Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de outubro de 2019, sobre o projeto de decisão de execução da Comissão que autoriza a colocação no mercado de produtos que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir de milho geneticamente modificado MZHG0JG (SYN-ØØØJG-2), nos termos do Regulamento (CE) n.º 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho (D061869/04 – 2019/2830(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o projeto de decisão de execução da Comissão que autoriza a colocação no mercado de produtos que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir de milho geneticamente modificado MZHG0JG (SYN-ØØØJG-2), nos termos do Regulamento (CE) n.º 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho (D061869/04),
– Tendo em conta o Regulamento (CE) n.º 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados(1), nomeadamente o artigo 7.º, n.º 3, e o artigo 19.º, n.º 3,
– Tendo em conta a votação, em 30 de abril de 2019, no Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal, referido no artigo 35.º do Regulamento (CE) n.º 1829/2003, na sequência da qual o comité não emitiu qualquer parecer, e a votação no comité de recurso, em 5 de junho de 2019, que também não resultou na emissão de um parecer,
– Tendo em conta os artigos 11.º e 13.º do Regulamento (UE) n.º 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados-Membros do exercício das competências de execução pela Comissão(2),
– Tendo em conta o parecer adotado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), em 17 de outubro de 2018, e publicado em 14 de novembro de 2018(3),
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções que levantam objeções à autorização de organismos geneticamente modificados (OGM)(4),
– Tendo em conta o artigo 112.º, n.ºs 2 e 3, do seu Regimento,
– Tendo em conta a proposta de resolução da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar,
A. Considerando que, em 1 de setembro de 2016, a Syngenta Crop Protection NV/SA apresentou à autoridade nacional competente da Alemanha, em nome da Syngenta Crop Protection AG, um pedido de autorização de colocação no mercado de géneros alimentícios, ingredientes alimentares e alimentos para animais que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir de milho geneticamente modificado MZHG0JG (o pedido), nos termos dos artigos 5.º e 17.º do Regulamento (CE) n.º 1829/2003; que o pedido abrangia igualmente a colocação no mercado de produtos que contenham ou sejam constituídos por milho geneticamente modificado MZHG0JG (milho MZHG0JG) destinados a outras utilizações que não como géneros alimentícios ou alimentos para animais, à exceção do cultivo;
B. Considerando que, em 17 de outubro de 2018, a EFSA emitiu um parecer favorável, que foi publicado em 14 de novembro de 2018(5);
C. Considerando que o Regulamento (CE) n.º 1829/2003 determina que os géneros alimentícios e os alimentos para animais geneticamente modificados não devem ter efeitos nocivos para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente e que a Comissão, ao elaborar a sua decisão, deve ter em conta todas as disposições aplicáveis da legislação da União e outros fatores legítimos relevantes para a matéria em apreço;
D. Considerando que o milho MZHG0JG foi tornado resistente aos herbicidas à base de glifosato, bem como aos herbicidas à base de glufosinato-amónio(6);
E. Considerando que os Estados-Membros apresentaram à EFSA numerosas observações críticas durante o período de consulta de três meses(7); que as observações mais críticas dizem respeito à avaliação da toxicologia, à análise comparativa e à avaliação dos riscos ambientais; que vários Estados-Membros consideraram que os dados relativos à toxicologia são insuficientes e pouco fiáveis, especialmente no que diz respeito aos níveis de resíduos de glifosato e glufosinato; que uma das observações salienta que a análise comparativa revelou uma falta de equivalência para o ácido ferúlico (um composto importante das paredes das células vegetais) entre o milho MZHG0JG e as variedades de referência, o que pode resultar no aumento da acumulação de herbicidas;
F. Considerando que um estudo independente(8) concluiu que a avaliação dos riscos da EFSA não é aceitável na sua forma atual, uma vez que não avalia devidamente a toxicidade, especialmente no que se refere aos possíveis efeitos cumulativos dos dois transgenes, dos herbicidas complementares e dos seus metabolitos; que o estudo põe em causa a fiabilidade dos dados do estudo de 90 dias relativo à alimentação animal e, além disso, conclui que a avaliação dos riscos ambientais da EFSA não é aceitável, uma vez que não tem em conta o risco de propagação dos transgenes por transferência de genes entre o milho MZHG0JG e o teosinto, uma espécie selvagem aparentada ao milho, no caso de entrar no ambiente material vegetal viável do milho MZHG0JG;
Herbicidas complementares
