Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de março de 2018, sobre a detenção de defensores dos direitos humanos no Sudão, nomeadamente o caso de Salih Mahmoud Osman, galardoado com o Prémio Sakharov (2018/2631(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Sudão,
– Tendo em conta a declaração, de 9 de fevereiro de 2018, da sua Vice-Presidente responsável pela Rede do Prémio Sakharove do Presidente da sua Subcomissão dos Direitos do Homem sobre Salih Mahmoud Osman, laureado com o Prémio Sakharov,
– Tendo em conta a declaração local, de 11 de janeiro de 2018, dos chefes de missão das embaixadas da UE sobre as recentes manifestações em Cartum,
– Tendo em conta a Resolução 2400 (2018) adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na sua 8177.ª sessão, em 8 de fevereiro de 2018,
– Tendo em conta a declaração proferida em de 31 de janeiro de 2018 pelo Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas no contexto da apreciação pelo Conselho de Segurança do ponto intitulado «Relatórios do Secretário-Geral sobre o Sudão e o Sudão do Sul»,
– Tendo em conta a declaração da coordenadora residente/coordenadora humanitária das Nações Unidas no Sudão sobre o rapto de um trabalhador humanitário no Darfur, emitida em 9 de outubro de 2017, em Cartum,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
– Tendo em conta o artigo 5.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que estipulam que ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
– Tendo em conta a declaração, de 27 de junho de 2016, do porta-voz da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante a União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) sobre o anúncio, pelo Governo do Sudão, de uma cessação unilateral das hostilidades por um período de quatro meses,
– Tendo em conta o Acordo de Parceria de Cotonu revisto,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de junho de 1981,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que a situação no Sudão continua a constituir uma ameaça para a paz internacional e a segurança na região; que as autoridades sudanesas adotaram medidas de repressão contra manifestantes pacíficos, membros da sociedade civil e defensores dos direitos humanos;
B. Considerando que, no âmbito de manifestações esporádicas que eclodiram no Sudão em 7 de janeiro de 2018 para protestar contra o aumento do custo dos alimentos e medicamentos, foram detidos e presos pelo Serviço Nacional de Informação e Segurança do Sudão (NISS), pelo menos, 140 membros de partidos da oposição, defensores dos direitos humanos, estudantes e ativistas dos direitos das mulheres; que, em resposta às manifestações, as forças sudanesas retaliaram com o uso excessivo da força, o que levou à morte de um manifestante e causou vários feridos, e que foram exercidos atos violentos de repressão contra jornalistas e ativistas em todo o país; que os confrontos de janeiro e fevereiro de 2018 são os exemplos mais recentes dos abusos constantes que têm lugar no país;
C. Considerando que entre os detidos figuram opositores políticos e que três dirigentes do Partido do Congresso sudanês foram detidos e presos de forma arbitrária; que entre outros opositores detidos figuram Mohamed Mukhtar al-Khatib, secretário político do Partido Comunista do Sudão, Mohamed Abdalla Aldoma, vice-presidente do Partido Nacional Umma, Mohamed Farouk Salman, membro dirigente da Aliança Nacional do Sudão e dois membros do comité central do Partido Comunista do Sudão, Mohieldeen Eljalad e Sidgi Kaballo;
D. Considerando que forças do Serviço Nacional de Informação e Segurança prenderam Salih Mahmoud Osman – vice-presidente da Ordem dos Advogados do Darfur, membro da Associação Democrática de Advogados, advogado defensor dos direitos humanos, defensor da instauração do Estado de direito e da realização de uma reforma jurídica através da Assembleia Nacional do Sudão e galardoado com o Prémio Sakharov 2007 –— no seu escritório de advogados, em 1 de fevereiro de 2018; que Salih Mahmoud Osman foi recentemente transferido para a prisão de Dabak, a 20 km a norte de Cartum, e que as autoridades se recusaram a prestar ao seu advogado e à sua família informações sobre o seu estado de saúde e a conceder-lhes autorização de visita;
