O anúncio da Meta sobre o fim do seu programa de checagem e criação de um sistema de "notas da comunidade" não foi uma grande surpresa para quem acompanhou os últimos meses do mundo da tecnologia.
Na verdade, as novidades ilustram uma nova era dessas redes sociais e a relação com o público, a imprensa e os governos. O dono da empresa, Mark Zuckerberg, é uma das representações dessas mudanças. Ele mesmo assumiu um novo visual e passou a falar publicamente contra ações do governo Biden e supostas "censuras" que suas plataformas teriam sido "obrigadas" a realizar.
Zuckerberg, porém, não foi o pioneiro nesse movimento. Elon Musk, dono do antigo Twitter, foi quem primeiro criticou as políticas de moderação das plataformas, ligou-as a demandas de governos e, no caso do X, implementou as mudanças que a Meta anunciou, citando a concorrente.
O X lançou o Notas da Comunidade, desmontou quase inteiramente suas equipes de moderação de conteúdo e abriu espaço para mais bots, figuras anteriormente banidas da plataforma, e discursos mais extremistas e/ou preconceituosos.
A verdade é que Musk teve poucas represálias, até diante do seu poder em múltiplos campos. Anunciantes que saíram da plataforma voltaram em poucos meses. Mesmo tendo perdido usuários, o X manteve sua relevância e não foi ultrapassado pelo Threads ou peloBlueSky . E a aposta de Musk na candidatura de Donald Trump foi bem-sucedida, resultando em um presidente dos EUA favorável a essas mudanças.
O ambiente, portanto, era fértil para que Zuckerberg abandonasse medidas que foram adotadas por ele para evitar represálias jurídicas e comerciais após o escândalo da Cambridge Analytica, em 2018. O dono da Meta mostra que é um camaleão, capaz de se transformar para aproveitar o cenário político.
Seu anúncio é tanto um agrado a Trump em busca do seu respaldo quanto o uso de uma janela de oportunidade aberta com as eleições. E a imprensa estará entre as mais afetadas pela decisão.
O programa de checagem criado pela Meta fornecia uma receita e também fomento importantes para muitos veículos. Se grandes veículos serão prejudicados, o impacto será ainda maior nas agências de checagem e veículos menores, uma característica do cenário de dependência financeira e de distribuição de conteúdo com a plataformização do jornalismo. Zuckerberg ainda surpreendeu pelas duras críticas aos checadores, contribuindo para sua descredibilização. Novamente, o setor assiste meio perdido, meio impotente, a um novo golpe.
Mas, se as plataformas digitais —do Uber à Amazon— se baseiam no aproveitamento do trabalho de terceiros —o motorista, o entregador, o comerciante—, faz todo o sentido que elas também entreguem a atividade de moderação de conteúdo para outros. Nesse caso, os usuários. Estamos preparados para essa nova dinâmica?
Há, ainda, a vantagem de poder afirmar que a plataforma está lutando pela "liberdade de expressão". O discurso esconde o verdadeiro objetivo de toda grande plataforma social: ter o maior número possível de assuntos e usuários interagindo para gerar dados que alimentem seus serviços de publicidade programática. E quanto mais polêmicos forem os assuntos, maior o engajamento.
Quanto mais restrita a moderação de conteúdo é, pior. Países da União Europeia, o Brasil e outros estão exigindo exatamente isso, em acordo com suas leis. O assunto de soberania se tornou uma pedra no sapato das plataformas. Agora, surgiu a oportunidade de removê-la. Embates serão inevitáveis.
Na última década, as plataformas digitais buscaram criar a ideia de que seriam insubstituíveis na vida das pessoas e imunes a regulações. Mas ações como a suspensão do X no Brasil ou a remuneração do jornalismo na Austrália mostraram que isso ainda não é um fato concreto.
Agora, elas agem para barrar esses movimentos que ameaçam sua hegemonia de mercado. O apoio a Trump simboliza isso, e o mesmo se repetirá em outras eleições nos próximos anos. Aprovar uma regulamentação para o setor torna-se urgente.
Bem-vindos à nova era das plataformas.
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