PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a situação do Estado de direito na União Europeia e a aplicação do Regulamento relativo à condicionalidade (Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092)
4.6.2021 - (2021/2711(RSP))
nos termos do artigo 132.º, n.º 2, do Regimento
Petri Sarvamaa, Monika Hohlmeier, Jeroen Lenaers
em nome do Grupo PPE
Eider Gardiazabal Rubial, Birgit Sippel, Isabel García Muñoz
em nome do Grupo S&D
Katalin Cseh, Moritz Körner
em nome do Grupo Renew
Daniel Freund, Alexandra Geese, Terry Reintke, Gwendoline Delbos‑Corfield, Sergey Lagodinsky, Tineke Strik, Saskia Bricmont, Sylwia Spurek, Damian Boeselager, Alice Kuhnke, Diana Riba i Giner, Heidi Hautala, Niklas Nienaß, Hannah Neumann, Rosa D’Amato, Sven Giegold, Rasmus Andresen, Ernest Urtasun, Eleonora Evi
em nome do Grupo Verts/ALE
Younous Omarjee
em nome do Grupo The Left
B9‑0319/2021
Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação do Estado de direito na União Europeia e a aplicação do Regulamento relativo à condicionalidade (Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092)
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 3, 6.º, 7.º, 13.º, 14.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 17.º, n.º 3, 17.º, n.º 8, 19.º, n.º 1, segundo parágrafo, e 49.º do Tratado da União Europeia (TUE), bem como os artigos 265.º, 310.º, 317.º e 319.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
– Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
– Tendo em conta o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2020 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União[1] («Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito»),
– Tendo em conta a sua resolução, de 25 de março de 2021, sobre a aplicação do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092: mecanismo de condicionalidade do Estado de direito[2] e a sua resolução, de 17 de dezembro de 2020, sobre o Quadro Financeiro Plurianual 2021‑2027, o Acordo Interinstitucional, o Instrumento de Recuperação da UE e o Regulamento relativo ao Estado de Direito[3],
– Tendo em conta o relatório da Comissão de 2020 sobre o Estado de Direito, de 30 de setembro de 2020 (COM(2020)0580),
– Tendo em conta as conclusões do Conselho Europeu adotadas em 21 de julho de 2020 e 11 de dezembro de 2020,
– Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE),
– Tendo em conta a sua resolução, de 12 de setembro de 2018, sobre uma proposta solicitando ao Conselho que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, verifique a existência de um risco manifesto de violação grave pela Hungria dos valores em que a União se funda[4],
– Tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 3 de junho de 2021, no processo C‑650/18, que nega provimento ao recurso interposto pela Hungria da resolução do Parlamento que desencadeou o processo de constatação da existência de um risco manifesto de violação grave, por parte deste Estado‑Membro, dos valores em que a União se funda[5],
– Tendo em conta a proposta fundamentada da Comissão, de 20 de dezembro de 2017, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1, do TUE, relativa ao Estado de direito na Polónia: a proposta de decisão do Conselho relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito (COM(2017)0835),
– Tendo em conta a sua resolução, de 1 de março de 2018, sobre a decisão da Comissão de acionar o artigo 7.º, n.º 1, do TUE relativamente à situação na Polónia[6],
– Tendo em conta o artigo 132.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que a União Europeia se funda nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias, consagrados no artigo 2.º do TUE;
B. Considerando que qualquer risco manifesto de violação grave, por parte de um Estado‑Membro, dos valores consagrados no artigo 2.º do TUE não diz exclusivamente respeito ao Estado‑Membro onde se materializa o risco, mas tem igualmente um impacto nos outros Estados‑Membros, na confiança mútua entre estes, na própria natureza da União e nos direitos fundamentais dos seus cidadãos ao abrigo do direito da União;
C. Considerando que o artigo 7.º, n.º 1, do TUE foi ativado pela Comissão e pelo Parlamento em relação à Polónia e à Hungria, respetivamente, na sequência da constatação de um risco manifesto de violação grave dos valores em que se funda a União; considerando que, até à data, o Conselho organizou três audições à Polónia e duas à Hungria no âmbito do Conselho dos Assuntos Gerais;
D. Considerando que o Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de Direito entrou em vigor em 1 de janeiro de 2021 e é aplicável desde então;
E. Considerando que a aplicabilidade, a finalidade e o âmbito de aplicação do Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito estão nele claramente definidos e que, em conformidade com o artigo 17.º, n.º 1, do TUE, a Comissão «vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes»;