E. Considerando que, na sequência da detenção de Salih Mahmoud Osman, o chefe da delegação da UE no Sudão deu início a diligências junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Sudão e que o Representante Especial da UE para os Direitos Humanos, Stavros Lambridinis, endereçou um apelo à 37.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 27 de fevereiro de 2018;
F. Considerando que várias mulheres ativistas foram também vítimas desta campanha de detenções em larga escala; que as defensoras dos direitos das mulheres são alvo de violência de cariz sexual, de processos judiciais e de castigos violentos impostos pelas forças de segurança governamentais; que as organizações de mulheres são alvo de apertada vigilância e desenvolvem campanhas contra as leis que discriminam, em geral, as mulheres;
G. Considerando que, em meados de fevereiro de 2018, o governo sudanês anunciou a libertação de 80 prisioneiros, incluindo Rawa Jaafar Bakhit, Nahid Jabrallah, Amel Habani, Hanan Hassan Khalifa e Mohamed Abdalla Aldoma, na sequência de maus‑tratos infligidos na prisão; que o diretor do Serviço Nacional de Informação e Segurança fez depender a libertação de outros detidos da sua promessa de pôr termo à organização de manifestações; que estas declarações são contrárias aos compromissos internacionais assumidos pelo Sudão em matéria de direitos humanos; que, não obstante, vários destacados defensores dos direitos humanos e ativistas políticos da oposição continuam detidos, incluindo Osman Salih e Amjeed Fareed, um defensor dos direitos humanos que tem estado detido em Cartum desde 18 de janeiro de 2018; que os detidos não foram acusados de qualquer crime e não foram apresentados perante uma autoridade judicial;
H. Considerando que os defensores dos direitos humanos e as organizações da sociedade civil, incluindo os advogados e as suas organizações, desempenham um papel central na salvaguarda da democracia, dos direitos humanos, do Estado de direito, da estabilidade e do desenvolvimento sustentável;
I. Considerando que as atividades das organizações da sociedade civil e dos partidos políticos da oposição estão sujeitas a fortes restrições e o Serviço Nacional de Informação e Segurança impede a realização de inúmeros eventos de organizações da sociedade civil e dos partidos da oposição; que as ONG internacionais são regularmente expulsas do país e são sujeitas a pressão e a intimidação por parte do governo;
J. Considerando que a Lei de segurança nacional de 2010 e a alteração ao artigo 151.º da Constituição aprovada em 5 de janeiro de 2015 conferiram ao Serviço Nacional de Informação e Segurança amplos poderes para prender e deter, o que lhes permite deter suspeitos por um período de quatro meses e meio sem qualquer possibilidade de revisão jurisdicional; que existem alegações de que estes poderes seriam utilizados prender e deter de forma arbitrária pessoas que, em muitos casos, são vítimas de atos de tortura e de outros maus-tratos; que, ao abrigo da mesma lei, os agentes do Serviço Nacional de Informação e Segurança beneficiam de imunidade penal relativamente a todo e qualquer ato cometido no exercício das suas funções, o que criou uma cultura de impunidade generalizada;
K. Considerando que, em maio de 2016, o governo do Sudão rejeitou as recomendações da ONU nas quais era exortado a revogar as disposições relativas à impunidade consagradas na Lei relativa à segurança nacional de 2010 e a tomar medidas para garantir a abertura de inquéritos independentes com vista à instauração de procedimentos penais por crimes ao abrigo do Direito Internacional e violações dos direitos humanos cometidos por membros do Serviço Nacional de Informação e Segurança, das forças armadas e da polícia;
L. Considerando que vários defensores dos direitos humanos detidos foram sujeitos a tortura e a maus-tratos; que os prisioneiros detidos pelo Serviço Nacional de Informação e Segurança estão particularmente expostos ao risco de maus-tratos; que o Serviço Nacional de Informação e Segurança é conhecido por submeter os detidos a maus tratos e a atos de tortura;