G. Considerando que foi demonstrado que o cultivo de culturas geneticamente modificadas resistentes aos herbicidas resulta numa maior utilização de herbicidas, devido em grande medida ao aparecimento de ervas daninhas resistentes aos herbicidas(9); que, consequentemente, é de esperar que as culturas de milho MZHG0JG fiquem expostas a doses mais elevadas e repetidas de glifosato e glufosinato, o que poderá resultar num aumento da quantidade de resíduos na colheita;
H. Considerando que, no âmbito do último programa de controlo coordenado plurianual da União (para 2020, 2021 e 2022), os Estados-Membros não são obrigados a medir os resíduos de glifosato ou de glufosinato nas importações de milho(10); que não se pode excluir que o milho MZHG0JG ou os produtos deste derivados utilizados em géneros alimentícios e alimentos para animais excedam os limites máximos de resíduos da União, que foram estabelecidos para assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores;
I. Considerando que o glufosinato é classificado como substância tóxica para a reprodução da categoria 1B e, por isso, satisfaz os critérios de exclusão estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho(11); que a aprovação do glufosinato para efeitos de utilização na União expirou em 31 de julho de 2018(12);
J. Considerando que permanecem dúvidas quanto ao potencial cancerígeno do glifosato; que a EFSA concluiu, em novembro de 2015, que era pouco provável que o glifosato fosse cancerígeno; que, pelo contrário, em 2015, o Centro Internacional de Investigação do Cancro da Organização Mundial da Saúde classificou o glifosato como provavelmente cancerígeno para o ser humano;
K. Considerando que, de acordo com a EFSA, estão em falta os dados toxicológicos necessário para realizar uma avaliação dos riscos para o consumidor relativamente a vários produtos de decomposição do glifosato relevantes para culturas geneticamente modificadas resistentes ao glifosato(13);
L. Considerando que, nas plantas geneticamente modificadas, a forma como os herbicidas complementares são decompostos pelas plantas, e a composição e, por conseguinte, a toxicidade dos produtos repartidos (metabolitos), pode ser resultante da própria modificação genética; que, segundo a AESA, tal é, de facto, o caso quando o herbicida complementar é o glifosato(14);
M. Considerando que se entende que a avaliação dos resíduos de herbicidas e dos seus metabolitos nas plantas geneticamente modificadas não se enquadra na esfera de competências do Painel dos Organismos Geneticamente Modificados da EFSA;
Processo não democrático
N. Considerando que, na sequência da votação de 30 de abril de 2019, o Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal, referido no artigo 35.º do Regulamento (CE) n.º 1829/2003, não emitiu parecer, ou seja, a autorização não teve o apoio de uma maioria qualificada de Estados-Membros; que a votação de 5 de junho de 2019 do comité de recurso também não emitiu qualquer parecer;
O. Considerando que, tanto na exposição de motivos da sua proposta legislativa, de 22 de abril de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.º 1829/2003 quanto à possibilidade de os Estados-Membros limitarem ou proibirem a utilização de géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados nos seus territórios, como na exposição de motivos da proposta legislativa, de 14 de fevereiro de 2017, que altera o Regulamento (UE) n.º 182/2011, a Comissão lamenta o facto de, desde a entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 1829/2003, ter adotado decisões de autorização que não contaram com o apoio do parecer do comité dos Estados-Membros e de a devolução do processo à Comissão para decisão final, que de facto constitui a exceção em todo o procedimento, se ter tornado a norma no processo de tomada de decisões aplicável às autorizações relativas aos géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados; que, em diversas ocasiões, o presidente da Comissão lamentou o recurso a esta prática por não a considerar democrática(15);
P. Considerando que, na sua oitava legislatura, o Parlamento Europeu aprovou resoluções que se opõem à colocação no mercado de OGM destinados à alimentação humana e animal (33 resoluções) e ao cultivo de OGM na União (3 resoluções); que não houve uma maioria qualificada de Estados-Membros a favor da autorização de qualquer um desses OGM; que, apesar de reconhecer as deficiências democráticas, a falta de apoio dos Estados-Membros e as objeções do Parlamento, a Comissão continua a autorizar OGM, apesar de não ter a obrigação legal de o fazer;
1. Considera que o projeto de decisão de execução da Comissão excede as competências de execução previstas no Regulamento (CE) n.º 1829/2003;
2. Considera que o projeto de decisão de execução da Comissão não está em conformidade com o Direito da União, dado que não é compatível com o objetivo do Regulamento (CE) n.º 1829/2003, o qual consiste, nos termos dos princípios gerais estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho(16), em proporcionar o fundamento para garantir, no que diz respeito aos géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados, um nível elevado de proteção da vida e da saúde humana, da saúde e do bem-estar dos animais, do ambiente e dos interesses dos consumidores, assegurando simultaneamente o funcionamento eficaz do mercado interno;