F. Considerando que a aplicação do Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito não pode estar sujeita à adoção de orientações e relembrando que nenhumas orientações deverão subverter a intenção dos colegisladores;
G. Considerando que o artigo 234.º do TFUE confere ao Parlamento Europeu o direito de votar sobre uma moção de censura à Comissão;
H. Considerando que a Comissão «exerce as suas responsabilidades com total independência» e os seus membros «não solicitam nem aceitam instruções de nenhum Governo, instituição, órgão ou organismo» (artigo 17.º, n.º 3, do TUE; artigo 245.º do TFUE), e que, além disso, «é responsável perante o Parlamento Europeu» (artigo 17.º, n.º 8, do TUE) e «vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes» (artigo 17.º, n.º 1, do TUE);
I. Considerando que só o TJUE tem competência para anular o Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito ou qualquer parte deste e que as ações interpostas para o TJUE não têm efeito suspensivo nos termos do artigo 278.º do TFUE;
J. Considerando que os interesses financeiros da União devem ser protegidos em conformidade com os princípios gerais consagrados nos Tratados da União, nomeadamente os valores enunciados no artigo 2.º do TUE, e com o princípio da boa gestão financeira consagrado no artigo 317.º do TFUE e no Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União[7] («Regulamento Financeiro»);
1. Reitera a sua posição sobre o Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2021 e que, desde então, é diretamente aplicável na sua totalidade na União Europeia e em todos os seus Estados‑Membros a todos os fundos do orçamento da UE, incluindo os recursos afetados através do Instrumento Europeu de Recuperação;
2. Insta a Comissão e o Conselho a reconhecerem finalmente a necessidade urgente de agir para defender os valores consagrados no artigo 2.º do TUE e a admitirem que um Estado‑Membro não pode alterar a sua legislação, nomeadamente as disposições constitucionais, de modo a reduzir a proteção desses valores; considera que a cooperação leal mútua entre as instituições fica comprometida se as preocupações do Parlamento não forem plenamente partilhadas e tidas em conta; recorda que o Parlamento tem o direito de votar uma moção de censura à Comissão e pode reagir à falta de cooperação do Conselho; convida as outras instituições a trabalharem em conjunto, em vez de obstruírem os esforços para resolver a atual crise;
3. Recorda que, nos termos do artigo 5.º do Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito, a «Comissão verifica se o direito aplicável foi cumprido e, se necessário, toma todas as medidas adequadas para proteger o orçamento da União»; está convicto de que a situação em matéria de respeito dos princípios do Estado de direito em alguns Estados‑Membros requer a aplicação imediata do Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito;
4. Insta a Comissão a reagir rapidamente às graves violações dos princípios do Estado de direito em curso em alguns Estados‑Membros, que estão a pôr seriamente em risco a distribuição equitativa, legal e imparcial dos fundos da UE, especialmente no âmbito da gestão partilhada, e a realizar uma análise exaustiva da necessidade de desencadear sem demora injustificada o procedimento previsto no Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito; reitera o seu apelo à Comissão para que cumpra imediatamente as obrigações que lhe incumbem por força do presente regulamento no sentido de informar devidamente o Parlamento sobre quaisquer notificações escritas aos Estados‑Membros em causa, indicando os elementos factuais e os motivos específicos em que se baseiam as constatações de violação do Estado de direito ou as investigações em curso; observa que, até à data, o Parlamento não recebeu qualquer informação sobre uma notificação;
5. Frisa a sua preocupação com os indícios cada vez mais evidentes e o risco potencialmente crescente de utilização indevida do orçamento da União para deteriorar o Estado de direito em alguns Estados‑Membros; lamenta a incapacidade do Conselho para realizar progressos significativos na aplicação dos valores da União no âmbito dos procedimentos em curso ao abrigo do artigo 7.º em resposta a ameaças aos valores europeus comuns na Polónia e na Hungria; salienta que esta incapacidade de o Conselho utilizar eficazmente o artigo 7.º do TUE continua a comprometer a integridade dos valores comuns europeus, a confiança mútua e a credibilidade da União no seu conjunto; insta as próximas presidências a organizarem audições com regularidade; recomenda que, no seguimento das audições, o Conselho dirija recomendações concretas aos Estados‑Membros em causa, tal como consagrado no artigo 7.º, n.º 1, do TUE indicando os prazos para a aplicação dessas recomendações;