M. Considerando que os atos incessantes de violência perpetrados pelas forças governamentais, por milícias pró-governamentais e por grupos armados antigovernamentais constituem o pano de fundo de um assédio constante, de detenções arbitrárias, de detenções em regime de incomunicabilidade e da alegada tortura de defensores dos direitos humanos pelas forças militares e de segurança sudanesas;
N. Considerando que o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) declarou que o levantamento de algumas sanções pelos Estados Unidos constitui uma etapa importante no quadro dos esforços globais no sentido de reintegrar o Sudão na comunidade internacional e assinalou que a UE estava disposta a acompanhar o Sudão neste processo; que, durante a primeira missão ao Sudão da Subcomissão dos Direitos do Homem do Parlamento, em dezembro de 2017, o governo do Sudão manifestou a sua disponibilidade para reatar as relações com a comunidade internacional; que Salih Mahmoud Osman visitou, em diversas ocasiões, as instituições da UE, incluindo o Parlamento Europeu, a fim de manifestar sérias reservas sobre o reatamento das relações da UE com o Sudão;
O. Considerando que as autoridades sudanesas impediram Mohamed Aldoma de viajar e confiscaram o seu passaporte quando se encontrava a caminho do Cairo para aí se submeter a tratamento médico em 8 de março de 2018, na sequência dos maus-tratos que lhe foram infligidos durante a sua detenção;
P. Considerando que o Sudão ocupa o 174.º lugar entre 180 países no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa; que a liberdade da imprensa e dos meios de comunicação social continua a ser fortemente restringida pelas autoridades e pela Lei relativa à imprensa e às publicações, que prevê restrições como a censura, a apreensão e o confisco de jornais, o encerramento de órgãos de comunicação social e o bloqueio da Internet; que os jornais são regularmente censurados e confiscados depois de impressos, o que significa que às sanções políticas acrescem as sanções económicas;
Q. Considerando que o direito à liberdade de religião continua a ser limitado e que a lei tipifica como crimes a apostasia, a blasfémia e a conversão do islamismo a outra religião; que, em 21 de fevereiro de 2018, o jornalista Shamael al-Nur, que trabalha para o jornal diário «Al-Tayyar», foi acusado de apostasia por ter redigido um editorial sobre os cortes nas despesas nacionais de saúde, uma acusação punível com a pena de morte no Sudão;
R. Considerando que o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de captura contra o Presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al-Bashir, em 4 de março de 2009 e em 12 de julho de 2010;
1. Manifesta a sua profunda preocupação com a contínua perseguição dos defensores dos direitos humanos e de representantes da sociedade civil no Sudão, nomeadamente face à violação da liberdade de expressão, de assembleia e de reunião e da liberdade religiosa e à intimidação de defensores dos direitos humanos, de jornalistas e de ONG que se opõem ao regime;
2. Apela à libertação imediata e incondicional de Salih Mahmoud Osman, laureado com o Prémio Sakharov, bem como dos demais defensores dos direitos humanos, ativistas da sociedade civil e ativistas da oposição, que estão detidos exclusivamente devido às suas atividades legítimas e pacíficas em defesa dos direitos humanos e da democracia;
3. Condena veementemente a prática de tortura e os maus-tratos infligidos a pessoas detidas; insiste em que as condições de todos os detidos sejam consentâneas com as normas internacionais, nomeadamente o «Conjunto de Princípios das Nações Unidas para a Proteção de todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão»;
4. Exorta as autoridades sudanesas a investigarem o recurso à violência, à tortura e aos maus-tratos contra manifestantes pacíficos e a levarem a julgamento os responsáveis; salienta que as informações extorquidas através da tortura e de maus-tratos nunca devem ser admissíveis como prova em processos judiciais;
5. Condena a perseguição e os maus-tratos de que são vítimas os defensores dos direitos humanos e ativistas no Sudão e exorta as autoridades a garantirem, em todas as circunstâncias, que essas pessoas possam exercer as suas atividades legítimas, sem temor de represálias e sem restrições, incluindo o assédio judicial;