3. Solicita à Comissão que retire o seu projeto de decisão de execução;
4. Reitera o seu empenho em fazer avançar os trabalhos sobre a proposta da Comissão que altera o Regulamento (UE) n.º 182/2011; exorta o Conselho a prosseguir, com caráter de urgência, os seus trabalhos sobre essa proposta da Comissão;
5. Insta a Comissão a suspender toda e qualquer decisão de execução relativa a pedidos de autorização de OGM até o processo de autorização ter sido revisto de forma a resolver as deficiências do procedimento atual, que se revelou inadequado;
6. Insta a Comissão a retirar as propostas de autorização de OGM, caso o Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal não emita um parecer, seja sobre cultivo ou sobre utilizações para géneros alimentícios e alimentos para animais;
7. Exorta a Comissão a não autorizar quaisquer plantas geneticamente modificadas resistentes a herbicidas sem uma avaliação completa dos resíduos da pulverização com herbicidas complementares, dos respetivos metabolitos e das fórmulas comerciais praticadas nos países de cultivo;
8. Insta a Comissão a integrar plenamente a avaliação de risco da aplicação de herbicidas complementares e dos seus resíduos na avaliação de risco das plantas geneticamente modificadas resistentes a herbicidas, independentemente de a planta geneticamente modificada em causa se destinar a ser cultivada na União ou a ser importada para a União para utilizações em géneros alimentícios ou em alimentos para animais;
9. Insta a Comissão a não autorizar a importação, para utilizações em géneros alimentícios ou em alimentos para animais, de quaisquer plantas geneticamente modificadas que tenham sido tornadas resistentes a um herbicida cuja utilização não esteja autorizada na União, no presente caso, o glufosinato;
10. Encarrega o seu presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
Parecer científico sobre a avaliação do milho geneticamente modificado MZHG0JG para uso na alimentação humana ou animal, importação e transformação nos termos do Regulamento (CE) n.º 1829/2003 (pedido EFSA‐GMO‐DE‐2016‐133), EFSA Journal, 14 de novembro de 2018, 16(11):5469, https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.2903/j.efsa.2018.5469
Parecer científico sobre a avaliação do milho geneticamente modificado MZHG0JG para uso na alimentação humana ou animal, importação e transformação nos termos do Regulamento (CE) n.º 1829/2003 (pedido EFSA‐GMO‐DE‐2016‐133), EFSA Journal, 14 de novembro de 2018, 16(11):5469, https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.2903/j.efsa.2018.5469.
Comentário da Testbiotech sobre a avaliação do milho geneticamente modificado MZHG0JG para uso na alimentação humana ou animal, importação e transformação nos termos do Regulamento (CE) n.º 1829/2003 (pedido EFSA‐GMO‐DE‐2016‐133) da empresa Syngenta, https://www.testbiotech.org/sites/default/files/Testbiotech_Comment_Maize_MZHG0JG.pdf
Ver, por exemplo, Bonny S., «Genetically Modified Herbicide-Tolerant Crops, Weeds, and Herbicides: Overview and Impact», Environmental Management, janeiro de 2016, 57(1), p. 31-48, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26296738, e Benbrook, C.M., «Impacts of genetically engineered crops on pesticide use in the U.S. – the first sixteen years», Environmental Sciences Europe, 28 de setembro de 2012, vol. 24(1), https://enveurope.springeropen.com/articles/10.1186/2190-4715-24-24.
Regulamento de Execução (UE) 2019/533 da Comissão, de 28 de março de 2019, relativo a um programa de controlo coordenado plurianual da União para 2020, 2021 e 2022, destinado a garantir o respeito dos limites máximos de resíduos de pesticidas no interior e à superfície dos alimentos de origem vegetal e animal e a avaliar a exposição dos consumidores a estes resíduos (JO L 88 de 29.3.2019, p. 28).
Regulamento (CE) n.º 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO L 309 de 24.11.2009, p. 1).
«EFSA conclusion on the peer review of the pesticide risk assessment of the active substance glyphosate», EFSA Journal, 12 de novembro de 2015, 13(11), p. 3, https://www.efsa.europa.eu/en/efsajournal/pub/4302.
Avaliação da EFSA dos atuais limites máximos de resíduos para o glifosato, nos termos do artigo 12.º do Regulamento (CE) n.º 396/2005, 17 de maio de 2018, p. 12, https://www.efsa.europa.eu/fr/efsajournal/pub/5263.
Ver, por exemplo, o discurso de abertura na sessão plenária do Parlamento Europeu incluído nas orientações políticas para a próxima Comissão Europeia (Estrasburgo, 15 de julho de 2014) ou o discurso de 2016 sobre o Estado da União (Estrasburgo, 14 de setembro de 2016).
Regulamento (CE) n.º 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31 de 1.2.2002, p. 1).