6. Sublinha que, não obstante as numerosas resoluções e relatórios do Parlamento Europeu e diversos processos por infração e decisões do TJUE, a situação do Estado de direito na União Europeia continua a deteriorar‑se;
7. Insta a Comissão a lançar mão de todos os instrumentos disponíveis, incluindo o regulamento, para também combater os persistentes ataques contra a democracia e os direitos fundamentais em toda a União, incluindo ataques contra a liberdade de imprensa e jornalistas, os direitos dos migrantes, das mulheres, das pessoas LGBTIQ, a liberdade de associação e a liberdade de reunião; congratula‑se com o acórdão do Tribunal de Justiça, proferido pela Grande Secção, de negar provimento ao recurso da Hungria contra a resolução do Parlamento, de 12 de setembro de 2018, que aciona o procedimento previsto no artigo 7.º; lamenta a incapacidade da Comissão para atender adequadamente a muitas das preocupações expressas pelo Parlamento sobre a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais em vários Estados‑Membros; Insta a Comissão a utilizar todos os instrumentos à sua disposição, incluindo o artigo 7.º do TUE, o quadro do Estado de direito e os processos por infração previstos no artigo 19.º, n.º 1, do TUE, bem como outros instrumentos, como procedimentos acelerados, pedidos de medidas provisórias no Tribunal de Justiça e ações relativas à não execução dos acórdãos do Tribunal; solicita à Comissão que indique explicitamente as razões, sempre que decidir não utilizar os instrumentos recomendados pelo Parlamento;
8. Salienta a importância de apoiar e reforçar a cooperação entre as instituições da UE, os Estados‑Membros, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e a Procuradoria Europeia (EPPO) na luta contra a corrupção; congratula‑se pelo facto de a EPPO se ter tornado operacional em 1 de junho de 2021;
9. Sublinha que o relatório anual sobre o Estado de direito é um instrumento distinto que complementa o Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito; insta a Comissão a utilizar as conclusões do relatório anual na sua avaliação para efeitos do regulamento; solicita à Comissão que inclua no seu relatório anual sobre o Estado de direito uma secção específica que comporte uma análise dos casos em que as violações dos princípios do Estado de direito num determinado Estado‑Membro possam afetar ou sejam suscetíveis de afetar gravemente, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União;
10. Lamenta que a Comissão não tenha endereçado notificações escritas a Estados‑Membros desde a entrada em vigor do regulamento, não obstante as inúmeras preocupações com as violações do Estado de direito assinaladas no relatório da Comissão sobre o Estado de direito de 2020, e de estarem em curso dois procedimentos ao abrigo do artigo 7.,º que têm um impacto na boa gestão financeira do orçamento da União e que os Estados‑Membros ainda não resolveram; observa que a ausência de ações ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, e do artigo 6.º do regulamento constitui uma recusa da Comissão em cumprir as obrigações que lhe incumbem por força daquele;
11. Recorda que, na sua resolução de 25 de março de 2021, sobre a aplicação do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092: mecanismo de condicionalidade do Estado de direito, o Parlamento atribuiu à Comissão um prazo concreto, e verifica com deceção que a Comissão não cumpriu as suas obrigações dentro do prazo acima referido; salienta que tal constitui uma base suficiente para intentar uma ação judicial contra a Comissão nos termos do artigo 265.º do TFUE;
12. Lamenta que a Comissão não tenha reagido aos pedidos do Parlamento até 1 de junho de 2021 e não tenha ativado o procedimento previsto no Regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito nos casos mais óbvios de violação do Estado de direito na UE; encarrega o seu Presidente de, o mais tardar no prazo de duas semanas a contar da data de adoção da presente resolução, com base no artigo 265.º do TFUE, solicitar à Comissão que cumpra as obrigações que lhe incumbem por força do presente regulamento; declara que, para se preparar, o Parlamento deverá, entretanto, iniciar imediatamente os preparativos necessários para eventuais processos judiciais contra a Comissão ao abrigo do artigo 265.º do TFUE;
13. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão, ao Conselho e aos Estados‑Membros.
- [1] JO L 433 I de 22.12.2020, p. 1.
- [2] Textos aprovados, P9_TA(2021)0103.
- [3] Textos aprovados, P9_TA(2020)0360.
- [4] JO C 433 de 23.12.2019, p. 66.
- [5] Acórdão de 3 de junho de 2021, processo C‑650/18, Hungria contra Parlamento, ECLI:EU:C:2002:426.
- [6] JO C 129 de 5.4.2019, p. 13.
- [7] JO L 193, 30.7.2018, p. 1.