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Suspensão de ajuda externa por Trump afeta programa de Aids que atende mais de 20 milhões

Para chefe de sociedade internacional, decisão pode ser catastrófica para o controle da epidemia mundial

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São Paulo

A decisão do presidente Donald Trump de suspender por 90 dias toda assistência estrangeira atinge um dos maiores programas mundiais voltados à prevenção e tratamento da Aids, o Pepfar (Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids), que tem um orçamento anual de US$ 6,5 bilhões.

Criado na Presidência do também republicano George W. Bush, em 2003, o programa é responsável por fornecer terapias antiretrovirais e assistência a 20,6 milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids em 55 países, especialmente os da África subsaariana.

O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa na Casa Branca, em Washington
O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa na Casa Branca, em Washington - Jim Watson - 21.jan.25/AFP

O aviso de que o financiamento de quase toda a assistência estrangeira está congelada por três meses consta em telegrama do Departamento de Estado dos Estados Unidos, chefiado por Marco Rubio, enviado a embaixadas na última sexta (24).

A suspensão afeta também programas da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). As únicas isenções previstas foram para assistência alimentar de emergência e financiamento militar para Israel e Egito.

Para a médica infectologista brasileira Beatriz Grinsztejn, que preside a IAS (Sociedade Internacional de Aids), os resultados dessa interrupção de recursos do Pepfar podem ser catastróficos para o controle da epidemia mundial de Aids.

"O Pepfar provê tratamento que é salvador de vidas. Dessas mais de 20 milhões de pessoas que dependem dele, quase 600 mil são crianças", diz.

Segundo ela, a suspensão do financiamento inclui contratos que estão vigentes, o que pode interromper a provisão de tratamento imediatamente. "Isso é de um impacto que eu não tenho nem palavras para definir, um transtorno absurdo. Estão todos desesperados."

Para Grinsztejn, o temor é que, sem o financiamento, a epidemia de HIV volte a ter um repique. "A gente vem tendo um sucesso bastante robusto no controle da epidemia. Lógico que ela está longe de ser controlada, mas a gente teve, em 2024, o menor número de novas infecções até hoje."

De acordo com a médica, a estimativa é que em torno de 26 milhões de vidas tenham sido salvas após a criação do Pepfar. "Ele tem um impacto bem significativo também na prevenção de novas infecções. Impediu, por exemplo, que 7,8 milhões de bebês nascessem com HIV."

O programa mantém ainda serviços de testagem do vírus da Aids, que já atenderam quase 100 milhões de pessoas, além de assistência a mais de 17 mil órfãos e crianças vulneráveis afetadas pelo HIV.

"Há um impacto terrível na profilaxia pré-exposição [PrEP] que vem significativamente se expandindo nos últimos anos. O Pepfar tem uma função única em disseminar esses serviços, em trazer essas novas tecnologias disponíveis. Na hora que você não financia o Pepfar, essa grande virada que a gente poderia ter na epidemia fica em suspenso."

Ainda que o governo Trump trate a suspensão como temporária, Grinsztejn lembra que a a epidemia em curso não dá trégua. "Não dá para ter pausa nem de respiração, porque [a Aids] mata. A gente está falando de vidas e de países que não têm reservas e muito menos um plano B."

Segundo ela, além dos tratamentos, todos os profissionais de saúde envolvidos nesses cuidados dependem desses recursos. De acordo com os dados do Pepfar, há mais de 190 mil provedores de cuidados clínicos e auxiliares trabalhando em tempo integral, todos os dias, incluindo 1.422 médicos, 13.577 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e mais de 108 mil agentes comunitários de saúde. Em média, esses agentes de saúde ganham pouco mais de US$ 3.000 por ano.

A esperança, diz Grinsztejn, é que a mobilização internacional consiga proteger o programa. "Ele foi instituído pelo governo republicano, tem passado todo esse tempo por diversas trocas de governo, mas nunca houve uma ameaça tão devastadora como essa."

Para ela, além do impacto imenso para a saúde global, a suspensão do financiamento também traz prejuízos para os EUA. "Há uma perda na posição de liderança na saúde global que eles sempre tiveram."

No sábado, Trump disse a repórteres que gostaria que outros países gastassem mais em ajuda externa. "Somos como uma rua de mão única, então queremos que outras pessoas nos ajudem e queremos que outras pessoas se juntem a nós. Estamos gastando bilhões e bilhões e bilhões de dólares e outros países ricos estão gastando zero", afirmou. "Por que deveríamos ser os únicos?"

Em carta pública endereçada a Rubio na sexta-feira, os deputados Gregory W. Meeks e Lois Frankel escreveram: "Os programas de assistência externa dos Estados Unidos promovem a estabilidade em outros países para ajudar a impedir que as crises se espalhem diretamente até a nossa porta."

"A assistência estrangeira não é uma esmola; é um investimento estratégico em nosso futuro que é vital para a liderança global dos EUA e um mundo mais resiliente", acrescentaram.

"Ele atende diretamente aos nossos interesses nacionais e demonstra nossa credibilidade a aliados, parceiros e pessoas vulneráveis que dependem da assistência americana para sobreviver."

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