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Brasil precisa de política de Estado para prevenir epidemias

Covid evidenciou que processos, estruturas e respostas convencionais foram insuficientes

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Cinco anos atrás, notícias que chegavam da China davam conta da circulação de um vírus desconhecido. O mundo estava despreparado para lidar com a maior pandemia desde a gripe espanhola, ocorrida um século atrás. A Covid-19 colapsou sistemas de saúde até em países ricos e causou mais de 7 milhões de mortes oficiais –10% delas no Brasil. A emergência lançou a economia global na pior recessão desde a Segunda Guerra, conforme o Banco Mundial, e seus impactos eliminaram uma década de progresso na expectativa de vida global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, é impensável discutir a resposta à pandemia de Covid sem ressaltar a imensa capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, o país enfrentou dificuldades significativas que levaram a ações reativas e emergenciais, de caráter provisório, diante da implementação insuficiente do plano nacional, da falta de coordenação do governo federal e de uma comunicação inconsistente e suscetível aos ataques do negacionismo científico. Ficou evidente que os processos, estruturas e respostas convencionais não foram suficientes e que o enfrentamento às emergências em saúde pública (ESP) exige novos instrumentos e estratégias.

A imagem mostra um sinal verde em um cemitério, que diz: 'AQUI REPOUSAM AS VÍTIMAS DA COVID-19 1ª ONDA'. Ao fundo, há várias sepulturas cobertas com flores e grama, em um ambiente ao ar livre com árvores e vegetação ao redor.
Área destinada as vítimas de Covid-19 no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus. - Michael Dantas - 24.ago.2023/Folhapress

O Estado brasileiro necessita de um instrumento que assegure o desenvolvimento e a continuidade de estratégias e ações com o objetivo exclusivo e permanente de monitorar riscos, prevenir, controlar, preparar e combater futuras epidemias e pandemias, assim como os efeitos da emergência climática, de modo que o país não reaja tardiamente às crises sanitárias.

A esse propósito cabe a instituição de uma política de Estado para preparação e enfrentamento de ESP a fim de que sejam assumidos compromissos de longo prazo, ancorados no interesse público, e sem o risco de instabilidade e mudanças de rumos a cada transição de governo. Tal política implica no esforço de integrar e coordenar as atividades de vigilância e atenção à saúde.

A força desse arranjo passa por uma perspectiva nacional e unificada, pactuada por estados e municípios, para garantir rapidez na tomada de decisões e autonomia sobre prioridades e recursos, evitando medidas ineficientes. Faz-se, ainda, necessária a intersetorialidade, com a colaboração permanente entre diferentes setores do governo, como saúde, meio ambiente, agricultura, além de ciência, tecnologia e inovação, entre outros. É preciso, também, articulação com a sociedade civil –da inserção nos mecanismos de planejamento das ações ao desenvolvimento de estratégias de proteção social.

Para executar tal política, é fundamental a criação de uma instituição federal de controle e prevenção de doenças, vinculada ao Ministério da Saúde, em consonância aos princípios e diretrizes do SUS e alinhada aos outros entes da gestão tripartite. Deve-se ter modelagem jurídica que garanta autonomia técnica, agilidade, transparência e que possibilite captação e manutenção de profissionais altamente especializados, além de orçamento próprio. Deve-se estabelecer governança coesa e colaborativa para lidar com as crises sanitárias nacionais e globais.

O momento de discutir uma política de Estado –com atualização do arcabouço legal de 1975– e a criação de uma instituição é agora. É certo que viveremos novas ESP, só não sabemos quando ou como. Importa destacar que as crises sanitárias causadas por agentes já conhecidos ou emergentes não se esgotaram após a Covid. Apenas em 2024, o Brasil enfrentou, com estruturas ainda desmanteladas, a maior epidemia de dengue da história, mpox, oropouche e gripe aviária (esta última circula em aves e mamíferos, com ameaça iminente de transmissão entre humanos).

Em uma época de ameaças à saúde intricadas e influenciadas por mudanças climáticas, desmatamento e deslocamento populacional em larga escala, as estruturas disponíveis e os caminhos já utilizados parecem não dar conta dos futuros desafios. A complexidade dos novos cenários, que também serão impactados pela futura saída dos Estados Unidos da OMS, exige respostas urgentes e inovadoras e que sejam, ao mesmo tempo, duradouras e efetivas

Cristiana Toscano
Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da Organização Mundial da Saúde (Sage-OMS)


José Agenor Álvares da Silva
Pesquisador da Fiocruz, ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ex-ministro da Saúde

José Gomes Temporão
Médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz, é ex-ministro da Saúde (2007-2010; governo Lula)

Maria Glória Teixeira
Professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-coordenadora nacional da Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde

Mariângela Simão
Diretora-presidente do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) e ex-diretora-geral adjunta da OMS


Rita Barradas Barata
Professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

TENDÊNCIAS / DEBATES
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