6. Apela ao Governo sudanês para que ponha termo imediato às violações dos direitos dos partidos da oposição política e dos defensores dos direitos humanos, bem como da liberdade de expressão, associação e reunião; solicita que os direitos humanos fundamentais de todas as pessoas no Sudão sejam respeitados e protegidos;
7. Manifesta a sua preocupação com as violações contínuas e frequentes dos direitos das mulheres no Sudão, em particular no que diz respeito ao artigo 152.º do Código Penal; exorta as autoridades sudanesas a assinarem sem demora e a ratificarem a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres;
8. Salienta o seu constante empenho em prol do mecanismo de proteção para os defensores dos direitos humanos em situação de risco; insta o SEAE a continuar a melhorar a sua aplicação das Orientações da UE sobre os Defensores dos Direitos Humanos, através da plena utilização de todos os meios à sua disposição no Sudão; salienta que as delegações da UE devem dar prioridade, nos respetivos convites locais à apresentação de propostas ao abrigo do Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos (IEDDH), ao apoio aos defensores dos direitos humanos que correm maiores riscos, garantindo desta forma um apoio seletivo e eficaz;
9. Solicita que o SEAE e a delegação da UE no Sudão informem o Parlamento sobre as medidas tomadas para proteger e apoiar os defensores dos direitos humanos; solicita que a UE e os Estados-Membros atuem de forma unida tendo em vista apoiar os defensores dos direitos humanos em situação de risco;
10. Reafirma que é imperioso rever e reformar leis essenciais, nomeadamente a Lei de segurança nacional de 2010 e as leis que regulam os meios de comunicação social e a sociedade civil, a fim de as alinhar pelas normas internacionais que protegem a liberdade de expressão, de reunião e de associação;
11. Recorda ao Sudão as obrigações que lhe incumbem enquanto membro da ONU e insta este país a dar cumprimento à Resolução 1593 (2005) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que exige a cooperação com o Tribunal Penal Internacional (TPI); reitera o seu apelo para que o Presidente sudanês Omar al-Bashir observe o Direito Internacional, em conformidade com as convenções e tratados em que o Sudão é parte, e apoia o papel do TPI no sentido de se pronunciar sobre as acusações que sobre ele impendem de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade e de genocídio;
12. Exorta o Sudão a garantir o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos;
13. Partilhas das preocupações expressas por Salih Mahmoud Osman, que receia que o atual interesse pela migração desvie a atenção da UE das questões relativas aos direitos humanos;
14. Apela, por isso, ao SEAE para que torne a publicar declarações como resposta às violações generalizadas dos direitos humanos por agentes estatais e por milícias, bem como declarações sobre a redução do espaço da sociedade civil, a fim de demonstrar que a UE continua profundamente preocupada com a situação dos direitos humanos no Sudão;
15. Apela veementemente à UE e aos seus Estados-Membros para que assegurem que a execução de projetos com as autoridades sudanesas respeite o princípio «não prejudicar», que permite excluir a cooperação com responsáveis por violações dos direitos humanos;
16. Convida a UE e os seus Estados-Membros a prestarem apoio às pessoas que, no Sudão, estão verdadeiramente interessadas numa mudança e a concederem apoio às organizações da sociedade civil através de programas de assistência técnica e de reforço das capacidades, tendo em vista melhorar as suas capacidades em termos de defesa dos direitos humanos e do Estado de direito e permitir-lhes contribuir mais eficazmente para a melhoria dos direitos humanos no Sudão;
17. Exorta a UE e os seus Estados-Membros a manterem o seu compromisso de apoiar os esforços da União Africana no sentido de trazer a paz ao Sudão e ao povo sudanês; manifesta o seu apoio, neste contexto, à renovação do mandato da Missão da União ONU‑União Africana no Darfur (UNAMID) até junho de 2018;
18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Governo do Sudão, à União Africana, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, aos copresidentes da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE e ao Parlamento Pan‑Africano (PAP).