólida e sustentável e que essa guerra termine para que possamos parar a carnificina."
Os líderes e as autoridades europeias têm argumentado para Trump e sua equipe que a ajuda militar contínua dos EUA é necessária para colocar Kiev em uma posição mais forte para as conversações de paz e ajudar a trazer Moscou para a mesa de negociações, quase três anos depois que a Rússia lançou sua invasão em grande escala.
Autoridades francesas disseram no mês passado que fortalecer a posição da Ucrânia no campo de batalha significava interromper os avanços da Rússia no leste do país, pois não haveria negociações se Moscou ainda estivesse tomando território.
O apoio militar contínuo de Washington é crucial para a defesa da Ucrânia, mesmo que as nações europeias também tenham contribuído com armamentos e com uma significativa ajuda financeira a Kiev.
A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, que se encontrou com Trump em seu resort em Mar-a-Lago, na Flórida, na semana passada, descartou a possibilidade de Washington abandonar a Ucrânia. "Não prevejo um desengajamento dos EUA", disse na quinta-feira, acrescentando que Trump provou ser capaz de combinar diplomacia com dissuasão. "Em relação à paz, Trump pode ser alguém que esteja avançando em direção a uma solução, mas não acho que isso signifique abandonar a Ucrânia."
Meloni disse que a Ucrânia teria que receber garantias concretas de segurança como parte de qualquer possível acordo diplomático para acabar com o conflito ativo. "As garantias de segurança são fundamentais se de fato aspiramos à paz na Ucrânia", disse. "Todos nós sabemos que, no passado, a Rússia violou os acordos que assinou. Sem garantias de segurança, não podemos ter certeza de que isso não acontecerá novamente."
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, procurou persuadir Washington e outros aliados da Otan a ancorar essas garantias de segurança em um cronograma concreto para que seu país se junte à aliança de defesa liderada pelos EUA. Mas tanto Biden quanto Trump demonstraram relutância em endossar tal medida, assim como alguns líderes europeus, incluindo o chanceler alemão, Olaf Scholz.
Enquanto isso, o presidente francês, Emmanuel Macron, sugeriu que as tropas europeias poderiam ser enviadas para a Ucrânia para garantir que a Rússia não volte a atacar —uma ideia que também não tem apoio unânime na Europa.
O presidente russo, Vladimir Putin, acolheria qualquer abordagem de Trump e está preparado para o diálogo com os EUA, disse o Kremlin na quinta-feira.
O principal objetivo de Putin em qualquer conversa seria criar novos acordos de segurança que garantissem que a Ucrânia nunca se unisse à Otan e que a aliança militar liderada pelos EUA recuasse de algumas de suas implantações no leste, de acordo com um ex-funcionário sênior do Kremlin e outra pessoa que discutiu o assunto com o presidente russo.
"Ele quer mudar as regras da ordem internacional para que não haja ameaças à Rússia. Ele está muito preocupado com a aparência do mundo após a guerra", disse o ex-funcionário. "Trump quer reverter a Otan de qualquer maneira. O mundo está mudando, tudo pode acontecer."
Autoridades ocidentais, incluindo o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, procuraram enfatizar a importância de Trump garantir a "paz por meio da força" na Ucrânia e evitar uma derrota para Kiev que encorajaria Putin e seus aliados na China, Irã e Coreia do Norte.
"Não podemos ter uma situação em que o [líder norte-coreano] Kim Jong-Un, o presidente russo e o [líder chinês] Xi Jinping e o Irã se cumprimentem porque chegamos a um acordo que não é bom para a Ucrânia, porque, a longo prazo, isso será uma terrível ameaça à segurança não apenas para a Europa, mas também para os EUA", disse Rutte no mês passado.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.